Operando no Brasil, Indonésia, Austrália, Singapura e México, app era arma dos chineses para virar ‘ecosistema musical’. O que virá agora?
Por Ricardo Silva, de São Paulo
Em julho de 2023, o site da UBC anunciava a estreia, então só no Brasil e na Indonésia, de um app que, “nos próximos meses e anos, pode virar o jogo na indústria musical.” Desde então, o TikTok Music, plataforma de streaming de áudio por assinatura vinculada ao poderoso TikTok, se expandiu para Austrália, México e Singapura.
E agora vai fechar.
Desconcertado, o mercado tenta entender as razões por trás da decisão tomada pelo conglomerado chinês ByteDance, o que mais teria condições de brigar com o líder Spotify pela hegemonia da distribuição de música digital (oferecendo, inclusive, bem mais do que os suecos, já que no TikTok as pessoas também criam música e geram memes e discussão a partir dela).
“O problema aqui não é o quê - a plataforma de áudio pago TikTok Music -, mas como”, arriscou a analista do mercado musical Elaine Brandão. “É verdade que o TikTok, com o TikTok Music, pensava estar materializando seu projeto de se tornar um ecossistema musical 360, no qual seria possível criar, distribuir e interagir de formas variadas com música, em todas as suas pontas. Mas a realidade é que, com o modelo que eles lançaram no Brasil e em outros países, essas coisas todas são feitas não em uma, mas em duas plataformas diferentes.”
De fato, a relativamente pouca integração entre a plataforma-mãe, a dos vídeos, e o Music chamava a atenção. Com o modelo de dois apps, não é possível, por exemplo, usar um áudio do Music para criar um vídeo no TikTok de uma maneira fludia, nem o contrário.
Por isso, o TikTok dará um passo atrás, segundo afirmou ao site Music Business Worldwide Ole Obermann, seu chefe global de desenvolvimento de negócios musicais. A partir de 28 de novembro, quando o TikTok Music for oficialmente fechado no Brasil, na Austrália, no México, em Singapura e na Indonésia, os usuários poderão usar um recurso que já vem sendo testado mundialmente, o Add To Music App, um aplicativo dentro do aplicativo principal que permite salvar as músicas dos vídeos em playlists e consumi-las como streaming de áudio em outros apps, tipo Spotify ou Apple Music, por exemplo.
"Nosso recurso Add To Music App já permitiu que centenas de milhões de faixas fossem salvas em playlists nos serviços de streaming de música parceiros", Obermann descreveu. "Encerraremos o TikTok Music no final de novembro para focar em nosso objetivo de fortalecer ainda mais o papel do TikTok em impulsionar uma maior audição de música e adicionar valor às plataformas de streaming de música, em benefício de artistas, compositores e da indústria."
Para Brandão, por trás da decisão está, obviamente, uma quantidade de assinantes aquém do esperado pelos chineses.
“Eles nunca divulgaram o número exato de pagantes, mas o mercado calcula que, no Brasil, não passou da ordem de centenas de milhares, longe do milhão, colocando-os em sexto ou sétimo lugar no país. Agora, provavelmente revisarão sua estratégia para, no futuro, voltar a entregar algo melhor na ponta do streaming de áudio. Que o Music não tenha dado certo não significa que o TikTok não continue a ser a plataforma mais preparada para se tornar um super app de consumo, distribuição e criação de vídeos a partir de músicas”, completou Brandão.
O analista Tim Ingham disse acreditar que a estratégia de se concentrar no app de vídeos também pode se amparar nos sucessivos números que vêm sendo divulgados nas últimas semanas mostrando que o “TikTokão”, o app principal, já é uma plataforma de descobertas musicais, sem depender do TikTok Music.
“Na semana passada, destacando seu poder para impulsionar o consumo em plataformas de streaming de terceiros, o TikTok divulgou uma estatística reveladora: de acordo com a ByteDance, mais de um quarto (27%) dos 100 singles mais vendidos na Alemanha no ano passado se tornaram virais no TikTok antes de se tornarem um sucesso na parada de singles alemã”, ele afirmou.
No início deste mês, mostramos aqui no site que 60% de todas as músicas que bombam no TikTok (o app de vídeos) são independentes, o que revela o enorme poder potencial dessa plataforma para alterar dinâmicas cristalizadas do mercado, ameaçando a hegemonia das grandes gravadoras. A briga com a Universal Music em fevereiro passado, que levou a maior discográfica do mundo a retirar todo o seu catálogo do TikTok (algo já superado, com as canções já de volta), mostra que o TikTok não quer se curvar aos pesos-pesados da indústria e pretende continuar a ser um hub de lançamentos e difusão de música através do seu ativo mais valioso, seu algoritmo.
“(No TikTok), você não está suscetível aos mesmos conteúdos distribuidos no mundo inteiro, como acontece no Instagram. Você começa a acessar conteúdos que têm realmente a ver com você. Uma estrutura mais descentralizada, como a deles, não vai usar músicas dos catálogos das grandes gravadoras. Nenhuma das majors - Universal, Warner e Sony - é chinesa. É natural que a ByteDance e sua rede social, que usa música como um dos ganchos de atenção nesta economia da atenção, queira disputar esse espaço das majors”, analisou Dani Ribas, professora de negócios musicais e fundadora da Sonar Cultural Consultoria, que completou: “Ela não tem o catálogo das majors. Mas tem os dados dos usuários, principalmente desses rastros digitais que esses usuários deixam nas redes e que indicam suas preferências. E as majors não têm esse tipo de informação. Pelo menos não em primeiríssima mão, como o TikTok.”
Assim, o TikTok deve continuar a agir para distribuir, usando seus algoritmos, músicas que fujam da hegemonia das grandes e, de quebra, aumentem seu poder como um hub de referência de novidades para seu amplo público (não só adolescentes, como no início, mas todo um leque de idades, classes sociais e origens geográficas).
Agora, eles querem oferecer tudo concentrado num só app, em vez de dois. No médio e no longo prazos, o mercado poderá saber se a nova estratégia será melhor que a anterior. Mas uma coisa é certa: os chineses, donos de um app que há anos é um dos mais baixados do mundo (inclusive no suculento e disputadíssimo mercado dos Estados Unidos), não parecem estar jogando para perder.
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