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No Dia Nacional do Choro, uma feliz homenagem ao nosso primeiro gênero popular
Publicado em 23/04/2017

Nomes da nova geração falam sobre renovação e exaltam a obra de chorões do passado

Por Kamille Viola, do Rio

Surgido nos fundos de quintal e biroscas do subúrbio do Rio de Janeiro e do cêntrico bairro da Cidade Nova no século 19, o choro não demorou a conquistar os salões da elite carioca. Considerado por muitos o berço da nossa música, esse estilo musical não se cansa de matar essa paixão que nos devora o coração. Este ano, o dia dedicado ao gênero, 23 de abril — aniversário de Pixinguinha, seu principal expoente — ganha colorido especial com os 120 anos de nascimento do mestre e os 100 de seu maior sucesso, "Carinhoso" (dele e de Braguinha). Enquanto se preparam para os festejos, nomes de destaque da atual geração mostram como é sincero o seu amor pelo choro, pedem mais investimentos em sua preservação e contam que levam fé na turma mais nova, com a certeza de um final feliz, bem feliz.

 Hamilton de Holanda (Foto: Marcos Portinari)

Hamilton de Holanda (Foto: Marcos Portinari)

"Primeiro de tudo, o choro, historicamente, é conhecido como a primeira canção popular urbana do Brasil. A gente querendo ou não, esse é o lugar dele. Dentro disso, a gente vê a influência dele em gerações posteriores, Tom Jobim, Baden Powell — o Tom adorava o Pixinguinha, você imagina o que a música dele tem de influência. A própria 'Chega de Saudade' dizem que era um choro e, depois, pela transformação da batida e umas mudanças harmônicas, ganhou o nome de bossa nova, um gênero que é maravilhoso e que a gente tem que exaltar também", comenta o bandolinista Hamilton de Holanda, que começou sua história com o gênero aos 5 anos.

A cavaquinista Nilze Carvalho, que começou a tocar na mesma idade, concorda. "Na minha opinião, o choro é o pilar da música brasileira, uma música riquíssima, muitas vezes de alta complexidade e, ao mesmo tempo, simples, o que faz que ela atinja a todo tipo de ouvinte", pontua. O trompetista Silvério Pontes, que estreou no instrumento aos 8, faz coro. "É o embrião onde começou, a fonte onde a gente tem que beber a água cristalina, é como se fosse uma comunhão dos músicos. Nós, brasileiros, temos que preservar o choro como os americanos fazem com o jazz, os alemães com a música erudita, os portugueses com o fado, os argentinos com o tango", compara ele.

Nilze Carvalho (Foto: Tyno Cruz)

Nilze Carvalho (Foto: Tyno Cruz)

Eles reclamam, no entanto, da falta de investimento no gênero. Hamilton de Holanda defende que haja mais políticas públicas para a preservação do chorinho, como é carinhosamente chamado por alguns. "Ele faz parte da nossa personalidade como brasileiros, deve ser tratado com carinho", diz. Silvério Pontes exemplifica: "Para formar novas plateias, ele precisa ficar conhecido pela juventude, nas escolas públicas, nas faculdades, conservatórios. É um gênero nosso, extremamente carioca, brasileiro, é música regional."

Hamilton também chama a atenção para o papel da mídia na divulgação do estilo. "Precisamos passar a entender que não é um gênero da moda, é um gênero raiz, é uma 'Monalisa', é um clássico. A maneira como a gente deve olhar para ele deve ser essa. Os grandes meios de comunicação precisam ter uma constância maior, as TVs devem fazer mais documentários, tentar fazer um comparativo com o que é feito hoje com o que já foi feito, mostrar a juventude estudando. É um gênero infinito. É igual tratar dos nossos bisavós, avós. Se temos cuidado na nossa família, então por que não pode ser assim na nossa família musical?", defende.

