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Artigo: Precisamos Falar Sobre o Streaming
Publicado em 22/04/2021

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Por Carlos Mills, do Rio*

*Publicado originalmente em seu site pessoal

Nenhum outro assunto vem despertando tanto interesse na área da música quanto o crescimento das plataformas de streaming. Seja pelas consequências no comportamento do público, seja pelo impacto financeiro, o streaming está na ordem do dia das discussões em todo o mundo. No Reino Unido, uma comissão parlamentar investiga o modelo e suas eventuais distorções. Nos Estados Unidos começou a funcionar este ano o Mechanical License Collective (MLC), uma entidade centralizada que licencia e recolhe das plataformas digitais de streaming os direitos mecânicos dos autores, compositores e das editoras. O funcionamento do MLC possibilitou este ano a cobrança e a distribuição de mais de 400 milhões de dólares que estavam “retidos” por falta de identificação, no mercado norte-americano. Recursos muito bem-vindos em tempos de pandemia.

Responsável direto pela retomada do setor da música gravada, o streaming responde por quase 80% do faturamento global, segundo dados do Global Music Report 2021.

No que diz respeito ao público consumidor, as novas opções de consumo beiram o nirvana, oferecendo acesso legal e ilimitado a praticamente toda a música produzida na história da humanidade.

Em relação aos artistas houve diversos avanços. Em 1984 foram lançados no Reino Unido cerca de 6000 álbuns. Atualmente, esta é a quantidade de música lançada por dia nas plataformas de streaming. A chance de o artista alcançar o público consumidor democratizou-se de maneira espantosa, inclusive no que diz respeito ao alcance internacional. A possibilidade de interação direta entre o artista e seu público nunca foi tão acessível.

Do ponto de vista das gravadoras o streaming de áudio interativo representou uma retomada, após mais de 15 anos de queda da ordem de 1 bilhão de dólares por ano, em nível global. A arrecadação de 2020 equivale ao que foi faturado pela indústria em 2007, em valores corrigidos monetariamente.

Recentemente duas manifestações importantes do Spotify e da Apple Music lançaram luz sob aspectos econômicos das plataformas de Streaming. A página Loud & Clear do Spotify responde algumas dúvidas financeiras e ainda permite que o artista faça uma comparação entre o seu número de ouvintes com o universo de artistas do Spotify. Já a manifestação da Apple foi direcionada apenas a gravadoras e artistas, e traz a informação de que a plataforma remunera todas as gravadoras, majors ou independentes, com o mesmo percentual (52%). A Music Ally comentou a notícia.

Há algumas semanas a IMPALA, maior organização de gravadoras independentes na Europa, publicou uma carta com 10 pontos relevantes sobre questões relacionadas ao streaming interativo. A carta conclama à adoção das medidas definidas pela nova diretiva europeia, não de forma tímida, mas de maneira contundente. Em especial no que diz respeito ao “Safe Harbor”. O “Safe Harbor” é um dispositivo jurídico que distorce as regras de mercado, diminuindo os valores que chegam aos titulares em favor das plataformas digitais. A carta também propõe que os pagamentos de royalties aos artistas por parte das gravadoras sejam atualizados para valores contemporâneos, que reflitam a nova realidade do mercado. A IMPALA no entanto refuta a ideia de “remuneração equitativa”, que tradicionalmente acontece apenas nos casos de execução pública.

Outro ponto ressaltado na carta faz referência a uma recente proposta de uma grande plataforma de streaming de “oferecer destaque através de algoritmo para as músicas de gravadoras que concordem em receber um royalty menor”. Essa proposta foi considerada equivalente ao Jabá, uma prática moralmente condenável.

Seguem os principais pontos da carta:

 

  • Extinguir o “Safe Harbor” – O chamado “Safe Harbor” é uma salvaguarda jurídica que permite que serviços que usam conteúdos escolhidos pelo usuário (UGC), como o YouTube, paguem valores menores que os das plataformas de áudio como o Spotify e a Apple Music. Como consequência, o valor do “play” pode chegar a ser 10 vezes menor.
  • As Gravadoras Devem Pagar aos Artistas Valores Percentuais Maiores – Algumas gravadoras ainda remuneram seus artistas com royalties dos “tempos analógicos”, que podem ser tão baixos quanto 4%. A IMPALA recomenda a revisão de tais percentuais de modo a alinhá-los com condições contemporâneas.
  • Explorar Novas Alternativas de Remuneração – A IMPALA propõe por exemplo dar pesos diferentes às músicas de acordo com o seu tempo de duração. Faixas de até 5 minutos teriam um valor “X”, faixas entre 5 minutos e 10 minutos um valor “X + Y”, e assim sucessivamente. A entidade propõe também que haja um mecanismo de incentivo aos novos artistas e opções de monetização alternativas, como consumo de conteúdo exclusivo, faixas em alta resolução, etc.
  • Não Reduzir os Pagamentos em Troca de Aumento de Execuções – Os independentes europeus rejeitam a ideia de reduzir o valor pago por cada execução em troca de “maior exposição na plataforma”; a prática foi enquadrada como JABÁ.
  • Maior Vigilância em Relação à Manipulação de “Streams” – Nos últimos tempos temos assistido a inúmeras empresas “vendendo streams” através de artifícios de manipulação ilegais.
  • Disponibilizar no Aplicativo “Pesquisa por Nome” de: Gravadora, Artista, Produtor Musical, Compositor, Autor, Músico e Editora
  • Priorizar Repertórios Regionais e Línguas Locais – Mecanismos de financiamento e divulgação que colaborem para preservar a diversidade cultural, o repertório local e as oportunidades para a descoberta de novos artistas. A IMPALA também adverte para que a curadoria editorial das Playlists não afete negativamente estes valores.
  • Trabalhar na Redução da Pegada de Carbono da Música Digital Não existe “Planeta B”. Todos devemos colaborar para o desenvolvimento sustentável e a preservação do meio ambiente.

Uma outra questão relevante que não foi abordada na carta da IMPALA, mas que também é motivo de preocupação, diz respeito à concentração excessiva de mercado. Com a recuperação do negócio da música gravada, temos assistido a movimentos agressivos de aquisição de catálogos de gravadoras e de editoras. É preciso estar atento para que não se permita uma concentração excessiva. Aquisições que signifiquem mais de 50% participação no mercado, por exemplo, não devem ser autorizados pelos órgãos reguladores. Para aferir o valor de mercado, deve ser levado em conta o grupo econômico, e não cada empresa separadamente. Nos Estados Unidos está em curso a discussão de uma regulação mais dura para as chamadas “Big Techs”, a fim de coibir os efeitos nocivos dos monopólios. Uma das principais linhas de atuação busca impedir fusões e aquisições de empresas digitais. Esta tendência também vem sendo observada na área musical e precisa ser acompanhada com toda a atenção.

 

Carlos Mills é Presidente da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI) e fundador da gravadora independente Mills Records.


 

 



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