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Radiografia de um fenômeno global potente — mas duradouro?
Publicado em 22/11/2018

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Entenda o que faz o pop coreano, ou k-pop, ser a bola da vez da indústria do entretenimento. E conheça números que põem em xeque o estofo dessa onda

Por Andrea Menezes, de Brasília

Há um lugar sobre a Terra onde o mercado musical não para de crescer, sistematicamente, desde o início dos anos 2000, com faturamento que ultrapassa os US$ 5 bilhões anuais, onde reinam poderosas gravadoras (três delas, mais especificamente, todas seguramente desconhecidas por você), onde rostinhos adolescentes bonitos e angelicais e muito rebolado sobre o palco são garantia de triunfo e nem sequer é preciso cantar para atrair multidões.

Bem-vindo ao suculento mercado do k-pop, o pop da Coreia do Sul — 13º mercado do mundo em arrecadação de direitos autorais, de acordo com o último relatório da Cisac, sexto em vendas, segundo a IFPI (o Brasil, com população quatro vezes maior, é o nono). Ali, bandas como BTS (foto), EXO, Wanna One, Girls' Generation, JBJ, Seventeen e Infinite são as estrelas máximas e que, à base de muito marketing, expandem seus tentáculos para o mundo todo, incluindo o Brasil e, principalmente, os Estados Unidos.

Não que esses tentáculos tenham necessariamente a durabilidade que tudo leva a crer que teriam, como logo você entenderá.

O marketing por trás é evidente e às claras. Como no mundo da moda, “olheiros” estão por toda parte: vasculhando a rede atrás de vídeos postados por meninos e meninas bonitos que cantam e dançam, visitando escolas, parques públicos ou centros comerciais, participando de concursos de talentos na TV. Antes, durante ou depois de montadas as bandas, há investimentos ferozes por parte das três grandes gravadoras, SM, YG e JYP, ou de outras menores em aulas de canto, baile e até etiqueta e relação com os fãs. Tudo é milimetricamente ensinado aos futuros membros das bandas. Além disso, as despesas com hospedagem, alimentação e deslocamentos para os muitíssimos concertos que um grande artista pode fazer por mês ficam a cargo das gravadoras/agências, cujo nível de poder é sem paralelos nestes tempos de pulverização da produção e da distribuição de música.

Para se ter uma ideia, a SM, a maior, também atua como agência de talentos (não só musicais), editora, agência de imagem e até agência de viagens ou imobiliária. O poder dessa empresa fundada em 1995 e sediada, paralelamente, em Seul e Los Angeles (EUA), não é gratuito. De acordo com uma ex-estrela do k-pop, Prince Mak, num polêmico vídeo publicado em janeiro passado no YouTube, os contratos frequentemente estabelecem que 90% de tudo o que se arrecada vão diretamente para a gravadora. Os outros 10% restantes são divididos entre os artistas. Não que estes lucrem necessariamente pouco. A escala faz a diferença. Segundo Prince Mak, o faturamento das estrelas pode ser de coisa como US$ 4 mil por cada um dos concertos realizados na Coreia (podem ser 20 ou mais por mês), e o valor cresce se a apresentação é no exterior.

Os integrantes da banda Wanna One, outro fenômeno local

Também entram na conta os licenciamentos para o uso de canções no cinema, os próprios filmes protagonizados pelos jovens cantores e músicos, os anúncios na TV ou na internet e, diretamente, muitos produtos e serviços comercializados com a cara e o nome deles — de brinquedos, roupas e pacotes de viagens personalizados a atrações de parques temáticos e até chá. Daí o contundente volume de US$ 5 bilhões anuais do mercado relacionado a esses artistas.

A popularidade fora das fronteiras coreanas é garantida pelo YouTube. De acordo com dados do megaportal de vídeos, mais de 95% dos assinantes dos 20 maiores canais de k-pop — coisa de 250 milhões de pessoas — são de fora da Coreia do Sul, principalmente dos Estados Unidos e de países asiáticos. Em agosto, o lançamento do vídeo da canção “Idol”, do BTS, bateu o recorde histórico de visualizações no site: 45 milhões de cliques nas primeiras 24 horas, a maior parte deles em território americano.

No Spotify, os números são igualmente suculentos: quase sete bilhões de streams de canções de k-pop desde 2015, quando o serviço lançou uma plataforma especial para a divulgação do pop coreano.

A difusão pela web é óbvia e se reflete no fato de 31,8% de tudo o que a Coreia do Sul arrecada com direitos autorais, segundo a Cisac, virem do mundo digital, um dos índices mais altos do planeta, ao lado de Suécia (pátria do Spotify) e México. No Brasil, apesar das fortes expansões dos últimos anos, ainda são só 4,8%.

Tamanha exposição entre o público jovem e conectado gera uma verdadeira adoração difícil de entender por aqui, que dialoga com a explosão do rock americano nos anos 1950. Encontros com os artistas, tradicionalmente conhecidos como meets & greets, são oferecidos por preços que chegam a US$ 2 mil dólares por fã. Sem direito a música. Nada. Nem a cappella. Os meninos e meninas aparecem, interagem, fazem selfies (muitas), sorriem, contam alguma piada e se vão. 

“Vendem tudo em poucas horas, há filas de espera e um grau de envolvimento dos fãs sem paralelo”, diz Karla Megda, diretora de negócios e relacionamento da Sympla, uma plataforma de eventos especializada em música e sediada em Belo Horizonte. Para ela, a divulgação genial se calca em estratégias baratas: fãs-clubes, Twitter e outras redes sociais. Ou seja, pouco investimento e retorno financeiro enorme. 

O grupo Girls' Generation, um dos raros só com meninas

Mas há quem não veja só “uaus” nesse universo. O analista, crítico e radialista canadense Adam Buckley crê que o fenômeno k-pop segue a lógica da bolha de sabão: produzidos em série, os hits se desmontam rapidamente — “pela sua inconsistência” — e acabam substituídos exponencialmente por outros. Ele analisou números recentes do k-pop que mostram que a desinflação é muito rápida após cada lançamento. Em maio passado, por exemplo, o hit “Fake Love”, do BTS, atingiu o top 10 da Billboard americana. Uma semana depois, já estava na posição 40. Duas semanas após isso, na posição 71.

O próprio álbum da superbanda, “Love Yourself: Tear”, foi número 1 da Billboard em maio. Em junho, já era número 20. Hoje, não está entre os 40 primeiros.

“Isso não é uma verdadeira popularidade. É histeria, é curiosidade. Há tanta promoção e investimento em marketing nos Estados Unidos que as pessoas querem ver do que se trata. A desidratação tão rápida mostra que a maioria abandona rapidamente essa música porque ela não tem nada o que dizer ou mostrar”, ele crava, comparando o interesse das plateias ocidentais àquele que se gerou em torno do também coreano Psi e seu “Gangnam Style”, em 2012: uma atração quase fetichista pelo exótico, que depois desapareceu completamente. “Precisamos parar de fingir que o k-pop é realmente popular. É um fenômeno adolescente e, como tal, tem data de validade.”

Alheios às previsões catastróficas, milhões de adolescentes globalmente — e no Brasil, onde esta semana revelou-se que o país foi cortado da turnê de 2019 do BTS, gerando uma onda de “revolta” adolescente nas redes sociais que colocou o grupo nos assuntos mais comentados (trending topics) do país — mantêm a máquina funcionando. Movida a dancinhas, sorrisos, lágrimas e hits-chiclete que repetem fórmula uma e outra vez vista na indústria musical global. E que, reempacotada, nunca deixa de seduzir multidões. 


 

 



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