Chineses chegaram a desativar o aplicativo nos EUA no domingo (19); agora, poderiam ter que ceder 50% do seu controle
Por Ricardo Silva, de São Paulo
Montagem: reprodução
O presidente Donald Trump suspendeu temporariamente a proibição do TikTok nos EUA, concedendo à empresa e à sua controladora chinesa, ByteDance, mais tempo para fechar um acordo de venda. A ordem executiva de Trump dá à maior plataforma de vídeos curtos do planeta um adiamento de 75 dias no banimento, que entrou em vigor no domingo após a companhia se recusar a cumprir uma lei que exigia a venda da operação americana.
Como já explicamos em diferentes matérias aqui no site da UBC, o que ocorre é que uma nova lei de segurança nacional, de abril de 2024, vinculou a ByteDance a suspeitas de espionagem a cidadãos e interferência do governo da China em solo americano. A lei determinava que o TikTok deveria ser vendido pelos chineses ou, então, teria seu download proibido nas grandes lojas de apps (como Apple App Store ou Google Play Store). O prazo para essa venda forçosa foi estabelecido justamente para o domingo, 19.
Os chineses, talvez buscando uma grande mobilização popular entre os mais de 170 milhões de usuários do TikTok nos Estados Unidos, foram longe: não só não acataram a ordem de venda, entrando com uma fracassada ação na Suprema Corte americana que alegava afronta à liberdade de expressão, como se anteciparam à morte lenta pela proibição de downloads e desativaram, eles mesmos, o aplicativo por cerca de 13 horas no domingo
Em meio à série de decretos e ordens executivas que Trump assinou imediatamente depois de tomar posse na segunda-feira (20), ele afirmou que o TikTok deveria ter pelo menos 50% de propriedade americana. Disse ainda que a plataforma poderia alcançar um valor de mercado de US$ 1 trilhão se estivesse em mãos de empresas dos EUA.
“O TikTok não vale nada, nada, se eu não aprová-lo”, disse Trump ao assinar a ordem, sugerindo que ele poderia estar aberto a uma joint venture com o TikTok. "Eu poderia fazer um acordo em que os EUA obtenham 50% do TikTok, policiando um pouco, ou muito, depende deles."
Ainda não está claro, porém, se a ordem de Trump é suficiente para evitar uma proibição. Isso porque, pela lei, um adiamento do banimento só é possível se o presidente puder mostrar ao Congresso avanços concretos e acordos jurídicos para justificar uma prorrogação. Não há evidências públicas de que a ByteDance tenha atendido às exigências impostas pela lei.
DE PERSEGUIDOR A DEFENSOR
A posição do presidente eleito sobre a proibição do TikTok mudou completamente no último ano. Durante seu primeiro mandato como presidente, Trump emitiu uma ordem executiva proibindo o TikTok, que foi contestada nos tribunais. Após ele deixar o cargo, o presidente Joe Biden a revogou.
No entanto, depois de ingressar no TikTok durante a campanha presidencial de 2024 e acumular 1 milhão de seguidores em um dia, o republicano suavizou sua posição e prometeu repetidamente “salvar o TikTok”. Trump agora tem cerca de 14 milhões de seguidores na plataforma.
“Ordens executivas não são documentos mágicos”, disse Alan Rozenshtein, ex-assessor de segurança nacional do Departamento de Justiça e professor associado de direito na Universidade de Minnesota, ao Washignton Post.“São apenas comunicados de imprensa com papel timbrado mais bonito… O TikTok ainda será proibido, e ainda será ilegal para a Apple e o Google fazerem negócios com eles. Mas isso tornará a intenção do presidente de não aplicar a lei muito mais oficial.”
Uma parte central da lei exige que o TikTok seja removido das lojas de aplicativos, tornando a Apple e o Google os principais responsáveis por sua aplicação. Durante audiências sobre a lei no último dia 10, o juiz da Suprema Corte Brett Kavanaugh sugeriu que a Apple e o Google provavelmente não correriam o risco de não cumprir a proibição - já que ficariam sujeitos a pesadas multas. A ordem executiva de Trump, no entanto, em tese "libera" as lojas de aplicativos para continuar a oferecer o download do TikTok.
Em meio aos rumores de um fechamento total e imediato, a Bloomberg publicou uma reportagem-bomba no início da semana passada sugerindo que os chineses poderiam vender o TikTok (ou parte dele) a Elon Musk, o multibilionário ligado à extrema direita, dono do X e da Tesla, entre diversas outras empresas, e forte aliado de Trump. O TikTok desmentiu a publicação, chamando-a de “pura ficção”.
Outra possibilidade seria a venda parcial para o empresário e habitué do reality show “Shark Tank” Kevin O’Leary. Também próximo a Trump, ele teria elaborado uma oferta de compra por “vários bilhões de dólares”. Mesmo assim, fontes do TikTok disseram ao Washington Post que a proposta “é inviável” e “um conto de fadas”.
MAS O QUE OCORRE SE O FECHAMENTO SE CONSUMAR?
Caso nenhuma solução política ou legal prospere, e o banimento se consume, a perda para os titulares de direitos autorais de todo o planeta que têm suas canções executadas em bilhões de vídeos (mais de 34 milhões deles publicados a cada dia) seria da ordem de US$ 200 milhões, metade dos US$ 400 milhões em royalties que os chineses pagam anualmente em todo o mundo, segundo estimativa do site Music Business Worldwide. A título de comparação, o Spotify, em 2023, pagou 22 vezes mais: US$ 9 bilhões. Nem por isso, a cifra deixa de ser desprezível.
Nos últimos anos, a UBC vem aumentando sua arrecadação internacional, mediante acordos com sociedades de direitos autorais e conexos estrangeiras. Em anos como 2022, o dinheiro recebido de fora passou de R$ 7 milhões, distribuídos a milhares de autores e titulares de direitos conexos nacionais. Embora o TikTok represente uma parte relativamente modesta desse bolo, o efeito que um banimento poderia trazer, em termos de prejuízos diretos aos titulares, vai muito além da cifra direta que a plataforma paga.
“O mais importante é o impacto dessa eventual desaparição para a música de catálogo. Nenhum player global, atualmente, é tão relevante para as canções mais antigas do que o TikTok”, disse Dorian Lynskay, analista britânico do mercado musical, que cita a febre planetária de redescobrimentos de hits antigos pela geração Z no TikTok. “Mesmo que o uso que se faça de músicas mais velhas ali seja utilitário, ou seja, como um dado engraçado ou corroborando uma certa mensagem que o vídeo quer transmitir, o fato é que esse app dá, como nenhum outro, uma nova vida a obras muitas vezes esquecidas. E os usuários americanos são essenciais para isso.”
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