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As lições do sucesso mundial da música latina para o Brasil
Publicado em 21/07/2021

Jornalista da 'Billboard' autora de livro sobre o fenômeno da canção em espanhol conta à UBC o que nossos 'hermanos' fizeram bem 

Por Alessandro Soler, de Madri

Shakira em momento do seu mais recente clipe, da canção "Don't Wait Up". Divulgação

A conhecida jornalista colombiana Leila Cobo não é só vice-presidente de música latina da prestigiosa revista “Billboard”, dos Estados Unidos; com seis livros publicados e décadas acompanhando o desenvolvimento de artistas, novas cenas e novos gêneros na América Latina, é uma das maiores autoridades no assunto. Em seu mais recente livro, “La fórmula 'Despacito': Los hits de la música latina contados por sus artistas”, ela faz um verdadeiro inventário de 50 anos de sucessos e explica como uma enorme quantidade de canções dançantes, decisões inteligentes de marketing e boas doses de sorte criaram um efeito difusor que não para de crescer. 

Se, hoje, nomes como Shakira, Ricky Martin, Luis Fonsi, J Balvin ou Anitta são conhecidos mundialmente, os pioneiros da música latina nos Estados Unidos e na Europa precisaram provar uma e outra vez seu valor. Com muito trabalho por parte de compositores, intérpretes, produtores, músicos, empresários, profissionais do marketing e da distribuição, a barreira do idioma espanhol (e, depois, do português) foi superada; e gerações de talentosos artistas conquistaram o respeito da crítica e do público. O próximo grande desafio será emplacar canções de gêneros que não tenham a ver com festa e dança, um lugar em que certamente a música latina contemporânea continua engavetada. 

Nesta entrevista por e-mail com a UBC, Leila analisa a explosão da música latina, o panorama atual e as lições que os brasileiros podem usar para ampliar seus voos internacionais. 
 

Para além do bom jogo de palavras do título (“Despacito”, a música do porto-riquenho Fonsi, significa devagarzinho), você acha que foi de fato lento o processo de difusão da nova canção latina no mundo?

LEILA COBO: (Risos) Que boa maneira de apresentar a pergunta. Acho que tudo foi mesmo muito lento, mas subitamente se deu uma grande aceleração. Na verdade, como explico no livro, essa aceleração se deveu a um longo processo de gestação. Estamos há décadas tentando ganhar nosso espaço no mundo da música. Por muitos anos, sinto que fomos cidadãos de segunda categoria, não escutados porque nossa música era feita em outra língua, apesar de que já era consumida em grande escala. Agora que é possível medir esse consumo a nível global, parece que todo mundo percebeu que cantar em espanhol é um bom negócio e que a música latina – ou em espanhol – é amplamente consumida. 

Se tivéssemos que localizar no tempo um momento “big bang” da expansão musical latina, quando tudo começou, qual seria?

Houve vários “big bangs”, mas três deles tiveram enorme repercussão. O primeiro foi a época do mambo e do chachachá, nos anos 50, quando toda essa música entrou nas listas de mais ouvidas e virou a trilha sonora dançante do mundo, com artistas como (o cubano) Pérez Prado. A segunda explosão eu diria que foi a liderada por Ricky Martin em 1999 e que incluiu o “crossover” (entre inglês e espanhol) de Shakira, Marc Anthony, Enrique Iglesias e outros. O terceiro “big bang” foi nosso famoso “Despacito”, pólvora de uma nova explosão latina. Também quero acrescentar que a explosão do samba, nos anos 70, foi um “big bang”. Distinto, mas igualmente importante.

Ricky Martin: pioneiro da "segunda onda". Divulgação

Que elementos da nova canção latina são assim tão irresistíveis internacionalmente? O que é que nos torna únicos?

Acho que os ritmos dançáveis foram essenciais para o sucesso. Ainda que nos conheçam por nossas baladas românticas também, os grandes sucessos mundiais dos latinos foram para dançar. Os ritmos de festa e dança latinos são icônicos e reconhecidos no mundo todo, do mambo e do chachachá, que já mencionei, à salsa, ao merengue, à bachata e, claro, ao reggaeton. A dança é o grande equalizador. Você pode não entender nenhuma palavra, mas, se puder dançar, tudo funciona. E devo dizer que esses ritmos para dançar são complexos e sofisticados.

