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A playlist de Natal do Spotify e a lógica da música movida a curtidas
Publicado em 14/12/2020

Cresce o número de vozes que pedem 'novas métricas' para avaliar a relevância de um trabalho; entenda

Por Fabiane Pereira, do Rio

O Spotify lançou, em caráter de teste, uma função similar à do Snapchat para promover suas listas de músicas de Natal. Trata-se de um formato de vídeos curtos nos quais os artistas “vendem” seus lançamentos ao público. Lá fora, nomes como Jennifer Lopez e Pentatonix aderiram. O teste, porém, teve resultados controversos. Se há quem curta a adoção de uma linguagem de redes sociais por plataformas de streaming musical, também há vozes que criticam o que chamam de imposição de uma lógica de popularidade movida a curtidas, o que reservaria os melhores lugares nas playlists a quem tem uma presença midiática forte. 

Diante da repercussão, o Spotify afirma, em nota, que vem realizando “diversos testes para melhorar a experiência de usuário dos nossos ouvintes. Alguns desses testes abrem caminho para novas funcionalidades; outros são apenas importantes aprendizados. Não sabemos ainda quais serão os planos futuros (sobre essa função específica)”. 

Para além deste caso particular, é inegável que, no atual mercado da música, a popularidade em rede e números expressivos (não necessariamente de acordes ou instrumentos utilizados num arranjo) acabam se tornando quase que a única régua para medir o êxito de uma faixa. Mas crescem as vozes que pedem outras “métricas” para traduzir a qualidade e até mesmo o sucesso de um artista ou projeto musical.

Para o professor e pesquisador de políticas culturais Miguel Jost, embora as execuções no rádio, na TV e no streaming — com consequente repercussão em redes e imprensa — sejam importantes balizadores, não podem ser a única medida de um trabalho bem-sucedido. “Quando a gente olha para a história da música brasileira, entende que existiram enormes contribuições de artistas fantásticos que não tinham uma perspectiva de trabalho comercial ou com públicos expressivos. Efetivamente, outras métricas precisam ser consideradas. Mas também é importante não colocá-las em oposição”, acredita.

Muito antes das plataformas digitais, profissionais do mercado — especialmente aqueles que sempre atuaram à margem do mainstream — já questionavam as relações entre conceito estético da obra, volume de venda e tamanho do público interessado. ”Tudo depende de para quem a música vai ser melhor. Sempre é bom lembrar que uma música pode ser boa para mim por n variáveis e ruim para outros por vários motivos”, ressalta Juli Baldi, curadora e diretora criativa do Bananas Music e Mapa dos Festivais. “Vivemos uma realidade onde os números decidem, sozinhos, o que é sucesso. Então, analisar as métricas não numéricas é essencial, principalmente o contexto e a estética. Saber de onde o artista veio, em qual cenário está inserido, qual a mensagem que a história, o corpo e a narrativa dele carregam. Entender o simbolismo do trabalho com um todo é importante”, pontua.

Em sinergia com este apontamento, o pesquisador musical, DJ e programador musical da rádio Frei Caneca (Recife) Patrick Torquato acredita que também é preciso considerar a lógica do "atende ao que se propõe". “Quando um artista se compromete a usar uma linguagem e entrega o produto com boa qualidade técnica de gravação, com uma temática que se encaixa com as expectativas das pessoas e o universo de texto, letras e histórias que também envolvem o ouvinte, esse artista atende ao que se propõe e cumpre elementos característicos daquela linguagem, da obra. Isso potencializará a assimilação dela no mercado”, explica.

A cantora e compositora potiguar Juliana Linhares, uma das vozes mais celebradas da nova geração e vocalista da banda Pietá, acaba de lançar seu trabalho solo. Suas canções autorais atingem um público mais de nicho, e sua audiência mensal não é considerada expressiva pelas plataformas digitais — em outras palavras, dificilmente apareceria na playlist de Natal do Spotify. Mas isso não a desanima. Ela busca outras métricas que a validem.

“Acho que há uma questão importante neste aspecto, que é a oportunidade de acesso. Há trabalhos com investimentos altos e outros sem qualquer investimento. E a métrica não pode estar nesse capital investido. Acho fundamental que os veículos de difusão abram espaços para trabalhos com menor alcance numérico. Isso ajuda a disseminar a arte, forma novas plateias. Para mim, enquanto cantora, é importante entender com quem meu trabalho conversa e como ele circula intimamente na vida de quem ouve. Nem tudo são plays”, crava.

Para Jost, o artista que se baseia só no número de plays e impacto no streaming enfrenta o mesmo problema que os artistas das décadas anteriores enfrentaram em relação às músicas de sucesso do rádio e televisão. “Há o perigo do artista perseguir uma fórmula específica, a canção que dá certo, insistir e acabar criando um trabalho pasteurizado, porque está sempre procurando o formato daquela canção que funcionou. Isso acaba sendo um grande equívoco. Não existe essa fórmula pronta que dá a certeza do sucesso, a música também é experimentação. O ouvinte percebe, mesmo que intuitivamente, quando se produz algo diferente, criativo e que traz alguma coisa nova."

“É preciso mudar o olhar da sociedade e dos artistas pra outros parâmetros de sucesso. Estamos exaustos porque todo nosso tempo é condicionado a um tipo de 'dar certo'... Mas e a saúde?”, completa Juliana Linhares.

Juli Baldi vai na mesma linha. Pede mais pluralidade, mas, ao mesmo tempo, recorda o óbvio: qualidade musical e popularidade podem perfeitamente conviver. “Mesmo que os veículos de comunicação, os algoritmos, gravadoras e outros players influenciem na construção coletiva do gosto musical, temos também um preconceito intrínseco entre alguns artistas, que acreditam que quem é popular tem má qualidade musical”, critica. “Quem é popular, na verdade, emocionou muita gente. E isso também não deve ser visto como ruim.”

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