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Som Livre: os próximos 50 anos
Publicado em 19/12/2019

Marcelo Soares, presidente da gravadora, fala sobre a evolução do sertanejo, a aposta em novos gêneros — como funk, hip hop e misturas regionais —, o meio digital e a execução pública, grande fonte de receita das majors atualmente

Do Rio

Foto de uma edição do festival Festeja, no Rio de Janeiro, um dos diversos eventos promovidos pela Som Livre com seus artistas

Começou como gravadora para as trilhas originais das telenovelas da Globo; cresceu e se diversificou, abraçando alguns dos estilos mais populares do país ao longo de décadas, como MPB, BRock e sertanejo; atravessou o duro deserto da crise do setor e se reinventou como uma verdadeira agência de gravação, promoção e orientação de carreira para seus contratados. 

Até assim, resumidíssimos, os 50 anos de história da Som Livre requerem muitas palavras. São muitos os feitos da maior gravadora totalmente nacional do Brasil, nossa associada, que se prepara para novos saltos no mercado, como seu presidente, Marcelo Soares, conta em entrevista exclusiva (leia abaixo). 

Um nome, em especial, brilha nessa história: o de João Araújo (1935-2013), mítico produtor musical e presidente da Som Livre desde a sua fundação, em 1969, e ao longo de 38 anos. “A importância do João Araújo para a indústria fonográfica nacional é inquestionável”, afirmou Ney Matogrosso em entrevista a um vídeo de homenagem a João quando ele se aposentou da gravadora, em 2007, mesmo ano em que ganhou um Grammy Latino por sua contribuição à indústria fonográfica. “Ele tinha um ouvido muito impressionante. Ouvia uma coisa e dizia 'isso aqui vai dar muito certo'. E dava”, completou Xuxa. 

Conta-se que, mesmo em dúvida (sobretudo para não ser acusado de favorecimento, sustenta Lucinha Araújo, viúva dele), João resolveu apostar na desconhecida banda do filho, um certo Cazuza, líder de um certo Barão Vermelho. Foi um estouro que deu nova dimensão à gravadora, aprofundando seu caminho de dissociação das trilhas de novelas e dando-lhe um voo próprio na descoberta de talentos brasileiros. Coisa fácil quando se tinha, como a Som Livre dos anos 1980, seis superestúdios de gravação equipados com a melhor tecnologia da época e um elenco estelar.

Por essa época já estava lá, havia alguns anos, o produtor Max Pierre. Produtor, na casa, de Ronaldo Resedá, Elis Regina, Cauby Peixoto, Cesar Camargo Mariano, Fafá de Belém, Wando, Xuxa, Ruy Mauriti, Marcos Valle, Jorge Ben Jor, Rita Lee & Roberto de Carvalho, ele destaca o trabalho coletivo que impulsionou a gravadora. 

“Música é arte compartilhada. Quando contratávamos um artista, buscávamos os melhores arranjadores, melhores músicos, pesquisávamos o melhor repertório, gravávamos com grandes engenheiros nos melhores estúdios do mundo, tínhamos os melhores caras do marketing, investíamos em grandes diretores de arte para a melhor capa e para que a distribuição de música, de qualquer estilo ou região, chegasse a todo Brasil”, diz. 

Luan Santana, um dos muitos astros do sertanejo no catálogo da Som Livre, gravadora líder no gênero

A crise da pirataria foi um grande baque que afetou não só a Som Livre, como todas as demais do setor. Quase todas elas tiveram que reduzir suas estruturas, seu elenco, seu quadro de funcionários. A Som Livre resolveu apostar ainda mais forte em gênero identificados com a alma popular brasileira. Nascia ali uma associação com o sertanejo que até hoje é um dos grandes pilares da empresa. 

“Podemos dizer que foi uma fase muito crítica para o mercado, mas nunca pensamos em desistir. Nossas principais movimentações começaram no auge da crise, quando começamos a investir em elenco e em novos modelos de negócios. O nosso DNA é nacional, e o brasileiro é o povo que mais consome sua própria música. Isso nos ajudou a conquistar um crescimento rápido, focando unicamente em artistas brasileiros. Sobrevivemos e, hoje, com 50 anos, estamos literalmente mais fortes do que jamais fomos. Somos a maior empresa de música brasileira, e consigo enxergar uma constante crescente para a Som Livre nos próximos tempos”, afirma Marcelo Soares, presidente da Som Livre desde 2011. 

Para isso, a empresa — que já nem gosta de se referir a si como gravadora — deve ampliar as ações de inserção dos seus talentos através de eventos exclusivos desenhados para públicos diferentes. Ao promover não só o consumo de música, mas as experiências que a audição ao vivo permite, a Som Livre realiza shows exclusivos (Tardezinha de Thiaguinho), eventos temáticos (Churrasco do Teló), patrocínios de camarotes em estádios de futebol (caso da Arena Corinthians, onde tocam seus artistas durante os jogos) e outras muitas ações. 

A diversificação de selos, como o slap, dedicado a novos talentos oriundos do mercado independente, e outros especializados em funk, música eletrônica e misturas contemporâneas de gêneros faz prever um crescimento continuado. É o que conta Marcelo Soares na entrevista que você lê a seguir. 

 

Soares: “A receita de execução pública, por décadas, foi ignorada por muitas companhias”

Pode-se dizer que o mercado fonográfico se recuperou plenamente daquele baque?

Sim, completamente. O mercado hoje é muito diferente do que era, as dinâmicas são outras, e a entrega de trabalho para os artistas mudou muito, mas sem dúvida a recuperação foi completa.

