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Moacyr Luz: “Estou apaixonado pelos meus 60 anos”
Publicado em 08/08/2018

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Leia as respostas completas da entrevista que o sambista deu à Revista UBC de agosto, na qual ele festeja a boa aceitação a seu novo disco, “Natureza e Fé”, e comenta os frutos de uma bem-sucedida carreira de 40 anos

Por Fabiane Pereira, do Rio

Um dia após os principais jornais do país publicarem boas resenhas de seu oitavo disco de carreira, “Natureza e Fé”, Moacyr Luz — ou Moa — reunia os amigos num churrasco no Aterro do Flamengo, um enorme parque à beira-mar no Rio, para celebrar as duas indicações na 29ª edição do Prêmio da Música Brasileira. Eram reconhecimentos pelo disco “Ao Vivo, no Bar Pirajá” e pelo seu grupo Moa e Samba do Trabalhador, ambos na categoria samba. Moacyr Luz, 60 anos de idade, 40 de carreira, estava ainda às vésperas de viajar a Portugal, para tocar no festival MIMO. 

VEJA MAIS: A apresentação de Moa e dois integrantes do seu Samba do Trabalhador durante o UBC Sem Dúvida

Agora, além de manter as apresentações do seu Samba do Trabalhador a cada segunda, no Clube Renascença, no Andaraí, Zona Norte do Rio, ele se de dedicará aos ensaios com a Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo para uma apresentação em 29 de setembro, no Memorial da América Latina, na capital paulista. Na ocasião, sua estreia com uma orquestra, mostrará 16 músicas suas arranjadas pelo maestro Nelson Ayres.

Confira as respostas completas às perguntas publicadas na Revista e veja três perguntas inéditas.

Ser artista e sambista em 2018 é mais fácil do que há 40 anos?

Gostei da pergunta. E ela me fez lembrar de uma história que eu conto sempre que tenho oportunidade. Estava a caminho de um show e ia cantar apenas duas músicas. Eu havia recebido um bom cachê. Aí, um cara comentou: “que beleza, vai ali cantar duas músicas e ganhar essa grana toda”. Eu disse “não. Quando eu subir no palco para cantar essas duas músicas, haverá uma história de 40 anos por trás”. Acho que hoje talvez seja mais fácil para mim, porque estou há quatro décadas batendo nesta tecla, mas não para todo mundo, porque há a crise do CD e outros suportes físicos e já não há tanto a força do rádio para divulgar o trabalho. Todo mundo parece que virou artista, mas o dia continua tendo 24 horas, e ninguém consegue cantar nem ouvir todas as músicas de que gostaria. O lado bom é ter a internet, uma boa alternativa para que sua música aconteça. Vejo que, no Samba do Trabalhador, evento que faço semanalmente há 13 anos, o público canta as minhas músicas, e eu mesmo nunca as ouvi no rádio. Tirando uma ou outra que o Zeca Pagodinho tenha gravado, a maioria delas ficou conhecida do público exclusivamente por causa da internet. Nos dias atuais, para um artista conseguir se livrar um pouco do mercado e divulgar o seu trabalho sem grandes custos, a internet é uma maneira bem viável.

Como surgiu o Samba do Trabalhador?

Eu frequentava o Renascença porque era muito amigo do presidente do clube daquela época. Estamos falando de 2005. Eles estavam começando a produzir um samba às quatro da tarde. Eu e meus amigos sempre gostamos muito de cozinhar, de nos reunir para comer um churrasquinho... Ia sempre ao clube por volta de meio-dia para me reunir com a rapaziada e fazia uma comida por lá. Mas, quando a coisa ficava boa, a gente tinha que liberar o espaço para este samba que começava as quatro da tarde. Eu já estava intrigado com isso e, ainda nesta época, estava fazendo um projeto sobre Pixinguinha, no qual trabalhei muito durante os finais de semana. Então, comecei a pensar num samba de que eu pudesse participar sem causar conflitos de datas. Surgiu a segunda-feira no Renascença. Mas a ideia inicial era bem pequena, espontânea, sem qualquer marketing, assessoria, escolha de repertório. O samba começava às duas da tarde, e era de graça. Começamos a perceber que fazíamos o evento numa época em que o sol era muito forte quando cantávamos, então tivemos de mudar o horário. Depois começaram a nos pedir um som mais potente, providenciar microfones para os cantores, arrumar seguranças porque começou a encher muito... Quando vimos, começamos a receber as visitas do Ecad para cobrar os direitos das músicas. Então, uma coisa descompromissada virou hoje minha principal atividade ao lado de ser compositor.

