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Artigo: O admirável mundo novo do capitalismo intelectual
Publicado em 16/10/2024

UBC reproduz artigo de Paula Cunha, da sociedade portuguesa SPA, sobre a miragem de uma 'incrível' e perigosa tecnologia já presente

Por Marcelo Castello Branco, do Rio*

Paula Cristina Martins Cunha é a administradora da SPA, a Sociedade Portuguesa de Autores, e uma das vozes mais ativas, engajadas e preparadas no universo da Cisac - Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores. Com experiência de gestão e profundo conhecimento acadêmico, seu interesse por temas vitais como inteligência artificial (IA) são matéria importante de reflexão e discussão pela comunidade de gestão coletiva. Por isso, reproduzimos um artigo publicado por ela esta semana no diário português Público, em que lança um necessário alerta sobre uma nova forma de exclusão tecnológica que já se vai disseminando.

A Cisac é a principal rede mundial de sociedades de autores. Com mais de 227 sociedades membros em mais de 116 países, representa mais de 5 milhões de criadores de todas as áreas geográficas e de todos os repertórios artísticos: música, audiovisual, drama, literatura e artes visuais. E a UBC, orgulhosamente, está representada no seu conselho de administração. Também orgulhosamente representamos no Brasil a SPA, nossa aliada estratégica no mundo lusófono.

*Marcelo Castello Branco é diretor-executivo da UBC e presidente do Conselho de Administração da Cisac

 

O admirável mundo novo do capitalismo intelectual

Por Paula Cristina Martins Cunha, de Lisboa

Artigo publicado na norma europeia da língua portuguesa, tal como o reproduzimos aqui

Existem soluções, testadas ou em teste, visando o aumento da capacidade intelectual em moldes que nem o iluminado Stanley Kubrick conseguiu imaginar. Faz sentido: o QI do Chat GPT4 é quase idêntico ao de Einstein (155, 160) e, se a cada nova versão a sua capacidade aumenta vertiginosamente (mesmo que não seja ao ritmo dos 18 meses da lei de Moore), então o cérebro humano dificilmente conseguirá ser competitivo nesta nova e já presente realidade.

O neurónio humano demorou mais de 500 milhões de anos a evoluir, o transístor dezenas de anos, o Chat Gpt4 alguns meses. Um humano gasta, em média, um minuto para ler 250 palavras, o Chat Gpt4 lê cerca de 22.000 no mesmo tempo.

É neste contexto que o movimento transumanista ganha tendencialmente força e surge como uma aparente boa solução. Afinal, bastará colocar um implante para melhorar a capacidade do cérebro humano à semelhança do que se faz(ia) com o processamento dos computadores. A Neurolink de Musk (entre outras) já iniciou o processo que, aliás, nos é apresentado como notável e de grande esperança para o futuro próximo.

Também a (epi)genética se afigura promissora, dando a possibilidade de se poder escolher características de um futuro filho, desde a cor dos olhos até… ao QI? Dito assim, parece uma fantasia saída de um mau filme de ficção científica – sim, mau, porque esta escolha pode conduzir a algo dramático fazendo do ideal ariano uma brincadeira de crianças – ou um mero exercício especulativo. Mas é a realidade a que, infelizmente, prestamos pouca atenção perdidos que andamos na espuma dos dias manipulada pelas redes sociais.

Teremos, com estas soluções tecnológicas, a afirmação de um diferente tipo de capitalismo: o capitalismo intelectual, uma vez que o acesso a soluções desta natureza, naturalmente dispendioso, não será universal, mas apenas ao alcance dos detentores de maior poder económico.

A diferenciação social será feita com base nas capacidades intelectuais, o que, aumentadas em virtude do recurso a tecnologias caras, continuará a reproduzir a fragmentação social baseada nas condições económicas. O elevador social que hoje a escola ainda constitui será reduzido porque o ensino não se adaptou a tempo de poder dar resposta adequada às novas exigências.

Após o capitalismo comercial (final do séc. XV), o capitalismo industrial (séc. XVIII), o capitalismo financeiro (após a Primeira Guerra Mundial), o capitalismo informacional proposto pelo sociólogo Castells (“A sociedade em rede”, 2007) que o localiza a partir de 1980 surge, em evolução deste último, o advento do capitalismo intelectual. A acumulação de capital já não é com base no comércio, na produção fabril em massa ou na produção e controle da informação, do conhecimento e da tecnologia, mas assente no capital humano.

Então, se a economia do conhecimento valoriza a produção intelectual e a capacidade de inovação permanente e a eventual competição com a IA fica apenas ao alcance de uma elite cujo poder económico lhe permitirá o acesso a soluções de incremento intelectual, que sociedade teremos em 2050? Isto já para não falar de outras dimensões igualmente importantes a ter em conta na análise deste tão complexo assunto nem problematizar as questões ontológicas que se colocam a esta filosofia que tende a nos “maquinizar”.

Para complicar, esta nova realidade é totalmente dominada pelos GAFAM (Google, Apple, Facebook, Amazon, Microsoft) e pelos BATX (Baidu, Alibaba, Tencent, Xiaomi), cujo poder se dissemina pelo mundo a partir dos Estados Unidos e da China.

A Europa corre o risco de ficar irremediavelmente para trás. Por muito que seja pioneira na regulação – importante, sem dúvida –, parece não ter lugar no banco destes crescidos que repartem entre si conhecimento, inovação, influência e fazem do mundo o seu pátio de recreio.

Ainda vamos a tempo de, sem abdicar dos valores humanistas que nos distinguem, entrarmos neste jogo? Temos inteligência humana, recursos financeiros, capacidade tecnológica. O que falta?

 

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