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Levantamento da UBC revela disparidades entre mulheres e homens associados: eles são 90% dos maiores arrecadadores, e elas recebem, em média, 28% menos
Publicado em 07/03/2018

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Projeto 'Por elas que fazem a música', criado pela maior associação musical do Brasil, mapeia diferenças entre os gêneros e abre debate para tentar reduzir as brechas

Do Rio

- Leia aqui o relatório completo-

Não é de hoje que as mulheres vêm lutando para serem ouvidas na sociedade e pedindo mais oportunidades no mercado de trabalho. No entanto, é recente a onda de movimentos femininos por mais espaço no mundo da música. A cerimônia do último Grammy rendeu protestos contra o abuso, o assédio e a subestimação da capacidade das mulheres. De igual maneira, pesquisas recentes estão chamando a atenção para a disparidade entre homens e mulheres quando o assunto é música. Nos últimos seis anos, por exemplo, as listas Hot 100 da Billboard só tiveram 22% de músicas interpretadas por mulheres, 12% de composições femininas 2% de canções produzidas por elas, mostrou levantamento da professora Stacy Smith, da Universidade do Sul da Califórnia.

Tal desajuste também acontece no mercado brasileiro: as mulheres representam 14% dos associados da União Brasileira dos Compositores (UBC), a maior administradora de direitos autorais do país. Em 2017, apenas 10 delas figuraram na lista dos 100 maiores arrecadadores da associação. Além disso, os valores médios arrecadados por ela são 28% menores que os deles. Estes números constam do relatório Por elas que fazem a música, que mostra uma imensa vontade de investigar o cenário atual e mudar o tamanho da representatividade feminina no mercado.

“Em um mundo ideal, este tipo de ação não seria necessário. Observando superficialmente, podemos ser levados a acreditar que, por se tratar de uma expressão artística, a música é inclusiva e neutra com relação aos gêneros, mas os números não mostram isso. A indústria da música não é isolada do mundo em que vivemos. Logo, os desafios das mulheres dentro deste ambiente refletem os mesmos problemas enfrentados em um contexto social maior”, afirma Elisa Eisenlohr, coordenadora de comunicação da UBC e do projeto.

Em meados do século XIX, para completar a educação das moças brasileiras, era preciso lhes ensinar a tocar um instrumento. O piano era um objeto de status social em uma sociedade escravista e colonizada, na qual as mulheres tocavam e até criavam canções, mas jamais se profissionalizavam como musicistas. Nascida em 1847, Chiquinha Gonzaga foi a primeira delas a se consagrar como compositora, tendo começado em 1877 com a polca “Atraente”. Enfrentando todo tipo de preconceito, ela realizou o sonho de viver de música até falecer.

Chiquinha abriria alas para muitas mulheres, mas o percurso seria árduo, e o tempo, longo até que as elas começassem a ter alguma representatividade no mercado da música. Hoje, o sexo feminino tem seu espaço, mas ainda muito menor do que o masculino no mundo da composição (inclusive de versões), interpretação, produção e atuação como instrumentistas nos palcos e estúdios.

“Para as mulheres alcançarem o patamar dos homens, é preciso mudar as mentalidades. É como um adicto, que só se trata depois que se admite a doença. Machismo é doença, mas todos nós, mulheres e homens, temos que admitir que ele está entranhado perversamente nas relações de todo tipo. Mudando isso, aí, sim, alcançaremos os salários equivalentes e um respeito genuíno. Acho que os números refletem o fato de o mundo precisar ser por nós conquistado todo dia”, diz Zélia Duncan, uma das inúmeras artistas a dar depoimento no relatório da UBC.