Para Silvério, a falta de atenção ao estilo tem outras raízes. "No subúrbio da Leopoldina, onde morei nos anos 80, todos os botecos tinham Pixinguinha, Paulo Moura, o Zé da Velha mora lá. O choro é uma música do subúrbio, tocada pelo negros, pobres. É uma música da periferia que pode ser tocada nas ruas, nas salas de concerto, no Municipal. E é um gênero que foi esquecido pela mídia, é um pouco de preconceito racial", analisa.

Silvério Pontes (Foto: Alfredo Alves)

Silvério Pontes (Foto: Alfredo Alves)

Apesar disso, eles são otimistas e acreditam que as novas gerações de artistas continuarão dando fôlego ao chorinho. "A produção do choro continua acontecendo em quase todo o país com grupos e clubes de choro fazendo esse movimento", afirma Nilse. "Sempre vai ter alguém com seu bandolim, no quintal da sua casa", acredita Hamilton.

Eles celebram a criação do Dia Nacional do Choro — fato que, aliás, teve um dedo de Hamilton de Holanda. "Eu estava numa aula em Brasília e comentei que achava curioso que tinha dia de tanta coisa, do Avô, do Samba, do Jazz, do Padeiro, e não tinha o Dia do Choro. Lembrei de um amigo de colégio, o pai dele era chefe de gabinete do senador Artur da Távola (1936-2008). Liguei e perguntei: 'Tio, como se faz para criar um dia oficial de alguma coisa?' E ele: 'De quê, meu filho?' Eu: 'Dia do Choro.' Ele perguntou: 'Que dia?', eu pensei logo em 23 de abril, nascimento do Pixinguinha, considerado pai do choro, unanimidade. Ele disse: 'Peraí, que vou falar com o senador.' Ele adorou a ideia, fez um projeto de lei e, em setembro de 2000, foi sancionada a lei criando o dia", conta ele.

"Toda e qualquer oportunidade de mostrarmos nossa matriz musical, principalmente aos jovens, tem uma importância muito grande. Infelizmente este ano vou perder esta festa maravilhosa, por não estar no Brasil", conta ela, direto de Tóquio. "Normalmente compareço à festa do Movimento Choro Suburbano, que acontece na Lona Cultural João Bosco, em Vista Alegre, no Rio."

Hamilton também bate ponto lá, em um ritual que ele chama de "uma pequena Via Crucis". "Primeiro, vou na última casa onde o Pixinguinha morou. A proprietária é a Dona Irene, uma senhorinha muito legal, que criou lá um projeto de assistência social, virou uma escola de música. A gente passa lá, dá um alô, toca 'Carinhoso', todo mundo canta, é bonito. Aí, a gente vai ao Trem do Choro e finaliza na Lona Cultural João Bosco, de Vista Alegre", descreve. Este ano, haverá uma homenagem a Paulo Moura e Pixinguinha na estação de trem em Ramos. Em seguida, o Trem do Choro sai da Central do Brasil. O bandolinista se apresenta na lona ao lado de Zeca do Trombone, Nelson Sargento, Márcio Vinhas, Sombrinha, Zé da Velha, Silvério Pontes e Velha Guarda Show da Imperatriz Leopoldinense, entre outros.

Antes disso, Silvério, em uma maratona particular, participa de uma homenagem a seu parceiro Zé da Velha às 11h em Belo Horizonte, no Espaço Funarte, e às 14h30 integra ao lado do amigo e parceiro musical uma roda de choro na Rua do Ouvidor, em frente à livraria Folha Seca, no Rio — a cidade ainda terá shows na Praça XV, Largo da Carioca, no VLT e na Barca Rio-Paquetá. "Isso é muito bom, porque aproxima as pessoas. O músico tem que estar no meio do povo, levar a gente para tocar no meio da rua, parar num canto, fazer roda do choro. É a grande força dessa música, ela é espontânea, e a gente precisa de apoio para poder cuidar desse gênero", finaliza.


 

 



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