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Nas rádios, um movimento de retorno às origens locais
Publicado em 17/06/2020

Fim da programação em rede da Rádio Globo abre debate sobre novo papel desse veículo de comunicação fundamental; no Brasil, concentração da mídia nas mãos de poucos conglomerados impõe dificuldades à regionalização

Por Fabiane Pereira, do Rio

No início de maio, o mercado recebeu um comunicado do Sistema Globo de Rádio que anunciava a descontinuidade da transmissão da Rádio Globo em São Paulo. “A rádio Globo teve um crescimento expressivo de audiência não só na capital, como na Baixada Fluminense e Região Metropolitana. Para seguir avançando, a Rádio Globo entende que é fundamental fortalecer a sua grade local e apoiar a vibração da cultura carioca para a evolução do atual modelo de negócios” dizia. Não é um fato isolado, mas, talvez, o primeiro passo efetivo no Brasil de uma tendência global: o retorno à localidade.

Nos últimos meses, uma rádio independente de Seattle, Estados Unidos, ganhou destaque na imprensa por sua atuação durante o confinamento decorrente da Covid-19. A KEXP alterou toda sua programação para proporcionar “cura” e amenizar os danos psicológicos dos ouvintes. Um levantamento recente nomeado “Previsões e Tendências de Mídia em 2020” e publicado pela Kantar, empresa britânica que atua na área de pesquisa de mercado, apontou que os conceitos de “reinvenção”, “nicho” e “digitalização” estão sendo usados para enfatizar o momento positivo do rádio.

Heather O’shea, responsável pela realização da pesquisa, afirma que “as novas gerações cresceram e crescerão com áudio perfeitamente incorporado em suas vidas. Logo, nada mais natural que esses áudios expressem seus comandos e desejos”. Isso se se traduz no aumento do rádio como canal de marketing local, na multiplicação das rádios de nicho (graças à digitalização) e no reforço do jornalismo local e da programação musical regional.

“Mesmo quando as emissoras de rádio operam em rede, elas costumam reservar um espaço considerável de seu tempo de programação para a produção local.”

Octavio Pieranti, pesquisador

A acelerada volta à aldeia — principalmente na Europa e nos EUA, com o fim das operações em rede de várias rádios — é também uma volta às origens do meio. Como explica Octavio Pieranti, professor do PPGMiT/Unesp e pesquisador do Lecotec/Unesp, historicamente, o rádio é conhecido como um veículo local, fundado sob a ótica da localidade para dialogar com a sua comunidade de forma mais direta. “Mesmo quando as emissoras de rádio operam em rede, elas costumam reservar um espaço considerável de seu tempo de programação para a produção local.”

Isso a despeito de uma peculiaridade do Brasil, onde existe uma enorme concentração midiática: muitos dials sob gerência de poucos grupos de comunicação. “O fato de termos no DNA do rádio brasileiro essa concentração de emissoras nas mãos de poucos grupos de comunicação - muitos ligados inclusive ao poder político regional - já nos coloca em desvantagem desde o início em relação ao histórico de outros países. Além disso, há as dificuldades em se obter concessões e a perseguição à comunicação comunitária”, acredita Mario Sartô, produtor executivo e apresentador das rádios Cultura FM e Nacional FM, de Brasília.

A comercialização dos espaços radiofônicos da forma como é feita no Brasil é um dos maiores impedimentos para que a tendência em localidade ganhe velocidade aqui. “As políticas públicas voltadas para a comunicação avançaram muito pouco nas últimas décadas, e essa tendência só ganhará espaço no dial brasileiro se esses grupos de comunicação enxergarem vantagens econômicas. O caso da Rádio Globo, provavelmente, teve como principal motivação o aspecto econômico”, conclui Mario.

Luciano Gomes, gerente de programação da rádio Nova Brasil - rede que atua em São Paulo, Campinas (SP), Brasília, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, Goiânia, Fortaleza, Aracaju e Birigui (SP) - explica que a principal desvantagem de descontinuar uma transmissão em rede é que, ao abrir mão de praças importantes, o resultado comercial é diretamente afetado. “Numa emissora de rede, em apenas uma negociação, marcas nacionais (e até internacionais) que queiram anunciar encontram a facilidade necessária para se comunicar com o máximo de ouvintes possível”. Para ele, é difícil que este movimento de localidade cresça entre as rádios comerciais no país, porque elas precisam de um alto investimento.