Quais são as maiores dores e delícias de ser compositor?

A principal dor é o silêncio. É fazer uma música para poucos ouvirem. Quando você é um compositor profissional, há sempre a esperança de que aquela música seja gravada e ouvida por muita gente. Mas, às vezes, fica escondida numa gaveta por anos, décadas. Por isso, eu digo à nova geração: tenha paciência. Fiz “Vida da Minha Vida” em 2006, pensando no Zeca Pagodinho, e ele só gravou em 2010. Esses casos se repetem inúmeras vezes. Existem canções que ficam escondidas por quase dez anos até tomarem uma forma, ganharem uma voz e virarem, muitas vezes, um sucesso. Já a maior delícia, a maior alegria, é você fazer uma música como a que eu fiz para o G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti, uma escola (de samba do Rio de Janeiro) que estava quase rebaixada, e ela vira um fenômeno. O samba vem junto, ela se torna vice-campeã com uma Sapucaí inteira cantando aquela letra. Esse samba mexeu muito na estrutura, porque ele foge um pouco dos padrões e se torna popular mesmo assim. Isso, para mim, é muito importante.

Você reuniu no novo disco um time dos sonhos: Zélia Duncan, Teresa Cristina, Fagner, Jorge Aragão, Martinho da Vila e Fred Camacho. Como chegou a esses nomes? 

Foi um estalo. Eu não queria fazer algo emblemático de 60 anos, embora esteja apaixonado pelos meus 60 anos, então me cerquei de ícones e signos. Me cerquei de pessoas que, de certo modo, representam estes meus 60 anos. O Fernando Merlino é um músico que tocou comigo quando eu tinha 15 anos e foi o primeiro nome que me veio à mente. Pensei em mudar alguns parceiros também. Queria me desvincular da coisa sambista, então misturei o Jorge Aragão com o Fagner, o Martinho com a Zélia Duncan. Foi uma provocação, até o fato de o piano dominar o disco. Acho, modestamente, que criei um conceito. O disco não fica agudo ou grave repentinamente, ele tem uma sonoridade coesa, e isso eu busquei muito.

Como a espiritualidade atravessa a sua música?

Fuicriado próximo a todo tipo de crença. Ia à igreja, ao centro espírita, ao terreiro de umbanda. Morei num lugar muito pobre chamado Vila Aliança, e lá havia alguns centros que eu frequentava. Sou devoto de São Jorge. E acredito nas energias boas. Ficava muito impressionado, como fico até hoje. Eu costumo ir a tudo que me indicam. Sou devoto de São Jorge. E acredito nas energias boas. Quando estou em algum lugar onde sou abraçado, abraço mesmo, porque, para mim, essa troca é uma coisa de muita fé. Abraçar pessoas que te desejam o bem e a quem você também deseja é algo muito forte e importante. O título do disco, "Natureza e Fé", não é um título de disco, é o da minha vida. Eu falo de São Jorge, de Xangô, de Iemanjá e de outras entidades. E, claro, sem me esquecer da natureza. A minha natureza é o Rio de Janeiro. E isso tudo atravessa minhas composições.

Que nomes da nova geração que você destacaria?

Na minha vida tem algo muito importante, que é o Samba do Trabalhador, e junto comigo tem uma turma muito talentosa: Nego Álvaro e Marmita têm discos solo maravilhosos. Tem também o Gabriel Cavalcanti e o Mingo Silva. Gosto muito do João Martins e do solo do João Cavalcanti, ex-Casuarina.

Como recebeu a notícia das duas indicações ao Prêmio da Música Brasileira?

É a segunda vez em que somos indicados. Há dois anos, ganhamos o prêmio ao melhor grupo na categoria samba. É muito gratificante, porque é muito sacrificante. Parece brincadeira, mas tocamos todas as segundas do ano, inclusive dias 25 de dezembro e 1 de janeiro. Não falta ninguém da banda, porque a gente tem um pacto ali. Temos um compromisso de formação de plateia, de divulgação e apoio à música autoral, esta é nossa aposta. Acho que esta indicação vem para dizer que alguma coisa de bom estamos construindo.


 

 



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