Qual a base sobre a qual navega a recuperação? São, sozinhos, o streaming e o mundo digital? Trata-se de terreno sólido o bastante para permitir preverem-se mais 50 anos de história?

O streaming digital foi o espaço para onde migrou o consumo da música gravada, quase que inteiramente. Mas essa recuperação aconteceu também quando as gravadoras perceberam que havia outros negócios a explorar. Um dos mais óbvios era a execução pública, uma receita que, por décadas, foi ignorada por muitas companhias e, hoje, é essencial para todas. A música ao vivo e as relações com marcas também se transformaram em negócios importantes para todos. O próprio negócio digital vai além do consumo tradicional em streaming, quando uma pessoa na sua rede social faz publicações particulares e escolhe uma música para sonorizar a sua imagem. Ou os games, que representam não só oportunidade de promoção, mas também de consumo. Temos experiências bem-sucedidas em todas essas frentes.  

Durante a crise, não poucos vaticinaram um período sem volta de autoprodução, autogravação, autodistribuição, o que suporia o fim das gravadoras como as conhecemos. Não ocorreu. Foi difícil “convencer” os artistas a apostarem na relação com a gravadora?

Não foi nem necessário convencer ninguém porque a tal "gravadora como nós conhecemos" nunca foi a Som Livre. Som Livre era uma empresa essencialmente de compilações, quando passou a investir em artistas e conteúdo como atividade principal. Isso já aconteceu em um mercado novo, então essa nova Som Livre nasceu para esse mundo novo, entendendo o papel que é esperado de nós. Mantivemos nosso conhecimento em curadoria artística e desenvolvemos um conhecimento de comunicação e estratégia digital. Uma das grandes chaves para isso foi construir uma equipe com uma excelente mistura de profissionais com experiência em música e outros com históricos completamente diferentes, vindos de mercados competitivos como telecom, internet, varejo etc.

Qual a grande diferença entre a Som Livre de hoje a que surgiu há 50 anos ligada às trilhas de novelas da Globo?

A grande diferença é que nosso foco hoje é em conteúdo próprio, trabalhar no longo prazo para desenvolvimento de carreiras. E, como disse antes, somos muito mais diversificados, com diferentes frentes de resultado. Uma outra diferença grande foi que, com o novo crescimento da importância do vídeo para a música, depois do boom dos videoclipes durante os anos 80 e 90, passamos a ser também uma produtora de vídeos. Esse ano inauguramos um estúdio audiovisual de mais de 200 metros quadrados, com equipamentos de áudio, vídeo e cenografia de primeira linha, e profissionais muito qualificados para operar essa estrutura. Já fizemos ali videoclipes, entrevistas com artistas, DVDs e shows completos com público de mais de 100 pessoas. Nosso estúdio é único entre as empresas de música no país e oferece possibilidades enormes de geração de conteúdo para os nossos artistas. 

Apesar da óbvia diversificação do catálogo, o sertanejo é claramente o pilar principal das operações da gravadora. Para onde deverá ir esse gênero, nos próximos anos, se quiser manter a hegemonia num mercado como o brasileiro, tão sujeito a modismos e a uma necessidade de renovação constante?

A Som Livre busca refletir o gosto da população brasileira. Sem barreiras, sem preconceitos, unindo gêneros populares, até segmentos que são menos expressivos. Hoje o sertanejo é o líder de mercado tanto na música gravada quanto em shows, e felizmente nós temos a liderança nesse gênero. Por um tempo, ocupou quase exclusivamente o papel do pop brasileiro, beneficiado por uma grande variedade de estilos que incorporou e por inúmeros talentos de primeira grandeza. O sertanejo não é uma moda, mas como todos os gêneros, evolui e assume caras novas. Tenho certeza de que daqui a 10 anos vamos continuar vendo artistas sertanejos entre os maiores do Brasil, mas dividindo o holofote com outros gêneros, algo muito saudável que já começou a acontecer uns três anos atrás. 

O espaço para o pop, o hip hop e outros gêneros, apesar de notável, é relativamente pequeno. Está no radar de vocês tentar fazer com que esses gêneros conquistem grandes plateias, a exemplo daquelas de que desfrutam os sertanejos?

Já estamos fazendo isso há algum tempo. O funk foi o primeiro gênero a quebrar o quase monopólio que o sertanejo tinha no sucesso digital dos primeiros anos, e a Lexa é nossa grande artista nesse segmento, ao lado do Kevin O Chris, o maior do Brasil, com quem acabamos de fechar um projeto. A próxima onda claramente é do rap, onde muitos talentos já começam a despontar com merecido sucesso. Em 2019, consolidamos um elenco forte que tem hoje Edi Rock, Filipe Ret, Haikaiss, Costa Gold, entre outros. Nossa grande aposta para o ano que vem é a Bivolt, com lançamento já no começo de 2020. E algumas novas contratações muito boas que ainda não podemos anunciar. 

O ressurgimento do pop brasileiro também foi uma novidade importante de 2019, um gênero no qual temos o Silva como um talento especial. Fechamos também uma parceria com o selo Inbraza, com a assinatura artística dos superprodutores Pablo Bispo, Sérgio Santos e Ruxell, gênios da produção pop no Brasil. Essa parceria, ano que vem, lança quase 10 artistas novos, e vai ser uma surpresa grande para mim se pelo menos dois desses não virarem uma realidade na música brasileira.

Silva, uma das principais apostas da gravadora no pop. Foto de Breno Galtier


 

 



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