Cantora, compositora e instrumentista, Zélia surgiu no mercado da música na década de 1990, quando algumas portas já estavam abertas para artistas multifacetadas como ela. Com o fim da produção musical de Chiquinha, foi instaurado um vazio no universo das compositoras, que durou até os anos 50, quando despontaram Dolores Duran e Maysa. Muitas que atuaram nesse período não registraram suas canções ou as deram para homens registrarem. Maior símbolo brasileiro no exterior, Carmen Miranda teve sua faceta compositora abafada pela cantora e pela atriz. Mesmo assim, na letra de “Os Hôme Implica Comigo”, uma parceria dela com Pixinguinha, Carmen destacou a mulher brasileira como vítima do preconceito, tentando a todo custo viver em uma sociedade dirigida e organizada por homens. Nas décadas seguintes, esse quadro foi mudando pouco a pouco. As primeiras mulheres bem-sucedidas no mundo da música foram aquelas que entraram nele sem se dar conta do que iriam enfrentar pela frente. Foi o caso da cantora e compositora Sueli Costa:

“Fiz minha primeira música com 17 anos, em 1960, sem ter noção de que esse era um universo masculino. Foi algo natural. Quando comecei a participar de saraus e eventos musicais, entrei em um ambiente cheio de homens e acabei percebendo que as amigas da escola se afastaram. Mas eu só queria saber de música e só me dei conta do machismo quando, depois de ver uma canção de minha autoria ganhar o terceiro lugar em um festival de 1970, ouvi um compositor dizer que, para mulher, eu compunha bem. Tento esquecer esse episódio até hoje.”

Entre as décadas de 1960 e 1970, as revoluções feminista e sexual mudaram hábitos no mundo. As mulheres foram tomando coragem para colocar a boca no trombone sobre diversos temas. Rita Lee foi uma delas. Ela inovou a música popular brasileira ao introduzir instrumentos elétricos nos festivais das canções e ao cantar letras bem humoradas. Dali para frente, especialmente na virada dos anos 1980 para os 1990, a mulher ganhou cada vez mais voz na vida política do país, e as compositoras abriram as portas para as musicistas, que, por sua vez, começaram a dividir o espaço com as produtoras. No entanto, as duas últimas categorias ainda são quase invisíveis: dentre as mulheres, apenas 6% são musicistas e, 1%, produtoras.

“Eu nasci numa casa só de mulheres e, na vida adulta profissional, praticamente migrei para um meio muito masculino”, diz Marisa Monte. “Não só os músicos e os técnicos, mas a maioria da mão de obra para música é masculina. Isso reflete um pouco uma realidade feminina como um todo no Brasil. Em um país em que, apesar de sermos 52% da população, as mulheres no Congresso são 10%, a representatividade da mulher como um todo na sociedade está mal. Não acho que deveríamos ter mais mulheres do que homens na música, mas, no mínimo, a mesma proporção.”

Cantora, compositora, instrumentista e produtora – tendo produzido álbuns como o da Velha Guarda da Portela –, Marisa não sofreu com machismo quando começou a cantar, no final da década de 1980. No entanto, sua maneira de fazer música foi se diversificando aos poucos, à medida que ela ganhava a confiança do mercado. Primeiro, mostrou suas composições, depois passou a tocar nas gravações dos seus discos e, em seguida, levou seu violão para os palcos. Produzir aconteceu muito depois.

Essa demora em assumir os papéis é uma constante no mundo da música. Sabe-se que há diversas mulheres no país que atuam, mas não registram suas obras ou sua atuação nos palcos na base de dados da UBC. Para algumas, falta autoconfiança. Para outras, um pouco mais de informação. No balanço geral, os números refletem o desajuste histórico que, por muitos anos, fez com que a representatividade da mulher em diversos setores da sociedade fosse mínima.

“Na Academia Brasileira de Ciências, só 14% são do sexo feminino, e, em 102 anos, nunca houve uma presidenta. Nas universidades federais do Brasil, dos 63 reitores, apenas 19 são mulheres. Enquanto houver frases como ‘Vem com essa roupa de novo que te dou um bônus’ ou ‘Se está achando difícil, vai fazer balé’, essa realidade não vai mudar. Até hoje, quando pego o violão, quase sempre surge um comentário ‘elogioso’ em seguida: ‘Você toca feito homem’. Imagine quando vim da Paraíba e aportei no Rio de Janeiro, em 1972, para começar a fazer voz e violão na noite? E ainda sou negra, índia, cigana. Não cheguei a sofrer abordagens machistas, mas é que minha alegria de estar no palco também me imunizou. Meus orixás me ajudaram muito, sempre”, descreve a cantora, compositora e instrumentista Cátia de França.

