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Como foi reunido o elenco de estrelas do doc ‘Milton Bituca Nascimento’
Publicado em 26/03/2025

Filme traz bastidores da turnê final do artista e depoimentos de alto calibre; disco com releituras de clássicos 'miltonianos' sai em abril

Por Eduardo Fradkin, do Rio

Fotos: reproduções documentário 'Milton Bituca Nascimento'

Em junho de 2022, Milton Nascimento iniciou sua turnê de despedida, "A Última Sessão de Música", no palco da Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. Cinco meses depois, já tinha passado por Itália, França, Inglaterra, Espanha, Portugal e Estados Unidos, quando desembarcou em Belo Horizonte para seu derradeiro show, no estádio do Mineirão. Do início ao fim, foi acompanhado pela equipe de filmagem (a princípio composta de uma só pessoa) do documentário "Milton Bituca Nascimento", dirigido por Flavia Moraes.

O que mais impressiona no longa-metragem de quase duas horas são as inúmeras entrevistas com a nata do jazz internacional e da MPB. Ao comentar como conseguiu a maioria delas, Flavia não faz mistério:

"Eu adoraria valorizar o meu trabalho e dizer que foi uma batalha conseguir as entrevistas, mas a verdade é que o nosso diretor de elenco chamava-se Bituca", ela brinca, explicando que só precisou esperar no camarim de Milton e se deleitar com as celebridades que vinham vê-lo. "No Brasil, a maioria das pessoas não tem ideia do quão importante ele é lá fora. Mesmo para nós, foi uma surpresa diária. Ele é muito maior do que a gente imaginava. À medida que ele ia se deslocando e fazendo shows, parceiros de uma vida inteira apareceram para se despedir dele e se dispuseram a falar conosco.

A primeira parceira estrangeira a aparecer na tela é a contrabaixista e cantora americana Esperanza Spalding, que comenta:

"Há natureza na música (dele). Sentimos as árvores, a água, a floresta... sentimos a terra!".

Esperanza Spalding com Milton em cena: parceria e admiração

Uma curiosidade que une os dois músicos, apontada no filme, é que Milton já se apresentou tocando contrabaixo. Na juventude, ele empunhou o instrumento no Berimbau Trio, banda que tinha Wagner Tiso no piano e Paulo Braga na bateria.

O cineasta Spike Lee surge logo depois de Esperanza, numa visita ao camarim de Bituca. Já chega chamando o brasileiro de "gigante" e "mestre". O longa, então, envereda por uma rápida discussão sobre a relevância da compreensão das letras em português para a apreciação da obra miltoniana.

"A voz dele é um instrumento. E instrumentos não falam em nenhum idioma específico", opina Spike, diante da câmera.

Em seguida, o baterista Steve Jordan (substituto de Charlie Watts nos Rolling Stones) decreta:

"Quando alguém canta com a paixão que ele canta, você se emociona, entendendo as palavras ou não.”

O cineasta Spike Lee em encontro com Milton registrado no doc

Segue-se outra discussão, desta vez sobre o gênero musical no qual Milton se enquadraria. Para o músico Sérgio Mendes, "não tem nada a ver com jazz", diferentemente do que dizem vários jornais dos Estados Unidos. Chico Buarque se diz intrigado com a ideia que os estrangeiros fazem do Brasil ao cultuar, como pares, Tom Jobim, João Gilberto e Milton, sendo que este último faz algo "inteiramente à parte" da bossa nova. Caetano Veloso chega para esclarecer (...ou não), alegando que há afinidades entre o "jazz fusion" e a música de Bituca:

"Ele incorporou isso, mas filtrou pela personalidade dele e pela cultura dele, mineira e brasileira.“

A última palavra fica com o produtor americano Quincy Jones: "é jazz sul-americano. É livre".

Promover debates como esses foi uma estratégia da diretora — que assina o roteiro junto com Marcélo Ferla e calcula ter captado mais de 100 horas de depoimentos — para fugir de uma abordagem meramente "chapa-branca". 

"Logo de cara, numa das primeiras semanas, a gente gravou o depoimento do Quincy Jones, que falou que Deus colocou a mão no ombro do Bituca e a deixou ali por mais tempo. Depois disso, o que mais alguém poderia dizer? A dificuldade foi não fazer um filme só de elogios", confessa ela, que não se furtou a incluir cenas de tietagem do lendário pianista americano Herbie Hancock, como quando relata ter virado fã do brasileiro após ouvir somente dois acordes. 

