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Caio Prado: um artista mais do que recomendável
Publicado em 23/05/2016

Um dos cabeças do projeto Não Recomendados, 'subversão' a preconceitos (de gênero, etnia, origem), o carioca bate um papo com a gente sobre seu elogiado trabalho

Por Fabiane Pereira, do Rio

O mercado musical independente está longe da fragilidade dos anos 90. Vemos, com cada vez mais frequência, jovens artistas, oriundos desta nova safra da MPB, se destacando ao promover um trabalho autoral sem qualquer suporte de gravadoras e de veículos de comunicação de massa.

Vem do subúrbio de Realengo, no Rio, um artista como tantos dessa nova e prolífica geração de independentes que ganham respeito da crítica e admiração do público. Dono de um trabalho finíssimo, Caio Prado colhe elogios (de gente como Jr Tostoi) e gera pérolas como o álbum “Variável Eloquente”, que traz dez faixas minimalistas que ganham intensidade com o acompanhamento de um quarteto de cordas cujos arranjos foram feitos pelo expert Maycon Ananias. Importante dizer que várias composições de Caio já fazem parte do repertório de artistas contemporâneos a ele, como Duda Brack e Anna Ratto.

Formado na Escola de Música Villa Lobos, centro de referência no ensino da música, Caio e sua efervescência criativa são bastante conhecidos do público que costuma frequentar os saraus cariocas. Seu disco de estreia utiliza versos que detalham dores, incompreensões, reflexões, elementos sem sutileza e bem escancarados que envolvem o ouvinte. Ele deixa claro que música é um movimento político e deve estar a serviço de um processo evolutivo. Prova disso é a faixa “Não recomendado”, pilar do projeto homônimo de Caio em parceria com os artistas Daniel Chaudon e Diego Morais. A canção pode ser entendida como um grito de liberdade diante das hipócritas aparências que permeiam a elite, apresentando-se como arte combativa às forças machistas, homofóbicas e racistas.

Sabemos que a música brasileira sempre foi conhecida pela diversidade. E, de tempos em tempos, a produção cultural nacional nos apresenta artistas dispostos a desconstruir todas as regras, inclusive de gênero sexual, estabelecidas na música ou na sociedade. Caio faz parte desta geração que está ajudando a quebrar preconceitos e abrir mentes.

Bati um papo rápido com o Caio, e sua convicção diante da arte que produz dá ânimo para seguir lutando. Em tempos difíceis como os que estamos vivendo, qualquer ânimo já é um pouco de saúde.

Como a música entrou, profissionalmente, em sua vida?

Caio Prado: Ingressei na escola de música Villa Lobos ao mesmo tempo em que entrava no ensino médio. Meus trabalhos escolares sempre tinham um toque de poesia e música. No Villa Lobos tive um mentor, professor Marcos Teixeira, que promovia recitais dos alunos na conclusão de semestre; incentivado, interpretava os meus poemas musicados feitos a cappella, pois não toco nenhum instrumento. Comecei a frequentar saraus pelo Rio de Janeiro, especialmente o Corujão da Poesia, na antiga livraria Letras e Expressões. Lá me apresentava como um trovador, recitava versos de poemas e terminava esbravejando canções no gogó. Recebi convites profissionais para participar de encontros poéticos e musicais e já não conseguia conciliar com as minhas faculdades de ciências sociais e políticas. Alguns festivais de música foram importantes para eu me reconhecer enquanto músico; ganhei melhor intérprete e melhor canção no festival "Cepe Petrobras", realizado no teatro Rival. A inscrição em festivais ficou frequente, e vieram outros prêmios: Festival de Ilha Grande e Festival de Três Rios. Nesse processo me vi apto, na medida em que entrava dinheiro via música, e com vontade de tocar em bares e casas pequenas de show. Fiz shows pela Lapa, Laranjeiras, Catete... O público, que no princípio era de amigos, foi se formando e correspondendo ao meu esforço em realizar shows independentes e aparentemente amadores. Entendi que interpretar as minhas músicas me fazia muito mais comunicativo. Em 2012 veio o convite de realizar meu primeiro disco autoral. Um disco de câmara, voltado à poesia das canções, sob um violão (coprodução de Claudio Bezz) e arranjos de quarteto de cordas por Maycon Ananias. "Variável Eloquente", meu disco primogênito, e determinou a minha entrada no mercado musical, que o reconhece profissionalmente quando você consegue ter um produto em forma de disco. 

Seu primeiro disco traz 10 faixas autorais. O que o inspira a compor?

A boa poesia me instiga. E o verso musicado é o que me desperta à criação. O amor, paixões e relações do ser humano foram as minhas primeiras inspirações. Minha primeira música, aos 10 anos, é "Meus Sonhos e Fantasias" e carrega toda a inocência e as  idealizações de um apaixonado. Sou amante das palavras e me interesso pela sonoridade ímpar de cada uma delas. Vejo música quando reconheço uma palavra e um verso, gosto tanto da poesia lírica quanto do coloquialismo das ruas. De um pisciano utópico a um existencialista social, me vi influenciado pela filosofia e sociologia, e hoje minha música passa por questões mais complexas de observação social. Entendo que a música está a serviço da cultura e comunicação de um povo, por isso me interesso em ressaltar temas como superação, autoconhecimento e sempre potência ativa. Tudo vejo como arte e tudo vejo como política.

Como surgiu o projeto Não Recomendados?

Não Recomendados é um movimento que começou despretensioso, baseado nas relações sem tabus de três amigos músicos e compositores numa época em que os saraus no Rio de Janeiro tinham voltado à cena fortemente. De segunda a domingo, amigos abriam suas casas para receber música. Eu, Diego e Daniel íamos a esses saraus, e entoávamos "Não Recomendado", canção que compus em forma de protesto e reflexão dos marginalizados e oprimidos desta sociedade maniqueísta. Enquanto negro, gay e pobre, é importante fazer da música uma potência ativa buscando reflexões e superação de paradigmas da nossa sociedade machista, racista e homofóbica. Diego e Daniel compartilham desse conceito pelo não preconceito. Suas experiências de vida real fortalecem esse grito contra as forças reacionárias e burocráticas que nos permeiam. 

Nossas referências passam por Secos e Molhados, Tropicália, Dzi Croquetes, tudo que há de transgressor, amoroso e sem tabu na nossa cultura brasileira.

No dia a dia, nenhum de vocês se veste com roupas femininas. Mas, nas apresentações nos shows e nas fotos de divulgação, sim. Que mensagem querem passar?

É um ato de libertação. É fundamental quebrar estereótipos e impactar o público também visualmente. Incorporamos um cabaré do terceiro milênio ao nosso show. O objetivo é provocar: os personagens do alter ego feminino surgem como um ode às mulheres, às travestis e às causas LGBT's. No dia a dia também fazemos uso de utensílios femininos. Por vez colocamos uma saia, um batom, um lápis de olho, um salto 12 cm... De acordo com a nossa vontade. A graça é não ter regra. E nada mais fora de moda no mundo, em pleno 2016, do que separar o que é do gênero masculino e o que é do feminino.

 

 


 

 



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