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Comissão do PL da IA na Câmara já traz desafios ao direito autoral
Publicado em 18/06/2025

Busca de equilíbrio entre inovação tecnológica e proteção a criadores de obras usadas para treinar sistemas deve ser a tônica dos debates

Por Fabricio Azevedo, de Brasília

Nuvens negras sobre o Congresso: Comissão da IA terá 10 sessões para debater texto que poderá retirar direitos dos criadores. Saulo Scheffer/Shutterstock

Um mês depois de ser instalada na Câmara dos Deputados, a Comissão Especial sobre o Projeto de Lei da Inteligência Artificial (PL 2.338/23) já começa a debater as mudanças que são dadas como certas no texto aprovado em dezembro passado no Senado. Tido como vanguardista na proteção aos direitos autorais, num panorama atual de uso generalizado de obras para treinar os sistemas de IA generativa, o PL, de autoria do senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), deverá ser desidratado na Câmara, segundo analistas, minimizando alguns dos avanços favoráveis aos autores contidos no texto original.

Há alguns dias, o relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), questionado pela UBC na Câmara, admitiu que as indenizações aos autores que já tiveram seus trabalhos minerados e incorporados aos sistemas de IA sem autorização ou pagamento, não deverão se materializar.

“Não há previsão no projeto para essa reparação, mas os direitos autorais serão discutidos. Devemos ser realistas e compactuar com o Senado para aprovar um texto que atenda a vários interesses”, ele disse, sem mencionar diretamente os interesses das big techs da inteligência artificial, que já vêm fazendo lobby em Brasília para relaxar os pontos mais restritivos do texto original do Senado, como a necessidade de pedir autorização prévia e informar detalhadamente como ocorreu o uso de obras protegidas, além de remunerar aos seus donos.

Presidida pela deputada Luiza Canziani (PSD-PR), a comissão terá um prazo de 10 sessões para elaborar seu parecer, a ser votado no plenário da Câmara antes de seguir novamente para revalidação no Senado. Somente após todas essas etapas a futura lei irá para a sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Presente nas primeiras sessões, Bernardo Moraes, coordenador de Relações Institucionais da Pro-Música Brasil, a entidade que congrega as principais gravadoras do país, deixou claro à UBC que a indústria musical não desistirá facilmente da ideia de uma reparação.

“É um grande estrago que já foi feito, mas esperamos que a comissão tenha a sensibilidade para compreender essa demanda dos compositores”, ponderou.

DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO X PROTEÇÃO

A tônica da dicotomia entre desenvolvimento tecnológico e proteção ao trabalho criativo humano deverá marcar os debates ao longo das próximas sessões. Membro da Comissão, o deputado Lafayette de Andrada (REP-MG) disse que países como China e Estados Unidos estão na dianteira da pesquisa em IA e que o Brasil não pode ficar para trás. Em ambos os países não há, por ora, qualquer regulação para o uso de obras protegidas no treinamento dos sistemas, e muitas companhias de software de IA generativa vêm argumentando nos tribunais estadunidenses que a livre mineração de trabalhos criativos, sem pagamento, deve ser vista como “uso justo”, em prol de um suposto avanço tecnológico que beneficiaria a todo o conjunto da sociedade. O que elas costumam ocultar nas ações judiciais é que faturam milhões de dólares com os resultados de IA que geram, e que os donos das obras usadas não recebem nada.

“Devemos desenvolver maneiras de permitir que a tecnologia se desenvolva mas, ao mesmo tempo, defender os direitos autorais”, fechou questão Andrada, lembrando que o PL aprovado no Senado tem como modelo a legislação da União Europeia sobre o tema, que, embora tenha saído do Parlamento Europeu com um texto muito favorável aos autores e ao pagamento pelo uso de suas obras, vem sofrendo ataques na fase atual de regulamentação, o que ameaça o direito autoral.

Representante do União Brasil em São Paulo, e com posições declaradamente pró-mercado, o deputado Kim Kataguiri criticou precisamente o modelo legal da União Europeia. Segundo ele, a maneira em que a proteção aos direitos autorais aparece na legislação daquele continente “atrasou a Europa na inteligência artificial”:

“Acredito que devemos chamar programadores e especialistas para debater”, afirmou.

LONGO CAMINHO

A advogada especialista em direitos autorais e vice-presidente da Comissão de Tecnologia e Inovação da OAB-SP, Priscila Akemi Beltrame, destaca como um ponto positivo do PL da IA a adoção de fundamentos como centralidade humana e respeito à democracia (presente nos trechos que regulam o uso da IA em campanhas políticas, por exemplo), além da defesa do consumidor contra deep fakes, as imitações ultrarrealistas que sujam o debate público.

“As definições do que é a IA, aprendizado de máquina e outras apresentadas no projeto também ajudarão muito a esclarecer dúvidas de magistrados e advogados. Mas é necessário regulamentação para fazer esses fundamentos ‘chegarem ao chão’ e serem efetivos”, destacou Beltrame.

Para a advogada, embora tenha sido celebrada pelo setor artístico e cultural, a parte sobre os direitos autorais precisa ser ainda mais fortalecida.

“Os direitos autorais são mencionados só no artigo 42. É necessário definir melhor como remunerar os criadores de conteúdo, os compositores musicais entre eles”, observou, lembrando que não só o input (os materiais usados para o treinamento das máquinas) é fonte de preocupação para quem cria arte, mas também os outputs (os resultados gerados), já que eles competem diretamente com os mesmos autores cujas obras foram usadas na mineração dos sistemas. “A IA generativa já consegue alguns resultados surpreendentes. Se não criarmos mecanismos para a proteção para produtores de conteúdo, eles irão perder muito mercado de trabalho.”

PONTO DE EQUILÍBRIO

O sistema de governança proposto no Capítulo IV do PL foi elogiado pela pesquisadora do Grupo de Pesquisa de Direito, Ética e Inteligência Artificial da USP, Cristina Godoy Bernardo.

“Como ainda estamos em uma fase em que a IA avança muito rápido, ter uma governança que possa lidar com questões pontuais é muito importante. Nem sempre dá para esperar a regulamentação”, ressaltou.

Ela comentou ainda que há uma grande assimetria de poder entre empresas de IA e produtores de conteúdo:

“Empresas donas de redes sociais e empresas desenvolvedora de IA usam conteúdos subidos pelos usuários em todos os lugares para fazer as máquinas aprenderem. Isso deixa o produtor de conteúdo em uma situação frágil. O Spotify já tem quase 10% de suas músicas criados por IA, diminuindo os direitos autorais dos artistas.”

Bernardo Moraes, da Pro-Música, pediu uma relação mais equilibrada entre as big techs que têm acesso privilegiado aos dados e criações humanos e as pessoas cujas obras são usadas.

“O projeto defende em muitos pontos a cultura e a inovação, há uma preocupação com o equilíbrio entre o avanço tecnológico e a criatividade. Agora, a comissão deve manter a proteção ao direito de milhares de criadores e intérpretes diante dos sistemas de IA generativa. Os titulares de direitos precisam saber se suas obras foram usadas e como foram usadas para treinar uma IA. E devem ter o direito de proibir esse uso se não concordarem com ele”, advogou, reforçando que a indústria estará vigilante para tentar impedir que interesses contrário aos criadores terminem desidratando excessivamente o projeto.

Fique ligado nos canais informativos da UBC para conhecer os desdobramentos das discussões na comissão conforme elas forem avançando.

 

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