“(Nas rádios), muitas mentiras estão sendo rapidamente reveladas."

Thiago Barbosa, CBN

Sob a ótica da estrutura financeira, Guga Castro, programador musical da rádio Beach Park, em Fortaleza, e da rádio ECOA, em Sobral (CE), explica que as redes de rádio têm uma estrutura financeira mais robusta em relação a uma rádio local. “Esta robustez permite a uma rádio de rede alçar voos mais altos, como mandar uma equipe para cobrir festivais ou uma Copa do Mundo”, comenta.

Para Mario Sartô, apesar da renúncia aos anunciantes nacionais, quando a Rádio Globo volta sua programação para o Rio de Janeiro, reforça a identidade regional que sempre teve. “Ela se propõe a reforçar a cadeia econômica e criativa daquele local, e isso pode ser muito vantajoso. Resgatar a identidade, e se reaproximar do carioca para reconquistar um mercado que havia sido perdido ao decidir pela abrangência, é vantajoso para a programação e para a audiência”, conclui.

TENDÊNCIA À LOCALIDADE NO JORNALISMO…

Em tempos de pandemia, crise política e ameaças à democracia por grupos ultraconservadores, as rádios locais têm se voltado para o jornalismo de checagem de dados, aportando sua credibilidade e sua proximidade para informar aos ouvintes.

“(Nas rádios), muitas mentiras estão sendo rapidamente reveladas. Na busca por credibilidade, o bom jornalismo de rádio também tem no noticiário local um grande aliado no fortalecimento da imagem da mídia”, diz Thiago Barbosa, gerente regional de jornalismo da CBN no Rio de Janeiro. “Trata-se de uma conversa mais íntima com seus interlocutores do que a comunicação escrita e do que a televisão, que sempre trabalha por um público mais amplo. Contar para quem está ouvindo o rádio qual é o melhor caminho de casa para o trabalho, se vai faltar água ou se vai chover… É aí que realmente conseguimos uma conexão com os nossos interlocutores e nos fazemos mais úteis.”

…E NA MÚSICA

O que a tendência mundial tem mostrado é que com a localidade, as rádios voltam a se tornar mais atuantes e deixam de ser genéricas. O exemplo da KEXP, rádio independente e com alta popularidade de Seattle (EUA), é interessante porque, ao fortalecer a programação local, ela não apenas promove o jornalismo como também democratiza o espaço radiofônico para a produção musical da zona. O rádio, assim, se torna um grande articulador do ecossistema da música.

No Brasil, o sertanejo fica entre o primeiro e o segundo lugar na preferência do público em todas as regiões do país, segundo pesquisa recente. O Brasil é um dos poucos países que consomem majoritariamente a música nacional, feitas por artistas do próprio país, mas há uma monocultura musical sendo consumida e disseminada em ampla escala nos dials em detrimento de diversos outros gêneros.

"(Rádios em rede) têm uma relação mais verticalizada. E, hoje em dia, as relações verticalizadas são um modo de gestão ultrapassado."

Guga Castro, rádios Beach Park e ECOA

Nada mais emancipador para o indivíduo e para a sociedade do que o direito à voz. Como já disse Gilberto Gil, “o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe”. Ao analisar com um pouco mais de atenção as programações musicais das rádios brasileiras, fica claro que o direto à voz é um direito de poucos artistas.

“Historicamente, o ouvinte de rádio gosta de criar uma relação com seus ‘locutores’. E, como estamos num país continental, uma rádio em rede que, por exemplo, tem sua sede em São Paulo, com profissionais paulistas, e uma filial em Belém, não tem a mínima ideia das demandas dos ouvintes de Belém”, diz Guga Castro. Para ele, as rádios em rede, geralmente, não valorizam (ou valorizam pouco) suas afiliadas, e isso se estende aos seus profissionais. “É uma relação verticalizada, não horizontalizada. E, hoje em dia, as relações verticalizadas são um modo de gestão ultrapassado.”

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