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Compositores unidos por mais respeito
Publicado em 11/10/2016

Cresce exponencialmente o número de vozes que, por aqui ou lá fora, pedem melhor remuneração na internet, maior proteção aos direitos autorais e a revalorização do criador, o elo onde começa a cadeia musical

Por Alessandro Soler, do Rio

É um verdadeiro movimento mundial. Não necessariamente articulado, com diferentes focos, variadas demandas. Mas uma mesma mensagem. Os compositores, tratados e tidos como o elo mais frágil da indústria musical, pedem respeito, melhores remunerações, seriedade no pagamento de direitos autorais. E, em queixas cada vez mais contundentes, dão o seu recado: cansaram-se de não ver reconhecida a sua óbvia, vital, importância para a produção cultural global.

Há pouco mais de duas semanas, o compositor americano T Bone Burnett lançou um petardo cuja explosão ainda repercute. Num discurso emocionante durante um dos maiores eventos da indústria musical dos Estados Unidos, o AmericanaFest, ele defendeu a volta à criatividade, à inspiração, em oposição à instrumentalização, ao jugo do marketing e dos tecnocratas, que impõem sua visão de mundo e seus baixíssimos pagamentos. “Vivemos um tempo em que os artistas vão de estampido em estampido entre um negócio ruim e outro pior. Ninguém nos pergunta nada. Nos dizem que precisamos ser bons de marketing. Mas permitam-me dizer – e acho que provavelmente falo por cada músico aqui – que não comecei a tocar música porque esperava ou pensava que isso me levaria a uma carreira no marketing. E, como dizem que nosso trabalho se tornou um produto, uma commodity, o preço da música está sendo derrubado a zero”, afirmou.

LEIA NA ÍNTEGRA O DISCURSO DE T BONE BURNETT NO AMERICANAFEST

Ele se juntava, assim, a uma onda de reflexão que, muitas vezes, tem derivado em claros boicotes a serviços de streaming como YouTube – o “vilão” que, segundo um estudo publicado na revista americana “Vanity Fair”, responde por 40% das execuções musicais na internet em todo o mundo e, ainda assim, sequer atinge 4% dos repasses aos artistas. Essa onda coopta estrelas de primeira grandeza e compositores sem palco ou holofotes; e todos veem, estupefatos, seus rendimentos caírem num momento em que sua música jamais foi tão tocada. Seja por meio de críticas abertas, da retirada de músicas das plataformas que remuneram tão mal (além de YouTube, Apple Music e Spotify recebem frequentes queixas), bem como de abaixo-assinados enviados a parlamentos na Europa e nos Estados Unidos, nos quais pedem legislações que os protejam, músicos e criadores do calibre de Paul McCartney, Thom Yorke (Radiohead), Taylor Swift e Pharrell Williams e representantes de U2, Metallica, Abba ou Coldplay, entre muitos outros, advogam por uma nova forma de retribuir os artistas pelo uso de suas músicas na internet. Uma postura que, obviamente, não poderia passar ao largo por aqui.

“O maior desafio dos autores nesta era é exigir o respeito ao direito moral e ao direito criativo no ambiente digital. Perdemos o papel de gestores das nossas criações na internet. Hoje, quando dizemos que uma obra 'cai na rede', atestamos que o direito comercial sobre essa obra não pertence mais ao autor, mas aos exploradores de conteúdo. A internet é uma mídia sem legislação, controle ou responsabilidade. Um ambiente que não respeita as Leis de Direito Autoral e Intelectual de nenhum país. A rede tem explorado o conteúdo artístico (principalmente a música) como os navios negreiros exploravam a vida humana no passado. Os autores do século XXI são os escravos modernos, obrigados a embarcar nesta nau tecnológica. Transportados de um lado para o outro, de plataforma a plataforma, para o exclusivo lucro dos exploradores de conteúdo”, ataca a compositora mineira Malu Aires, uma das vozes mais destacadas dentro do crescente ativismo dos criadores nacionais.

US$ 7 de pagamento

A veterana Sueli Costa, uma das maiores da nossa música, conta um caso que exemplifica o que Malu diz: “Vivemos mesmo tempos muito estranhos. Outro dia a minha sobrinha, Fernanda Cunha, que viaja, toca em festivais de jazz e tem músicas na internet, me contou que recebeu US$ 7 como pagamento. Não sabia sequer se ia conseguir embolsar isso porque, com os impostos brasileiros, quase que não valia a pena cobrar essa fortuna.”