A relação de admiração da diretora pelo protagonista do seu filme é igualmente curiosa. Ela tinha cerca de 11 anos quando recebeu sua primeira mesada e comprou dois discos: "The Dark Side of the Moon", do Pink Floyd, e "Clube da Esquina", que a atraiu por ser um álbum duplo.

A fadista Carminho canta com Milton

O envolvimento na produção do longa de Augusto Nascimento, filho e empresário de Milton, foi um trunfo para relembrar histórias de vida do músico. Num momento de intimidade, em Nova York, os dois conversam sobre adoção e preconceito racial. Na infância, Milton foi adotado por uma mulher branca, Lília Silva Campos. Já adulto, ele adotou Augusto, também branco. No diálogo, o cantor diz que sua mãe sofreu mais do que ele próprio com as más línguas da sua vizinhança. Em seguida, pergunta a Augusto como ele se sente sendo o seu filho adotivo. Ganha a resposta: "a pessoa mais amada do mundo".

"É um momento único. Não foi ensaiado. Aliás, nada no filme foi ensaiado. Tudo é take um", ressalta Flavia.

Num contato inicial com o filho do astro principal, a diretora expôs dúvidas sobre o caminho que o filme deveria tomar.

"O documentário começa pequenino, só com um câmera, que era o nosso diretor de fotografia (Pedro Rocha), acompanhando o Milton como se fosse da banda. Em algumas ocasiões, tivemos um câmera e um técnico, que é o diretor musical do filme, Victor Pozas. Ele estava na Europa e acompanhou os primeiros shows, literalmente roubando o áudio da mesa de som. Simultaneamente ao início da turnê, a gente ainda estava discutindo que tipo de filme faríamos. Eu tinha algumas reservas pelo fato de o Milton estar saindo da pandemia muito fragilizado. A preocupação era se ele daria conta de fazer uma turnê por tantos países, com tantas apresentações, e ainda ter energia e tempo para trabalhar conosco fazendo o documentário", admite Flavia, que contou com mais de 15 câmeras no show final, no Mineirão.

Foi da amizade entre Victor Pozas e Augusto Nascimento que nasceu a ideia do documentário.

"Eu sempre fui muito fã do Milton e fiquei amigo do filho dele, Augusto, por intermédio do meu parceiro Rafael Langoni. Eu gravei com o Rafael uma trilha no Abbey Road, no Estúdio Dois, o dos Beatles. Conversando com o Augusto, surgiu a ideia de levar o Milton para cantar em Abbey Road. Isso foi no fim de 2019. Aí, veio a pandemia. Quando reencontrei o Augusto, ele me falou que haveria a última turnê (do Milton), e ficou claro que o documentário teria que ser sobre isso. Para a direção, pensei logo na Flavia, que é uma amiga querida, uma excelente diretora e a primeira brasileira a fazer parte do Sindicato de Diretores dos Estados Unidos (Directors Guild of America). Ela tem um trabalho extenso em cinema e em música e, na época, morava nos EUA, onde precisaríamos gravar", conta Victor.

A diretora Flavia Moraes com Milton em Nova York durante as gravações. Foto: Marcos Hermes

O diretor musical não deu o trabalho por encerrado ao ver a obra chegar aos cinemas. Ele também coordenou um disco feito com artistas jovens convidados a interpretar o repertório de Bituca. E ainda pretende elaborar uma série de TV com o vasto material que foi filmado durante a turnê "A Última Sessão de Música" e que não entrou na obra cinematográfica.

"No filme, a (cantora portuguesa) Carminho diz que um artista do calibre do Milton não morre nem se aposenta, mas segue carregado por outros artistas. Isso ficou na minha memória. O primeiro corte do filme tinha mais de três horas. Quando o reduzimos para 1h50, a participação dos artistas novos ficou muito pequena. Eu queria expandir isso. Acho importante que novas gerações conheçam Milton. Então, tive a ideia de fazer um álbum em homenagem a ele para que um novo público ouça a música dele, talvez pela primeira vez", argumenta Victor. 

Batizado de "Renascimento", o disco será lançado no dia 15 de abril com um show no Blue Note São Paulo, reunindo cinco artistas participantes: Agnes Nunes, Analu Sampaio, Johnny Hooker, Kell Smith e Lucas Mamede. Outros seis nomes presentes no álbum se apresentarão, dia 23 de abril, no Blue Note Rio de Janeiro: Clarissa, OutroEu, Tuca Oliveira, Os Garotin, Dora Morelenbaum e Zé Ibarra. Se depender do diretor musical, Milton continuará a ser carregado por novos talentos por bastante tempo, pois ele não descarta a possibilidade de um "volume dois" para "Renascimento".

 

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