Com o acordo, quase R$ 2 milhões serão pagos; mediação da editora e gravadora local Badalando foi fundamental
Do Rio
O Arraiá do Povo, um dos maiores eventos realizados pelo estado. Foto: Divulgação/Johnny Canon/Governo de Sergipe
O governo de Sergipe e o Ecad fecharam um acordo para regularizar os pagamentos de direitos autorais pelas produções culturais do estado nordestino, que estava inadimplente havia mais de 25 anos. O anúncio da regularização, feito na última segunda-feira, Dia do Compositor Brasileiro, foi marcado por simbolismo e celebração por parte de inúmeros agentes culturais sergipanos.
Além da quitação da dívida de quase R$ 2 milhões, o estado se comprometeu a honrar os pagamentos futuros de direitos autorais pelos eventos que promover. Com o acordo, calcula-se que mais de 2 mil compositores do estado terão valores a receber.
Chave no processo de regularização, Deivid Gonçalves, da editora e gravadora Badalando, mediou a negociação entre o governo, a Funcap - Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe e o Ecad. Ele comemorou muito o acordo.
“É uma questão histórica resolvida, uma medida que traz outra perspectiva para quem vive de composição no Estado de Sergipe. Os grandes eventos são promovidos pelo governo, e o não pagamento de direitos autorais deixava os autores distantes da possibilidade de viver de suas obras. Desde 2001, quando a Badalando foi criada, estivemos levando aos governos a importância dos direitos autorais. Começamos regularizando a TV e rádio pública, a Aperipê. Nunca haviam pagado. Num ano de conversas e ajustes, levando conhecimento sobre direito autoral, aproximando o Ecad, conseguimos fechar o primeiro acordo. Agora, conseguimos o novo acordo sobre a utilização de obras musicais em eventos”, descreveu Gonçalves, cuja Badalando é associada da UBC.
A partir de agora, eventos como Verão Sergipe, Arraiá do Povo, Vila da Criança, Vila da Páscoa, Vila do Natal e outros remunerarão aos titulares das músicas executadas. Para Márcia Bittencourt, gerente da filial da UBC na Bahia — e que cobre também Sergipe —, a regularização envia uma importante mensagem a outros governos.
“No Brasil, o reconhecimento pelo Estado da importância dos direitos autorais para os criadores de música é um dos nossos grandes desafios como associação arrecadadora. O pagamento ao Ecad nunca é priorizado pelas prefeituras e governos estaduais, com raríssimas exceções, e, na maioria das vezes, (isso ocorre) por falta de conhecimento sobre a importância da remuneração e o funcionamento do órgão. Então, é muito gratificante ver um acordo como esse. Sem a música, o estado não realizaria os eventos que tanto alegram o seu povo, principalmente em datas festivas e regionais, como o famoso São João em Sergipe.”
Márcia afirma que esta “luta de 25 anos pela regularização não seria vencida sem o esforço de agentes como nosso associado Deivid, da Badalando":
“Ele foi fundamental na interlocução entre o governo do Estado de Sergipe e o Ecad. Sinto muito orgulho pelo fato de a UBC ter parceiros incansáveis como o Deivid na defesa dos direitos autorais da nossa música.”
INADIMPLÊNCIA PERSISTENTE
Enquanto Sergipe lança um contundente exemplo, outros usuários importantes de música em eventos públicos continuam inadimplentes. É o caso de Recife, cuja prefeitura está sendo processada desde julho pelo Ecad. A dívida total da capital pernambucana compositores e outros titulares de direitos de execução pública supera os R$ 5 milhões, em eventos de carnaval, São João e réveillon.
“Tentamos o caminho do diálogo e fizemos reuniões nos últimos dois anos com representantes da Secretaria de Cultura, da Procuradoria, da Controladoria, de vários órgãos da Prefeitura do Recife. Todos mantiveram a postura de não reconhecer os direitos autorais dos compositores. É lamentável”, descreveu Giselle Luz, gerente do Ecad responsável pelo atendimento ao Estado de Pernambuco.
As principais alegações da municipalidade recifense são de que os eventos sobre os quais incidem as cobranças são gratuitos e não têm fins lucrativos. Ocorre que a lei de direitos autorais (9.610/98) não prevê exceções para casos como os das multitudinárias celebrações de carnaval, São João e ano-novo realizadas na cidade, e uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema reiterou, no final de 2023, a obrigação de pagar aos autores pelo uso das suas canções nessas festas, mesmo que não haja cobrança de ingresso.
A negativa da prefeitura em tudo choca com o bem-vindo acordo fechado algumas semanas antes do São João 2024 entre o Ecad e a prefeitura de Caruaru. Outras cidades pernambucanas em dia com a justa remuneração dos criadores musicais são Abreu e Lima, Vitória de Santo Antão, Santa Cruz do Capibaribe, Palmares e Lagoa Grande. O próprio governo do Estado de Pernambuco está em negociações abertas atualmente para regularizar os pagamentos nos eventos que realiza, assim como as cidades de Gravatá, Arcoverde, Limoeiro e Araripina.
Recife, porém, insiste em não dialogar. Assim como Petrolina, que já foi notificada extrajudicialmente e será processada judicialmente em breve, segundo o Ecad.
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