De uma perspectiva de gestão de carreira, que boas decisão foram tomadas por artistas, agentes, empresários, gestores de marketing e outros profissionais que orbitam o star system latino e que ajudam a explicar o sucesso?

Antes do streaming, o sucesso realmente dependia das gravadoras e de quem elas selecionavam para o estrelato mundial. E, também, a música latina se diferencia porque cada território é um mundo. Então, você pode ter um grande sucesso no Brasil, por exemplo, e jamais precisar sair desse país. Os empresários que souberam administrar as turnês dos artistas em nível latino-americano nos anos 70, 80, 90 e 2000 foram grandes agentes desse sucesso. Hoje em dia, a coisa mudou radicalmente. Outras grandes decisões foram as colaborações entre artistas, que ampliaram o alcance de todos; lançar muita música e com muita agilidade; a promoção nas redes sociais; e aproveitar ao máximo as ferramentas oferecidas por plataformas como YouTube e Facebook, que permitem alcançar o fã de uma forma direta.

Se você tivesse que destacar uma lição sobre as demais, qual seria?

É preciso reagir rápido e ser aberto, humilde e acessível, na minha opinião. O fã quer se sentir próximo ao artista. Mas, acima de tudo, você tem que fazer música boa. Tem muita música medíocre hoje em dia que vira sucesso, mas duvido que os artistas que os lançam terão sucesso a longo prazo.

A língua é um facilitador ou um dificultador para a difusão da canção latina?

Um facilitador. O espanhol é a nossa língua franca em quase todo o continente, à exceção do Brasil. Então, você tem a força de muitos países e de todos os seus fãs. Um artista alemão, por exemplo, teria um campo de ação mais limitado. Claro que a música em inglês vira global com maior facilidade, por isso tantos artistas latinos faziam o “crossover” com o inglês. Foi só graças ao streaming, que permite medir o consumo global de música em espanhol, que conseguimos não apenas ter sucesso, mas também vê-lo reconhecido. 

No caso do Brasil, a língua é um problema?

Foi mais difícil, sem dúvida, porque não há tantos países onde se fala português. Então, o campo de ação é mais limitado. Além disso, o Brasil é tão grande, e seu mercado para a música tão enorme, que sair do país para triunfar lá fora significa renunciar a muitas oportunidades domésticas de fazer dinheiro. Não quero dizer que não seja possível (para um artista brasileiro ter sucesso fora), mas sim mais difícil. Se eu canto em espanhol, posso ter sucesso no México, o que me ajuda a entrar no mercado latino dos Estados Unidos. Mas, como brasileiro, sinto que você tem que escolher o inglês ou o espanhol e, então, criar músicas que se adaptem a esses mercados. Anitta é o grande exemplo dessa estratégia de sucesso agora, mas há muitos mais.

J Balvin e Anitta: parcerias são, para Leila, um dos principais elementos de uma fórmula de sucesso. Divulgação

Os gêneros da nova canção latina parecem engavetados na festa, na música para dançar com temática hedonista e de consumo rápido. Há espaço para gêneros latinos mais “densos” no mundo?

Definitivamente, sim, e creio que vemos maior abertura a cada dia. Mas esse sucesso maciço de centenas de milhares de streams só é possível se houver apoio das gravadoras e das plataformas de streaming. É impossível que uma música de um cantor e compositor alternativo, por exemplo, compita com um reggaeton fácil quando as canções de reggaeton literalmente têm dezenas de playlists a mais para sua difusão. É uma verdadeira pena que não exista um compromisso para fomentar outros tipos de música. E dói ainda mais quando você pensa que, à diferença do rádio, que está regido pela audiência e pela publicidade, os serviços de streaming não têm essas limitações. Honestamente, sinto que as plataformas pegaram um atalho muito fácil e que poderiam fomentar muitíssimos outros tipos de música que também poderiam ter sucesso. É uma responsabilidade delas e dos meios de comunicação abrir esses espaços. E das gravadoras também. O sucesso não vem sozinho. Mas hoje é possível ouvir música de qualidade de todos os estilos. Na “Billboard”, publicamos listas de artistas emergentes

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