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É ‘ensaio’? É clipe disfarçado? A nova polêmica do mercado musical
Publicado em 17/07/2025

Cada vez mais intérpretes gravam performances ‘informais’ e as sobem às redes sem autorização dos compositores; o que diz a lei sobre isso?

Por Nathália Pandeló, do Rio

Artista aluga estúdio. Chama a banda, prepara iluminação, figurino, cabelo, maquiagem, microfonação, registra a música com qualidade profissional. O vídeo, que seria apenas um “ensaio”, ficou “tão bom" que, veja só, não tinha como não publicar nas redes… Tudo feito assim, informalmente — e sem autorização do compositor. Situações como essa se espalharam nos últimos meses por diferentes gêneros brasileiros — do gospel ao arrocha, do sertanejo ao pop. E, claro, vêm provocando polêmica e muitas dúvidas sobre os limites legais do registro de obras protegidas.

São vários os casos em que intérpretes gravam o que juram ser um ensaio, mas com toda a estrutura de áudio e vídeo necessária para garantir um registro impecável. Se o vídeo viralizar nas redes e atrair a atenção dos titulares, então se buscará uma regularização (a retirada ou o licenciamento). Se não viralizar, ficará tudo por isso mesmo.

Bruna Campos, especialista em direito autoral e representante da UBC no Mato Grosso do Sul, tem recebido várias queixas de compositores sobre o tema.

“Um ensaio é a locação de um espaço para passar o repertório do show ou de uma gravação com a banda. Se tem cenário, iluminação, figurino, equipe de gravação de áudio e vídeo… não é um ensaio”, resume, deixando a coisa ainda mais clara: “Gravar um ensaio e colocar no YouTube, no Sua Música ou no Instagram, sem ter a autorização formal para isso, caracteriza uma gravação ilegal, o que autoriza o autor a solicitar a remoção desses conteúdos.”

Mesmo quando a intenção é apenas divulgar o trabalho ou fazer “uma homenagem”, a falta de autorização invalida o argumento.

“No caso dos ensaios que vemos no Instagram, onde artistas se gravam no estúdio, com metrônomo, para os fãs aprenderem a cantar a música, essas autorizações já estão formalizadas. E, na grande maioria das vezes, com exclusividade de uso, o que impede qualquer pessoa de gravar essa faixa e publicar na internet”, afirma Campos.

AUTORIZAÇÃO: PONTO CENTRAL

Na visão do advogado Cláudio Lins de Vasconcelos, que atua há mais de 20 anos com direito autoral, o ponto central é a necessidade de autorização prévia e expressa para qualquer uso da obra, seja ela uma música já lançada ou ainda uma guia prévia (gravação sem grande sofisticação feita pelo compositor para “vender” sua obra a potenciais intérpretes).

“Não pode, em hipótese alguma, publicar (uma obra alheia) ou divulgá-la por qualquer meio, inclusive plataformas de streaming, redes sociais, portais de vídeo etc. sem o consentimento dos titulares.”

Como a UBC vem mostrando, um sem-número de irregularidades no uso de obras alheias, violando direitos autorais, se espalha na música. Ano passado, abordamos a onda de publicações ilegais de guias. O problema estava ocorrendo sobretudo no meio sertanejo. Na época, a noção de um suposto “uso livre” justificável de criações de compositores ficou expressa em muitos comentários em redes sociais, que giravam ao redor da ideia de que, se ainda não houve uma gravação “formal”, que mal tem?

“As 'guias' ou 'demos' são, para efeitos autorais, fixações de uma obra musical. Se a música for inédita, sua mera existência é suficiente para comprovar a originalidade da obra e a colocar sob proteção legal”, fecha Lins de Vasconcelos. “Como ocorre com qualquer obra, o uso de uma música (ou da 'demo' que a contém), depende de autorização prévia do autor ou titular, que pode ser uma editora. Isso inclui o direito de fazer versões, gravar e publicar por qualquer meio (inclusive em vídeo). A autorização deve ser expressa, ou seja, por escrito, cobrindo todos os usos pretendidos e detalhes como prazo, territórios, o preço e sua forma de pagamento, se houver."

Caso uma música seja lançada sem permissão, mesmo que numa live, isso já configura infração.

“Quem faz uso de uma obra protegida – de qualquer natureza – sem autorização do titular viola direitos patrimoniais de autor. Se deixar de mencionar o nome dos autores, violará também seus direitos morais e, se avocar para si a autoria, ainda que sob pseudônimo, cometerá plágio”, explica o advogado. “É possível até mesmo se cogitar em estelionato, se houver uma combinação de fraude e vantagem financeira, como receber royalties ou outra forma de monetização na condição de autor e titular de uma música que sabe ser de terceiros."

