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Covid-19: uma nova onda de fechamentos de casas de shows
Publicado em 08/04/2021

Palcos emblemáticos tentam se manter com vaquinhas virtuais, eventos alternativos e assinaturas mensais, enquanto temem que chegue um ponto de não retorno

Por Eduardo Lemos, de Londres

O Clube Agulha, de Porto Alegre, vazio: panorama ainda sem solução à vista

 

No início de março, em São Paulo, a Casa do Mancha, tradicional espaço para apresentação de artistas independentes na Vila Madalena, anunciou o fim de suas atividades após mais de uma década atuando como peça fundamental na história de artistas como Tulipa Ruiz, Tim Bernardes e centenas de outros nomes. Duas semanas depois, do outro lado da cidade, a gigante T4F fez o mesmo anúncio: o Unimed Hall (antigo Credicard Hall) não existe mais, depois de 22 anos recebendo shows de grandes nomes da música brasileira e internacional. "Fecham-se as cortinas de mais um palco no país", lamentou Fernando Altério, CEO da T4F, em comunicado à imprensa.

Com propostas, tamanhos e públicos completamente diferentes, as duas casas simbolizam o estrago que a pandemia continua a fazer nos palcos Brasil afora.

Depois de uma onda de fechamentos ainda no segundo semestre do ano passado – Autêntica (Belo Horizonte), KM de Vantagens Hall (Rio de Janeiro e Belo Horizonte), Criolina (Brasília), Centro Cultural Rio Verde e Z Carniceria (São Paulo), entre várias outras –, uma nova safra de casas sucumbe. E quem não integra a triste lista de casas fechadas está lutando arduamente. É o caso da Agulha, em Porto Alegre, inaugurada em 2017 e por onde já passaram nomes como a brasileira Letrux e a francesa Camille.

"Estamos fazendo todas as manobras possíveis e imagináveis para não fecharmos", diz Eduardo Titton, um dos sócios. Há 13 meses sem poder realizar espetáculos, a casa já fez lives, abriu lojinha virtual e criou até um serviço de entrega de comidas e bebidas. Todas as ações, infelizmente, não foram suficientes para pôr as contas no azul. Agora, ele aposta em um clube de assinatura da casa. "Precisamos de algo mais recorrente, principalmente por não sabermos quanto tempo vai durar a pandemia", explica. Os planos do Clube Agulha vão de R$ 10 a R$ 1.500 mensais, com contrapartidas que envolvem playlists, produtos gastronômicos e ingressos para futuros shows, entre outras recompensas.

Segundo Titton, o apoio da sociedade civil é imprescindível para que o segmento possa sobreviver à crise, "especialmente aqueles que seguem recebendo em dia e têm condição de contribuir, considerando que a arte e a cultura têm uma contribuição importantíssima para a saúde e o progresso da sociedade.”

Visão parecida tem Leonardo Franco, diretor geral do Centro Cultural Solar de Botafogo, no Rio de Janeiro. "É o momento de as grandes empresas que não estão sendo afetadas pela pandemia – supermercados, farmácias, a indústria de alimentos e bebidas – patrocinarem os equipamentos culturais. É essencial que seja agora, e não quando o país estiver melhor", diz. Inaugurado em 2006, o casarão que já abrigou mais de 300 shows de nomes como Ney Matogrosso, Mallu Magalhães e Tiago Iorc está fechado ao público desde março do ano passado. "Neste um ano de pandemia, nós tivemos apenas 3 eventos. É uma catástrofe absoluta", diz Franco.

"Neste um ano de pandemia, nós tivemos apenas 3 eventos. É uma catástrofe absoluta."

Leonardo Franco, diretor geral do Solar de Botafogo, do Rio

Neste período, o produtor abriu uma campanha de crowdfunding ("Vida Longa ao Solar", encerrada em outubro) e realizou mais de 80 lives com diversos representantes da cultura brasileira. Recentemente, lançou o projeto "Primeiro Abraço", criado em parceria com Geraldinho Magalhães, que promoverá o encontro inédito de artistas, como Charles Gavin & Jr. Tostoi, Davi Moraes e Rodrigo Maranhão. A iniciativa começará através de transmissões virtuais, e, posteriormente, os espetáculos serão apresentados no Solar.

