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Longas turnês, redobrados cuidados
Publicado em 17/05/2017

Artistas e especialistas ensinam a manter saudáveis corpo, voz e mente nos períodos longe de casa e da vida normal

Por Kamille Viola, do Rio

Ir a festas, visitar os mais diversos lugares e levar a vida só se divertindo. Para muita gente, a vida de quem faz música e passa muito tempo na estrada é pura alegria e glamour. Para os artistas que, volta e meia, partem em turnês, no entanto, a realidade é uma rotina atribulada, diferente do cotidiano da maioria das profissões, o que torna cuidar do corpo, da mente e das emoções uma tarefa nada simples. 

“Às vezes, é impossível se manter muito saudável. É muito difícil conseguir ter uma hora certa para dormir, para comer, uma cadeira confortável para se sentar, uma cama boa para dormir, uma comida saudável. Em geral, você está submetido a quanto vale para o contratante. E ele sempre está pensando em quanto pode economizar, de onde pode tirar. Se você não tem poder de fogo para peitar melhores condições (que só um artista grande pode, e, mesmo assim, vai fechar meia dúzia de portas por exigir coisas melhores), vai ter que se submeter a isso tudo, se quiser trabalhar”, desabafa o multi-instrumentista Patrick Laplan, que foi do Los Hermanos e já acompanhou nomes como Biquini Cavadão, Rodox, Yuka, Filipe Ret e Laura Lavieri, entre outros. 

Para ele, no entanto, o maior desafio é o descompasso com o dia a dia da família e dos amigos. “A coisa mais difícil é você manter o link com 'o mundo de cá'. A rotina é completamente diferente da de quem tem um 'calendário civil'. Você acaba deixando de conviver com todo mundo que cresceu junto e passa a conviver com uma pequena equipe técnica. É bem pouca gente para ter um convívio longo, e você passa grande parte do seu dia sozinho num quarto”, diz. 

 

“Em geral, você está submetido a quanto vale para o contratante.”

Patrick Laplan, músico

A cantora e pianista Maíra Freitas concorda e acrescenta que manter as amizades não é fácil. “Fim de semana, que é quando as pessoas costumam encontrar os amigos, a gente está fora. É complicado também marcar viagem com amigos e família com mais antecedência. Eu não sei o que vou fazer um mês antes, sempre acontece coisa em cima da hora, e, como está todo mundo sem grana, é difícil bloquear a agenda. Você não pode correr o risco de aparecer uma coisa legal e perder, e isso é muito ingrato”, lamenta ela, que é integrante de uma família de cantores — e, por isso, já viu essa história acontecer diversas vezes. “Você acaba perdendo muito aniversário, datas importantes, nem sempre vai poder estar com quem ama. Minha irmã Juliana (que, além de ter um trabalho solo, é backing vocal do pai, Martinho da Vila) fala que, quando o filho dela era pequeno, ele falava: 'Eu odeio a sua profissão, odeio quando você viaja!'”, lembra Maíra. 

Mas é possível se esforçar para manter uma certa rotina, e os especialistas recomendam isso ao máximo. “O importante é que, tanto em casa como em viagens, qualquer pessoa, músico ou não, respeite suas escolhas primordiais e não perca o foco. Uma coisa que pode auxiliar muito nesse processo é manter os hábitos diários, independentemente de se estar viajando ou não. Por exemplo, se você é um cantor, mesmo que as tentações dos lugares sejam grandes, reserve um tempo para fazer os exercícios de fono, evite exageros na alimentação, tente manter uma rotina e pensamentos saudáveis”, indica a coach Luciana Arnaud. 

Para Maíra, a prioridade é preservar as cordas vocais, e ela investe nisso. “O mais complicado para mim é a voz, porque comecei pianista e só fui cuidar dela mais tarde. Como tive pólipo, se eu não tomar algumas precauções, atrapalha muito. Se eu dormir pouco, me alimentar mal, falar muito alto, juntar todas essas coisas, fico completamente sem voz. Tento manter uma rotina para voz o mais perfeita possível. Nem sempre você consegue, tem vezes em que vai dormir tarde e acorda cedo, então pelo menos tento ficar sem falar muito, sem beber, sem falar alto”, enumera. “É difícil, porque no pós-show alguém chama para jantar. Quando sei que vou ter mais uma semana de shows, fico de diva mesmo, mal-humorada, não saio com ninguém, fico no hotel dormindo. A gente quer passear e fazer as coisas, mas está trabalhando, não tem como ficar passeando, cansa. Tem show, passagem de som, espera longa em aeroporto, isso tudo desgasta muito”, descreve ela. 