Sueli faz uma associação entre o trato cada vez mais desrespeitoso ao compositor e o próprio panorama musical que se vive no país e no mundo: “A qualidade de muito do que se faz, dos movimentos musicais de massa, despencou tanto que o compositor perdeu o respeito. Virou só mais um peão que fica produzindo essas coisas de qualidade duvidosa, uma máquina mesmo. Se o compositor não é valorizado pelo público, como vai pedir respeito a esses caras que mandam na internet?”

Paulo Sérgio Valle, outro mestre do nosso cancioneiro, enxerga o compositor como uma figura quixotesca, em luta inglória contra um processo de desvalorização que já se arrasta há tempos. Há pouco mais de dez dias, num encontro no Rio com advogados, especialistas em direitos autorais e representantes do governo, entre eles o ministro da Cultura, Marcelo Calero, Valle reclamou mais atenção para a figura que representa a criação, a gênese de tudo o que se conhece como indústria musical. “O compositor que não faz show, que fica em casa escrevendo, compondo, essa figura quixotesca, isolada, está em extinção, sem proteção. Com isso não quero dizer que o compositor é um incapaz, que precisa de tutela do Estado. Precisa é de atenção por ser mal remunerado, desprotegido, abandonado legalmente. Sem compositor não há música.”

3% dos ganhos, repartidos entre os artistas

Assim como Valle, muitos insistem que somente por meio de mais proteção legal a situação pode começar a mudar. Submetidos a contratos muitas vezes aviltantes, os criadores têm de se conformar com pagamentos irrisórios. Como os descritos pelo professor canadense Pierre-É Lalonde, que, no seu “Estudo sobre compensação justa para criadores de música na era digital”, publicado no ano passado, denunciou: os serviços de streaming absorvem ou repassam a grandes gravadoras 97% das receitas obtidas com a execução de músicas em suas plataformas. Aos autores e demais artistas resta dividir os 3% restantes. Lalonde também foi um dos primeiros a comprovar que intérpretes recebem, no máximo, 10% de um centavo de dólar por taxa de transmissão, com valores que sequer atingem um terço disso no caso dos compositores, gerando faturas tragicômicas.

Para além das leis, há quem peça soluções alternativas. “Há anos não vejo outra saída que não seja a criação de uma plataforma brasileira de gestão e distribuição de conteúdo digital”, sugere Malu Aires. “Uma livre editora que, sem fins lucrativos, administre, em nome dos autores, todo o conteúdo digital produzido aqui no país. Viria deste órgão, em parceria com o Ecad e com as sociedades de gestão coletiva, a determinação das regras para a autorização do uso das obras brasileiras por plataformas internacionais. O Brasil é pioneiro em muitas das questões do direito autoral e intelectual e precisará, agora, dar mais um passo ousado rumo ao futuro.”

O problema, na visão do compositor Edmundo Souto, membro do conselho fiscal da UBC, é a nossa própria falta de cultura de respeito aos direitos autorais e ao trabalho dos compositores. Ele lembra que muitíssimos usuários de música nacionais simplesmente se recusam a pagar, ignorando que o criador sobrevive dos frutos da sua criação.

“Eu tenho um caso exemplar que mostra a cultura vigente neste país. Sou muito de ir a happy hours, e é claro que a minha mulher detesta isso (risos). Mas ia muito a um bar no Leblon, aqui no Rio, e sempre escutava queixas dos donos sobre a cobrança do Ecad, eles que têm televisões, têm sistema de som, transmitem partidas de futebol e outros programas e atraem clientes com isso. Um dia eu não aguentava mais tanta encheção na minha cabeça e liguei para a Glória (Braga, superintendente do Ecad) na frente deles, e, depois de muito insistir, ela conseguiu descobrir o valor que os caras teriam de pagar por mês: R$ 82. Estavam fazendo aquele choro todo por R$ 82! Paguei eu mesmo a primeira fatura, recolhi dinheiro entre os frequentadores, expus isso na frente de todo mundo, e o dono me disse que eu o tinha humilhado. Não, o que eu fiz foi só mostrar o quanto era ridículo esse blá-blá-blá.”

Para Souto, a recusa de muitos músicos e compositores em tomar parte nessa discussão reforça estereótipos e contribui para uma certa visão negativa sobre o Ecad propagada por usuários que não querem pagar pelo uso das músicas – e que ganha eco entre os próprios compositores. “Os caras nos etiquetaram, disseram que temos dom, que estamos ligados à coisa das musas... Eu não tenho dom. Tenho foco. A música é o meu ganha-pão. Parem de nos tratar como pessoas com dom, no pior sentido. Somos profissionais. E o direito autoral é a base da nossa sobrevivência. Precisamos nos conscientizar disso de uma vez. Cabe a nós mudar essa história.”

 


 

 



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