Apresentadora comenta o fechamento abrupto da emissora 100% dedicada à música brasileira
Por Fabiane Pereira*
Vivemos tempos de cólera, mas ler opiniões (felizmente minoritárias) de artistas e produtores musicais comemorando o fim de uma rádio como a MPB FM, do Rio de Janeiro, anunciado na última terça-feira, não deixa de me surpreender. Por 13 anos fiz parte da equipe dessa rádio, seis deles diretamente ligada ao “Faro MPB”, raro programa dentro de uma rádio comercial voltado exclusivamente à disseminação de novos talentos, artistas independentes, criadores contemporâneos. Tive orgulho de buscar novidades incessantemente e de, por cinco anos, apresentar a atração.
“A vida é feita de ciclos”, diz o clichê. Mas vai ser difícil me desapegar desse. Nunca vi pessoas tão apaixonadas por um ofício, e foi na MPB FM que aprendi que a paixão move o mundo. Em tempos sombrios, lá as pessoas chegavam – e, não menos importante, saíam – felizes todos os dias.
É frustrante ver uma rádio assim, 100% dedicada à música brasileira, adimplente com o Ecad, um porto-seguro para nossos artistas e uma fonte de ingressos com direitos autorais, extinguir-se de repente. A turbulência econômica sem fim, os anunciantes cada vez mais minguantes, os custos progressivamente elevados, a crise do rádio em geral, cada fator deixou sua contribuição negativa para o fim desse projeto, desse sonho. É simbólico que o duro despertar se dê num momento de ataque à cultura por meio das tentativas de sepultar a Lei Rouanet, um instrumento imperfeito mas real; pelo apedrejamento virtual da classe artística; pela extinção, revertida somente depois de muitas críticas, do Ministério da Cultura; pelo esvaziamento da pasta, de todas as formas.
Um canal que promova nossos criadores, que lhes pague em dia, que entenda a sua importância para a cadeia cultural, não pode deixar de existir. Mas a lógica financeira prevaleceu. Seguiremos como pudermos. E a minha contribuição eu pretendo dar, mantendo o Faro MPB em outros meios, de outra maneira. Em breve, novidades.
Como já disse o grande Gilberto Gil, "o povo sabe o que quer, mas o povo também quer o que não sabe", e essa emissora, muitas vezes, deu ao ouvinte o que ele não sabia que queria, permitindo-lhe crescer, informar-se, educar-se em sentido mais amplo. Este é o papel da cultura: melhorar as pessoas. É triste que a MPB FM já não possa continuar a cumprir o seu.
*Fabiane Pereira é jornalista e apresentadora do “Faro MPB”