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O 'clipe infinito' e o avanço da inteligência artificial na música
Publicado em 21/12/2020

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Jogada de marketing da equipe da cantora americana Billie Eilish se soma a iniciativas que promovem a criação através de algoritmos; entenda

Por Fabiane Pereira, do Rio

A jovem cantora Billie Eilish já liderava as paradas musicais do mundo todo quando entrou para a história, no início deste ano, ao se tornar a primeira mulher a ganhar as principais categorias da noite numa mesma edição do Grammy. Com 19 anos recém-completados, Billie celebra mais alguns marcos: um de seus principais hits, a música “Bad Guy”, lançada em 2019, atingiu 1 bilhão de visualizações no YouTube e deu origem a um experimento pioneiro de inteligência artificial que abre muitas portas para o futuro imediato da criação musical.

“Infinite Bad Guy” é o primeiro “clipe infinito” do mundo, alimentado constante e automaticamente pelas contribuições dos fãs. Criado pelo YouTube e pelo Google Creative Lab, o clipe já reúne milhares de covers que foram sendo alinhados em combinações infinitas. O clipe muda toda vez que alguém assiste. Para criar esta experiência até então inédita, foi necessário alinhar perfeitamente o áudio de milhares de vídeos diferentes com ritmos, instrumentos, tons e estilos diferentes. Billie Eilish abre o clipe, e, após alguns segundos, os fãs tomam conta do cenário.

Um fã toca a canção-tema do clipe num momento exibido aleatoriamente

Profissionais do mercado aprovaram a iniciativa. O diretor e curador do Festival Novas Frequências, Chico Dub, achou “absolutamente genial” o trabalho em progresso do clipe. “Uma jogada de marketing incrível que só vai aumentar o engajamento de algo que já era gigante, tanto que talvez nem precisasse desse empurrão. Mesmo que canse daqui a pouco (e vai cansar), é daquelas ideias que irão entrar para os anais da música nestes tempos de inteligência artificial e algoritmos”, disse Chico, que completou: “Esse trabalho me fez lembrar, olha que inusitado, de uma obra do John Cage chamada ‘Organ2/ASLSP (As Slow as Possible)', uma peça que está sendo tocada numa igreja desde 2001 e que só irá terminar em 2640. Outra lembrança é de um disco do Brian Eno, o ‘Reflection’, de 2017, construído de forma generativa via algoritmos, que vem com um aplicativo extra para celular que nunca toca o disco da mesma forma, podendo ser escutado infinitamente sem nunca repetir”, pontua.

O jornalista Camilo Rocha também simpatiza com a iniciativa. “A ideia é muito criativa, além de ser uma ação imaginativa que empodera os fãs, proporcionando 15 segundos de fama para eles. Aquele menino que ficou no quarto tirando ‘Bad Guy’ na guitarra, ou a drag que dublou a música numa boate do interior, agora têm a sensação de que seu ídolo sabe que ele existe. É uma conexão que se cria entre artista e público. Me faz lembrar ainda do conceito de fan art, que é muito presente no universo dos quadrinhos e da ficção científica, onde desenhos e ilustrações de fãs são muito comuns e têm até premiações. O que Billie Eilish faz é jogar o holofote no trabalho dos fãs no campo musical, sonoro. A gente sabe que é um fenômeno no YouTube, as versões e performances de sucessos por parte de admiradores comuns. Mas acho que ninguém tinha dado um palco dessa magnitude para os fãs que fazem suas próprias leituras do trabalho do artista”, comenta.

A cantora e compositora Billie Eilish

O “clipe infinito” tem apelo mas não, é, nem de longe, uma experiência particularmente radical de criação através de inteligência artificial. Algoritmos já produzem muitas obras com pouca e até mesmo nenhuma ajuda humana. No entanto, as estruturas jurídicas e de gestão ainda não se mostraram preparadas para acompanhar todo esse avanço e, por vezes, não têm uma resposta conclusiva sobre direitos autorais.

Os Estados Unidos, o Reino Unido e a União Europeia já se depararam com a questão, e suas jurisdições tendem a entender que somente o ser humano pode ser autor, posto que a obra é uma externalização da sua personalidade ou, ainda, uma forma de manifestação do seu trabalho intelectual ou físico. Em outras palavras, na falta de uma pessoa a quem atribuir a autoria, as obras não podem ser tuteladas juridicamente e, como consequência, tais produções tendem a cair no domínio público.

Apesar dos usos da inteligência artificial estarem se espalhando por todos os campos — e de este processo ser irreversível —, o debate ainda está muito embrionário.

Outro momento do clipe infinito: tecnologia codesenvolvida pelo YouTube

“Ainda estamos engatinhando no que se refere à inteligência artificial, e muita coisa ainda virá. A reação, entretanto, por uma música mais viva, urgente, crua, punk, ao vivo, virá na mesma proporção”, acredita Chico.

“Até o momento, a AI tem sido usada na própria composição ou no processo criativo, caso da musicista americana Holly Herndon, ou, claro, nas plataformas de streaming, especialmente por meio de recomendações com base no que você ouve. Vai ser interessante ver o que pode aparecer em termos de plataformas e ações que envolvam o público de alguma forma ou trabalhem com o conteúdo criado pelos fãs”, prevê Camilo.

LEIA MAIS: Como ganhar audiência no streaming além das playlists, explorando o algoritmo das plataformas

 

 


 

 



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