 

“Atividades físicas, meditativas, momentos pontuais de lazer ajudam bastante.”

Fabiane de Souza Vieira, psicóloga

Dar-se uma pausa para relaxar do estresse da turnê deve ser prioridade, observa a psicóloga Fabiane de Souza Vieira. “Construir um espaço de relaxamento e descanso é fundamental para encarar o desafio promovido pela rotina estressante como a de uma turnê. Esse espaço seria, sobretudo, um espaço interno de acolhimento e repouso”, ela afirma.

Se você é um músico que toca bastante, exercícios físicos para manter a musculatura em dia são fundamentais para evitar lesões por esforços repetitivos ou tendinites. Mas não menos benéfico é simplesmente desligar um pouco o instrumento e ir fazer algo prazeroso. “Cada pessoa saberá quais as melhores formas de construir o bem-estar, mas atividades físicas, meditativas, momentos pontuais de lazer, atividades que vão desde uma caminhada à leitura de um livro ou à prática de ioga, por exemplo, ajudam bastante. O importante é ter algo que transporte a pessoa para um outro ambiente e que seja prazeroso para ela”, exemplifica Fabiane de Souza Vieira.

A boa alimentação também pode ser uma aliada, e, mesmo viajando muito, é possível comer de forma saudável. “Eu sempre oriento a evitar os industrializados e tentar mesmo se aprofundar na cultura local, tentando comer os alimentos da região em que se está. Porque acaba que, quando viajamos, tendemos a querer procurar os alimentos industrializados, por nos sentirmos mais seguros com isso. Mas peço sempre para evitar”, comenta a nutricionista Larissa Vieira. “Aos meus pacientes, peço para buscar fazer pelo menos três refeições grandes, café da manhã, almoço e lanche ou janta. Sempre tentando incluir frutas e legumes da região, de forma a garantir que estejam sempre alimentados e com energia. E, assim, não sentirão necessidade de beliscar doces e biscoitos o tempo todo”, ensina. 

 

“É bom se forçar a fazer programações em família. E, se aparecer um show na Europa, dane-se.”

Maíra Freitas, cantora e pianista

O duro, no entanto, é a parte emocional, eles garantem. Por isso, cada um busca sua forma de se manter conectado à vida que leva fora das turnês. “Eu não desligo do Skype de jeito nenhum, falo todo dia com meu marido. É importante do ponto de vista emocional você meio que manter uma rotina de falar o que está acontecendo na sua vida, 'hoje foi assim', 'o show foi bom', 'hoje estou cansado'”, conta Maíra. “Uma vez, conversando com a Nilze Carvalho, ela falou que também é bom a gente tentar forçar um movimento de fazer programações em família, viagens, senão acaba não fazendo nunca. Guardar grana e entrar numa de em tal mês gente vai viajar, e, se aparecer um show na Europa, dane-se”, diz. 

Patrick Laplan segue pelo menos caminho. “Você pode 'escolher' como vai gastar seu tempo. Pode manter uma rotina de exercício, levar trabalho do mundo 'daqui' para fazer num mundo de lá. Fazer ioga, ficar o dia no Skype. O negócio é que você acaba muito responsável por si mesmo, raramente tem alguém de olho em você quando não está em harmonia ou equilibrado”, afirma Patrick. “Por isso, tem esse lance de a família ser tão importante, ou esposa, ou amigos que forçam a barra para você estar presente na vida deles. Porque, se deixar, você é meio que levado. A vida na estrada não é tão diferente quanto as pessoas pensam. Tem uma rotina, tem coisas em comum em absolutamente todos os lugares a que você vai e para quase todo público a quem se apresenta.”


 

 



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