O PAPEL DA EDITORA PARA COMBATER A FRAUDE

Para autores representados por editoras, o suporte costuma ser mais estruturado. Segundo Flavia Cesar, diretora dos setores Estratégico, Comercial, Film Synch e Licenciamento da Warner Chappell Music Brasil, já existe um protocolo bem definido de como proceder:

"O processo é relativamente rápido. Primeiro verificamos se a obra não foi autorizada (comprovação jurídica). Se a resposta for negativa, o compositor tem o caminho de querer uma regularização ou desejar o take down (remoção) da faixa. Se o compositor desejar o take down, já colocamos nosso jurídico no circuito, e o mesmo entra em contato com as plataformas.”

Ela explica que, embora não exista um sistema automatizado para detectar esses usos indevidos, a Warner Chappell busca atuar de forma preventiva.

“A gente ainda batalha por um sistema desse, inclusive o nosso está em desenvolvimento. Mas a Warner trabalha educando o mercado. Em todos os locais a que eu vou, a gente sempre fala por isso, que precisa de autorização.”

A editora também percebe um aumento dos casos nos últimos anos, com a disseminação das plataformas de distribuição digital.

“A quantidade de músicas que sobem diariamente nas plataformas digitais é realmente algo que é grande, e a gente não consegue estar em todos os lugares. Mas a orientação sempre é que deixe a negociação e essa formalização conosco, porque a gente tem um corpo jurídico, a gente tem mecanismos para quando verificamos um uso não autorizado: ou pedir o take down ou fazer uma negociação nos melhores termos para os nossos compositores”, afirma.

COMO FAZER A DENÚNCIAS AO STREAMING

Há muitos casos em que a gravação irregular acaba chegando às plataformas de streaming de áudio e vídeo. As principais delas disponibilizam canais formais para que compositores e artistas possam solicitar a remoção de faixas publicadas sem autorização. O procedimento normalmente exige o envio de informações que comprovem a autoria da obra, o link da faixa publicada e uma descrição da infração.

No caso da Deezer, por exemplo, há uma opção chamada Reportar um problema em cada um dos álbuns ou singles publicados na plataforma. Ali, é possível selecionar a opção relacionada com direitos autorais e fornecer detalhes sobre a infração. Também existe um formulário para problemas genéricos no qual, ao selecionar a opção relacionada ao catálogo da plataforma, se pode informar um uso indevido.

O Spotify tem uma página específica com um formulário para qualquer pessoa denunciar uma violação de direitos ou conteúdo inapropriado de qualquer natureza. Já os artistas que têm uma conta na plataforma dispõem ainda da ferramenta Spotify Para Artistas, onde igualmente é possível fazer denúncias do tipo.

O mesmo acontece no YouTube. A plataforma oferece o programa Content ID para criadores de conteúdo, e que pode ser usado por detentores de direitos para identificar automaticamente o uso de suas obras em vídeos de terceiros.

Na Apple Music, o caminho passa pela central de disputas de direitos autorais. O português não é uma das línguas disponíveis para a denúncia, que deverá ser feita em inglês, francês, chinês ou japonês.

BOAS PRÁTICAS PARA AUTORES

Os compositores que desejam proteger sua obra desde os primeiros estágios também podem adotar ações preventivas. Segundo Cláudio Lins de Vasconcelos, duas medidas sensatas são o registro e a edição, que podem preceder as primeiras versões gravadas:

“Isso ajuda não apenas a comprovar a autoria, como receber sua parte dos direitos de execução pública musical arrecadados das plataformas e outros meios de comunicação.”

Caso a obra ainda não esteja registrada, o advogado recomenda um cuidado adicional:

“O compositor deve pedir que o destinatário da 'guia' ou 'demo' firme um termo de confidencialidade em que reconhece a autoria da obra original e se compromete a não divulgá-la sem autorização do titular.”

Quando uma obra protegida é usada de forma indevida, os prejuízos não se limitam ao intérprete. Outros profissionais envolvidos na gravação, produção e distribuição também podem ser afetados. Estúdios, músicos, técnicos e agregadoras podem ser implicados, mesmo que não tenham tido intenção de cometer nenhuma infração.

Vasconcelos lembra que, nesses casos, “a música provavelmente será retirada da plataforma, e os responsáveis podem ser punidos de diversas formas, na esfera civil, por meio de indenizações, e na esfera criminal, a depender do alcance da violação e de seu eventual caráter comercial”.

 

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