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Implementação da lei de IA da UE preocupa, e Cisac envia missão a Bruxelas
Publicado em 21/05/2025

Delegação da entidade esteve nesta terça no Parlamento Europeu por temor de que regulamentação favoreça as big techs, e não os criadores

De São Paulo

Björn durante o encontro. Foto: reprodução Parlamento Europeu

A comunidade criativa internacional está em alerta diante do que considera uma ameaça crescente à integridade da Lei de Inteligência Artificial da União Europeia. A preocupação do setor é que o processo de implementação da legislação — que inicialmente foi celebrado como um marco histórico — esteja tomando uma direção que possa esvaziar as proteções aos direitos autorais.

Nesta terça-feira (19), uma delegação da Cisac (Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores) se reúne em Bruxelas com Roberta Metsola, presidente do Parlamento Europeu, e outros eurodeputados. Na pauta, as preocupações dos criadores quanto à direção adotada pelo recém-criado Escritório de IA da União Europeia, vista como mais favorável aos interesses das big techs que desenvolvem a tecnologia sem pagar nada nem pedir autorização aos donos das obras usadas para treinar os sistemas. Björn Ulvaeus, presidente da Cisac, e Marcelo Castello Branco, presidente do Conselho de Administração da entidade e também diretor-executivo da UBC, participam dos encontros.

A UE conquistou atenção global ao aprovar, no início de 2024, sua Lei de Inteligência Artificial, a primeira grande normativa do mundo dedicada a regular essa nova tecnologia. Entre suas inovações, o texto previa exigências claras de transparência para desenvolvedores de IA Generativa, obrigando-os a declarar se usaram conteúdo protegido por direitos autorais para treinar seus modelos e, em caso positivo, garantir que essas obras fossem licenciadas e remuneradas de forma justa.

Agora, a comunidade artística teme que a fase atual de implementação, conduzida pelo Escritório de IA da UE, esteja sendo moldada sob forte influência da indústria de tecnologia. A maior preocupação está centrada nos rascunhos do Código de Boas Práticas e do Modelo de Transparência, que devem orientar a aplicação concreta da lei. Segundo fontes do setor criativo, essas diretrizes correm o risco de tornar facultativas obrigações que deveriam ser obrigatórias, como a divulgação de obras utilizadas no treinamento de IA e o respeito ao licenciamento de conteúdos protegidos.

"A Lei de IA da UE entrou em vigor no ano passado, após um debate intenso. Foi apenas um primeiro passo, mas digno de aplausos como possível modelo para outras jurisdições. Hoje, ouço uma visão diferente. Há sérias preocupações de que, na implementação da Lei de IA — por meio do Código de Conduta para empresas de IA e do Modelo de Transparência —, os princípios fundamentais da Lei de IA que protegem os interesses dos criadores e das indústrias criativas estão sendo diluídos, a um ponto em que serão praticamente ineficazes", disse Ulvaeus em discurso aos eurodeputados. "Se a Europa recuar agora, isso será extremamente decepcionante e prejudicial, criará um precedente perigoso. E também enviará um sinal preocupante ao mundo — de que a Europa não valoriza seus criadores nem seu setor criativo."

Outro momento do debate. Foto: reprodução Parlamento Europeu

Mais tarde, ele voltou a discursar numa reunião com representantes do setor criativo europeu — gravadoras e edição musical, indústria editorial, jornalismo. E deixou claro que o problema com a IA não é sua existência ou expansão, mas a ausência de regras que garantam o uso justo de obras para treinar os sistemas.

"Os criadores não têm – e não deveriam ter – medo da IA. Mas eles têm medo, e com razão, de uma IA mal regulada. Um ambiente de IA que não respeite nem proteja os direitos dos criadores seria desastroso para a criação cultural. As perdas de renda para os criadores, causadas pela substituição por ferramentas de IA Generativa treinadas com obras criativas humanas, já foram bem estimadas e de forma confiável. E são perdas enormes", alertou.

Presente durante toda a agenda, Castello Branco ecoou a postura da comunidade Cisac em declarações à UBC:

“É fundamental garantir a transparência no licenciamento e na remuneração dos criadores, além de assegurar que as empresas de IA cumpram as leis de direitos autorais da UE. Essas medidas são essenciais para construir um ecossistema de IA que respeite a criatividade humana e promova um futuro justo e sustentável para todos. O modelo a ser adotado na Europa é sempre um espelho para o resto do mundo. Uma regulacão débil pode encorajar mais fragilidade e menos objetividade em outras regiões do mundo. Textos repletos de 'melhores esforços' são um convite à subjetividade e demandas infinitas motivadas pela dubiedade das palavras."

PREOCUPAÇÃO TAMBÉM NO REINO UNIDO

Do outro lado do Canal da Mancha, os artistas britânicos, não diretamente afetados pela Lei de IA da UE, travam sua própria batalha contra o governo local, enquanto uma nova legislação é debatida no Parlamento. Acusado de forçar uma lei de IA na qual as empresas desenvolvedoras não são, por exemplo, obrigadas a revelar as fontes de toda a informação que usam para treinar seus sistemas, o primeiro-ministro Keir Starmer, do Partido Trabalhista (centro-esquerda), vem sendo criticado por ninguém menos que Elton John.

Elton John durante a entrevista à BBC este fim de semana. Foto: reprodução BBC

Um dos mais ativos porta-vozes da causa dos artistas, o lendário cantor e compositor deu uma entrevista no fim de semana à BBC na qual descreveu os membros do gabinete de Starmer como “completos perdedores” e disse sentir-se “incrivelmente traído” por eles. John afirmou que, se os ministros seguirem adiante com os planos de permitir que empresas de IA usem o conteúdo de artistas sem pagar, estariam “cometendo roubo, um furto em grande escala”.

Na semana passada, o governo rejeitou propostas da Câmara dos Lordes que exigiam que empresas de IA divulgassem o material utilizado no desenvolvimento de seus programas.

“Este governo está prestes a roubar dos jovens o seu legado e sua renda”, afirmou o artista.

Nem de longe ele está só. Nomes como Paul McCartney, Dua Lipa e Stephen Fry também têm sido muito críticos ao governo no tema, coassinando cartas enviadas aos parlamentares britânicos pedindo proteção aos criadores. E, como mostramos em fevereiro aqui no site da UBC, centenas de compositores publicaram um “álbum” sem música, apenas com alguns ruídos e sons ambiente aparentemente captados em estúdio ou em suas casas. Intitulado “Is This What We Want?” (É isto o que queremos?), o “lançamento” assinado por “1.000 artistas do Reino Unido” teve a adesão de nomes como Kate Bush, Damon Albarn, Annie Lennox, The Clash e Hans Zimmer. E deixa uma mensagem simples e potente: sem os criadores humanos, não existe música.

Alegando que o Reino Unido não pode “ficar para trás” no desenvolvimento tecnológico, o governo elaborou uma das leis menos protetoras da criação humana, entre todas as que tramitam atualmente em parlamentos mundo afora, inclusive no Brasil. Essencialmente, permite que Alphabet (Google), Meta (Facebook), OpenAI (Chat GPT), Microsoft, Apple e quaisquer outras companhias tech desenvolvedoras de inteligência artificial generativa usem trabalhos protegidos por direitos autorais para treinar seus sistemas sem permissão ou pagamento aos criadores originais.

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