O retorno financeiro dessas ações ajudou a casa a se manter, mas não impediu a demissão de dez funcionários e a falência do bar Teto Solar, anexo ao espaço de shows. "O teatro é um filho querido que me dá uma despesa absurda, mesmo parado". No momento, Franco não cogita encerrar definitivamente as atividades da casa, mas admite a possibilidade de vender o imóvel, adquirido por ele em 2001.

Outro espaço arquitetônico e musical de imensa importância, a Casa de Francisca, no centro de São Paulo, revelou em março que está encerrando temporariamente suas atividades. Uma vaquinha virtual chamada "Avante, Francisca!" foi aberta pelo espaço para arrecadar R$ 125 mil mensais e evitar o fechamento definitivo. "Antes da pandemia, a gente vivia nosso melhor momento, com 25 shows por mês e 8000 pessoas, além de novos projetos em andamento", conta Rubens Amatto, fundador da Casa. "Mas a falta de receita durante os 12 meses seguintes e os altos custos de manutenção da casa, equipe e custos fixos, foram se acumulando até interrompermos integralmente nossas atividades.”

Como outras casas do segmento, a Francisca apostou em lives (num projeto em parceria com a cineasta Laís Bodanzky) e no delivery de comidas e bebidas (que enfrentou dificuldades de operação durante o período). "Esta campanha é uma forma de reconstrução da casa a médio prazo e uma tentativa de reverter a situação. Seguiremos no imóvel até quando for possível", diz.

A ordem de despejo do Ó do Borogodó, tradicional reduto de samba e chorinho de São Paulo, era clara: no dia 25 de março, a casa deveria ser desocupada. Mas a notícia se espalhou, gerou comoção nas redes sociais e fez com que Stephania Gola, proprietária da casa, criasse uma campanha de financiamento coletivo em apenas dois dias. "Decidimos tentar fazer a vaquinha com um valor que nos possibilitasse ficar pelo menos mais 1 ano aqui, não só pagando as dívidas. Concluímos que o valor ideal era R$ 300 mil. Sinceramente, a gente achava que não ia conseguir.”

"Não tenho nem palavras para dizer o que foi isso (vaquinha virtual) pra gente. A gente não sabia que era tão querido."

Stephania Gola, dona do Ó do Borogodó, de São Paulo

Mas conseguiu: em apenas 10 dias, com forte apoio da clientela e de artistas – como Fabiana Cozza e Kiko Dinucci –, a casa alcançou a meta, pagou as contas e se permitiu respirar. "Eu não tenho nem palavras para dizer o que foi isso pra gente. Nos últimos anos, o bar estava mais esvaziado. A gente não sabia que era tão querido", admite.

Para que outras histórias terminem em final feliz, evitando uma espécie de ponto de não retorno, ou seja, uma debilitação tão extrema do mercado que contribua para acelerar a onda de fechamentos, Stephania, Leonardo Franco e Eduardo Titton  defendem uma solução simples: eles creem que o poder público precisa agir rapidamente. Os três elogiam os ganhos com a Lei Aldir Blanc, mas pedem mais editais que contemplem os espaços de shows e a abertura de linhas de crédito que não solicitem às casas que estejam com o nome "limpo", se justamente estão negativados porque precisam de empréstimo.

"Se não tivermos ajuda, vamos quebrar todos", diz Stephania. "A gente deveria seguir o exemplo de outros países que subsidiam esses espaços pelo tempo que é necessário. A cultura não é um produto de entrega simples. É um trabalho com um sem-número de benefícios para as pessoas e para a comunidade", lembra Titton.

"Precisamos de uma fonte de renda mais recorrente, principalmente por não sabermos quanto tempo vai durar a pandemia."

Eduardo Titton, sócio do Clube Agulha, de Porto Alegre


 

 



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