Em dois anos, 53% mais de mulheres associadas

De 2015 a 2017, houve um aumento de 53% no número de inscrições de artistas femininas na União Brasileira dos Compositores (UBC). Agora, o projeto Por elas que fazem a música quer apoiar a diminuição crescente da brecha entre os gêneros. E, como diz a atriz, cantora, compositora e instrumentista Leticia Novaes, a Letrux, incentivar mais meninas a se iniciarem na música.

“Conheço alguns professores particulares de música... A maioria é homem e dá aula para meninos, com pouquíssimas alunas meninas. Os pais devem respeitar a vontade dos filhos com suas atividades extracurriculares, mas é importante incentivar a ida a shows, concertos, mostrar musicistas em vídeos, ao vivo. Sem essa de ‘menina não pode’. Sempre existiu machismo, mas melhorou graças às lutas do feminismo. Achei chocante que, entre os 100 maiores arrecadadores de 2017, apenas 10 foram mulheres. E fiquei triste com a porcentagem de instrumentistas. Precisamos incentivar nossas meninas a estudarem música! Todo mundo pode tudo, o preconceito e o medo estragam muitas trajetórias, infelizmente”, afirma Letrux.

Para a cantora e compositora Mariana Aydar, a questão é muito maior do que só na música. Ela acredita que as compositoras estão falando o que só uma mulher sabe falar:

"A mulher está crescendo, se impondo, se empoderando, falando dessas questões e sentimentos que só uma mulher sabe. Hoje estamos muito mais atentas e devemos muito às redes socias. Em 2007, não éramos tão unidas e nem tínhamos informações tão rapidamente. É complicado ser mãe, mulher, compositora, cantora e dar conta de tudo. A gente precisa de um rede, de ajuda mesmo. E de força, foco, disciplina, usar bem o tempo que temos para administrar tudo". 

Essa história e suas nuances estão sendo o centro de pesquisas acadêmicas, como a da doutoranda da PUC-Rio Chris Fuscaldo. Jornalista, escritora, cantora e compositora associada à UBC, ela investiga, em seu doutorado, a trajetória das mulheres no mundo da música e o desajuste histórico que, por muitos anos, fez com que a representatividade das mulheres em diversos setores da sociedade fosse mínima.

“Nesse nosso mundo, os homens sempre tiveram posição de liderança no mercado de trabalho. Em casa, eles sempre foram os provedores. As mulheres tiveram que lutar por seus direitos e pela participação nos diversos setores da sociedade. Com certeza houve outras compositoras antes da Chiquinha Gonzaga, mas, infelizmente, há muito pouco registro delas, que deviam compor enquanto cuidavam da casa e dos filhos. Chiquinha enfrentou uma série de barreiras, bem como muitas das nossas artistas femininas. As revoluções feministas ajudaram a começar a mudar essa realidade. Ainda falta muito para alcançarmos os mesmos patamares dos homens, mas estamos no caminho”, destaca Chris Fuscaldo.

Atualização:

No dia 9 de março, a UBC promoveu em sua filial em São Paulo um bate-papo sobre a representatividade da mulher na música. Participaram do debate Christina Fuscaldo, jornalista, pesquisadora e escritora; Cláudia Assef, jornalista e sócia do Women’s Music Event; Eliane Dias, advogada e empresária dos Racionais MC's; Gisele De Santi, cantora e compositora; e Karina Buhr, cantora e compositora. Com mediação de Elisa Eisenlohr, responsável pela Comunicação da UBC.



Leia aqui o relatório completo


 

 



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