Criador dos versos ‘Pega no ganzê/Pega no ganzá”, que deram a volta ao mundo, ele era um dos mais antigos associados da UBC
Do Rio
Foi no ambiente boêmio e musical da Tijuca dos anos 1950 que Adil de Paula começou a dedilhar as cordas de um violão que um dia lhe caiu nas mãos. Autodidata, o adolescente de 15 anos, recém-chegado de Cachoeiro de Itapemirim (ES) para vivir na então capital da República, não tardou em dar o salto ao vazio típico dos que se arriscam: compôs suas primeiras canções, fundou um bloco de carnaval (o extinto Silva Teles) onde difundiu algumas delas, chamou a atenção dos bambas do Salgueiro e, em 1960, com só 24 anos, acabou admitido na Ala dos Compositores da escola.
Foi matemática pura: somou o apelido de infância, Zuzuca, ao nome da agremiação do coração, que orgulhosamente passava a integrar, e virou Zuzuca do Salgueiro, autor de sambas-enredo míticos ao longo de mais de 60 anos de carreira. Um dos mais antigos associados da UBC, à qual se filiou em 1967 e onde tem mais de 130 obras suas cadastradas, Zuzuca morreu nesta quarta-feira (30), em sua casa, na Zona Oeste carioca. Deixa um legado de amor pelo samba, além de versos e acordes que deram a volta ao mundo.
É de Zuzuca “Festa Para um Rei Negro”, dos famosos versos “Oh lelê/ Oh lalá/ Pega no ganzê/ Pega no ganzá”, que deu a vitória ao Salgueiro em 1971, com desfile construído pelo dream team da época: Maria Augusta, Joãosinho Trinta, Rosa Magalhães e Arlindo Rodrigues. Pícaro e criativo, o capixaba não teve pudores ao deixar de lado as indicações dos carnavalescos e escrever um refrão sem qualquer relação com o enredo — ainda por cima inventando uma palavra (ganzê).
Bela intuição. Esses versos e acordes, adaptados em diferentes países e contextos desde, pelo menos, os anos 1980, já deram o tom de greves estudantis na França, festas de verão em Israel ou celebrações futeboleiras na Espanha. A torcida do FC Barcelona usa com frequência o “Oh lelê/Oh lalá” para garantir que “ser del barça és/el millor que hi ha”.
A paixão mundial pela melodia e o cântico chiclete criado por Zuzuca lhe rendeu créditos por anos a fio.
“Meus direitos autorais, hoje, vêm mais do exterior”, ele contou à UBC em 2014, quando fizemos uma reportagem de capa da Revista sobre alguns dos bambas mais antigos filiados à associação.
De fato, naqueles anos, ele chegou a figurar no top 15 de maiores arrecadadores de royalties fora do país. Mas o caso emblemático do tema tão reconhecido não foi, nem de longe, o único. Zuzuca era um manancial de criação, com um olhar permanentemente atento para extrair do seu cotidiano as inspirações para seus muitos sucessos.
“'Vem Chegando a Madrugada' (sucesso na voz de Elizeth Cardoso) fiz realmente voltando para casa, depois do samba. Composição é assim, coisa de momento. A arte não tem muita explicação, não. Ela vem”, disse na mesma entrevista.
A canção à qual ele se refere, hit de 1966 na voz de Jair Rodrigues, foi uma composição de Zuzuca em parceria com Noel Rosa de Oliveira, um dos mais famosos melodistas do Salgueiro em todos os tempos. Outra cocriação dos dois foi “Chico Rei”, que ajudou a escola tijucana a conseguir o segundo lugar em 1964.
Fora do ambiente do Salgueiro, o compositor criou com os amigos e parceiros Jair do Cavaquinho, Wilson Moreira, Zito e Velha, o grupo A Turma do Ganzá. Chegaram a gravar um disco pela CBS em 1971, mesmo ano da consagração total de Zuzuca com o enredo “Festa para um Rei Negro”.
Naquela mesma década, solo ou com parceiros, Zuzuca lançou mais discos pela CBS. E continuou a criar por anos a fio, lançando discos mais recentemente, como “Samba de Raiz” (2000). Em 2012, soltou "O Bom Sambista", com inéditas e alguns dos seus maiores hits. Sucessos que, cantados pelas novas gerações num carnaval de rua que se renovou em todo o país, o conectaram às gerações mais recentes.
Pelas redes sociais, foliões que desfilarão em blocos do Rio já anteciparam homenagens a Zuzuca. E o Salgueiro publicou um comunicado exaltando seu mítico compositor:
“Com imensa tristeza, recebemos a notícia da partida de um dos grandes nomes da nossa história. Zuzuca se encantou, mas sua obra e seu legado seguem eternos no coração do nosso Torrão. Adil de Paula, o nosso inesquecível Zuzuca do Salgueiro, escreveu com talento e paixão algumas das páginas mais bonitas da nossa escola. Desde 1960 na Ala de Compositores, foi autor de sambas que marcaram gerações. Hoje, o céu ganha um poeta, e nós ficamos com a saudade e a gratidão. Obrigado por tudo, mestre! Seu samba nunca morrerá.”
No que depender das milhares de pessoas que o cantam a cada carnaval de rua — e das crenças de Zuzuca, muito conectado com os orixás que inseriu em suas letras, e também com o cristianismo —, ele realmente será eterno.
“Compositor é um mensageiro”, descreveu à UBC. “Esse negócio de fazer música é divino... É coisa de Deus.”
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