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Ecad processa prefeitura do Recife por não pagar direitos autorais
Publicado em 03/07/2024

Milhares de compositores vêm sendo prejudicados pelo uso sem remuneração de suas obras em festas de carnaval, réveillon e São João; entenda

De São Paulo

Multidão lota ruas do Recife durante o Galo da Madrugada, maior bloco de carnaval do mundo: música é pilar cultural, mas cidade não paga a compositores. Shutterstock

Alceu Valença receberá um total de R$ 0 em direitos de execução pública pelas canções que tocou em seu show no São João de Recife, cujos 20 dias de festa com 1,2 mil atrações musicais se encerraram no domingo (30). Como ele, centenas, talvez milhares de criadores que tiveram composições executadas não só agora, mas também no réveillon e no carnaval passados, nada ganharão. Inadimplente e em deliberado desacordo com a lei de direitos autorais, a gestão do prefeito João Campos (PSB) está sendo processada pelo Ecad, depois de exaustivas e malsucedidas tentativas de negociação.

A dívida total da prefeitura com os compositores e outros titulares de direitos de execução pública, nas três festas, supera os R$ 5 milhões. Por ora, o processo judicial abarca o réveillon e o carnaval, com uma notificação extrajudicial já emitida para o São João.

“Tentamos o caminho do diálogo e fizemos reuniões nos últimos dois anos com representantes da Secretaria de Cultura, da Procuradoria, da Controladoria, de vários órgãos da Prefeitura do Recife. Todos mantiveram a postura de não reconhecer os direitos autorais dos compositores. É lamentável”, descreve Giselle Luz, gerente do Ecad responsável pelo atendimento ao Estado de Pernambuco.

As principais alegações da municipalidade recifense são de que os eventos sobre os quais incidem as cobranças são gratuitos e não têm fins lucrativos. Ocorre que a lei de direitos autorais (9.610/98) não prevê exceções para casos como os das multitudinárias celebrações de carnaval, São João e ano-novo realizadas na cidade, e uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema reiterou, no final de 2023, a obrigação de pagar aos autores pelo uso das suas canções nessas festas, mesmo que não haja cobrança de ingresso.

A negativa da prefeitura em tudo choca com o bem-vindo acordo fechado algumas semanas antes do São João 2024 entre o Ecad e a prefeitura de Caruaru. Outras cidades pernambucanas em dia com a justa remuneração dos criadores musicais são Abreu e Lima, Vitória de Santo Antão, Santa Cruz do Capibaribe, Palmares e Lagoa Grande. O próprio governo do Estado de Pernambuco está em negociações abertas atualmente para regularizar os pagamentos nos eventos que realiza, assim como as cidades de Gravatá, Arcoverde, Limoeiro e Araripina.

Recife, porém, insiste em não dialogar. Assim como Petrolina, que já foi notificada extrajudicialmente e será processada judicialmente em breve, segundo o Ecad.

Procurada desde o início da semana pela UBC, a assessoria de imprensa da prefeitura do Recife não respondeu à solicitação de entrevista feita ao prefeito João Campos. Como maior sociedade de gestão coletiva de direitos autorais do Brasil, representante de 62 mil associados e com uma forte presença em Pernambuco, a UBC entende que a entrevista seria uma oportunidade de o gestor explicar aos compositores as razões pelas quais sua administração acredita que eles não devem cobrar nada pelo uso de suas músicas nos eventos de rua municipais. 

Nesta quarta, a Fundação de Cultura Cidade do Recife enviou uma nota ao site da UBC em que afirma que “todas as programações oferecidas diretamente pelo município, entre elas as apresentações musicais, são executadas em espaços públicos, sem fins lucrativos e gratuitas ao público, sendo fomentadas em quase sua totalidade com recursos advindos de tributos.”

Veladamente, a entidade ainda lançou um desafio ao processo judicial aberto pelo Ecad:

“Do ponto de vista jurídico, (a prefeitura) já obteve ganhos judiciais em ações anteriores, seguindo a premissa de que a ação promovida pelo governo municipal tem fins exclusivamente de cunho social, cultural e simbólico, sem qualquer finalidade de obter rendimentos financeiros.”

A argumentação, falha e derrubada pelo STJ, não leva em conta o direito dos criadores de música de viver da sua arte. Não só a lei de direitos autorais brasileira, mas também tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, reconhecem que uma pessoa que cria canções tem a prerrogativa de exigir um pagamento pelo uso que se faça delas. A lei brasileira confere ao Ecad a missão de fazer a cobrança. Portanto, a inadimplência do Recife e de outras cidades que se recusam a pagar quando usam músicas não é com o Ecad, mas com milhares de pessoas que compõem músicas.

Para Isabel Amorim, superintendente executiva do Ecad, a falta de pagamento penaliza particularmente quem não interpreta as próprias composições.

“Não é possível que os organizadores das festas de São João não reconheçam o direito da classe artística. Muitos compositores vivem do direito autoral, e nem todos sobem ao palco ou ganham cachê musical. Os organizadores deveriam fortalecer a cultura de suas regiões, cumprindo a legislação”, ela afirmou.

Como a mais recente edição da Revista UBC mostrou, o segmento de arrecadação e distribuição Festas Juninas é um dos mais democráticos da gestão coletiva nacional. Só em 2023, os R$ 5,5 distribuídos dentro dessa rubrica (e arrecadados de prefeituras, governos estaduais e organizadores privados em dia com o pagamento) contemplaram nada menos que 17.280 titulares de direitos autorais de todas as regiões do Brasil.

Os benefícios do cumprimento da lei favorecem toda a cadeia produtiva da música. E muitas cidades, Recife entre elas, exploram a música como um grande reclamo turístico e uma quase reivindicação de identidade.

“Por isso é tão contraditório que a inadimplência ocorra em Recife, uma cidade que foi nomeada como ‘cidade da música’ e integra a rede mundial de criatividade da Unesco”, finaliza Giselle Luz, do Ecad.

 

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