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Um panorama da Lei Aldir Blanc após Congresso destravar R$ 700 milhões
Publicado em 09/06/2021

Parlamentares derrubaram, na semana passada, vetos de Jair Bolsonaro que poderiam impedir a destinação do montante à cultura; veja situação atual em cidades e estados de diferentes regiões do país

Por Fabiane Pereira, do Rio

Desde que a pandemia restringiu drasticamente as atividades do setor cultural — que emprega 5 milhões de brasileiros, ou quase 6% da força de trabalho nacional —, a ajuda mais eficiente veio por iniciativa do Congresso, com a criação da Lei Aldir Blanc (14.017/2020). A normativa, pensada para destinar R$ 3 bilhões do Fundo Nacional de Cultura a ajudas diretas a artistas e produtores culturais, chamadas públicas, editais e outras formas de fomento, esbarrou na dificuldade de estados e municípios, responsáveis por sua implementação, em aplicar os recursos até o fim do ano passado

Sob pressão da classe cultural, do próprio Congresso e da sociedade civil, Jair Bolsonaro teve que assinar um decreto, em dezembro, estendendo o prazo para o uso das verbas. Mas impôs vetos que, na prática, poderiam acabar desviando parte do dinheiro a outros fins que não o socorro às indústrias criativas. Na semana passada, a Câmara derrubou os vetos, destravando mais de R$ 700 milhões dos cofres dos estados e municípios. 

“Esse recurso é remanescente dos R$ 3 bilhões e pode imediatamente socorrer o setor cultural. Além disso, a medida do governo conflitava com a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que garantia a prorrogação e a utilização plena de todos os recursos remanescentes da Lei Aldir Blanc” (LAB), explica Fabrício Noronha, secretário da Cultura do Espírito Santo e Presidente do Fórum Nacional de Secretários e Dirigentes Estaduais de Cultura.

A força dos projetos e do exercício federativo da LAB vem impactando milhões de pessoas e recuperando metade dos postos de trabalho perdidos em decorrência da crise sanitária. “Um dos legados desse processo é o nível de organização e articulação do setor cultural, que tem reunido sociedade civil, gestores, entidades e parlamentares em torno de uma pauta comum, que se consolida agora como uma Agenda da Cultura”, comenta Noronha. 

Com a extensão e agravamento da pandemia para muito além do que podíamos prever no primeiro semestre de 2020, o setor segue paralisado. Após a derrubada do veto presidencial, outros novos fomentos e convocações serão possíveis, dependendo da realidade de cada lugar.

Região Centro-Oeste

Goiás se antecipou, tornando-se um dos primeiros estados brasileiros a anunciar novos editais com recursos da LAB. 

Fabrício Nobre, fundador do festival Bananada e produtor cultural atuante na cena goiana, explica que a situação continua instável. “O setor cultural, sempre à margem, ainda está passando muitas dificuldades. Em Goiás, três editais da Lei Aldir Blanc foram lançados pela Secretaria de Cultura no ano passado e beneficiaram cerca de 1.530 projetos. A maioria deles já está em execução e abrange diversas áreas. Agora, mais R$ 50 milhões estarão disponíveis para beneficiar 20 novos editais a partir de 15 de junho”, ele afirma. 

Região Nordeste

Em Recife, a prefeitura superestimou a quantidade de pessoas que procurariam a lei e colocou valores muito baixos de subsídios para os projetos. Em média, os editais do município contemplavam projetos entre R$ 5 mil e R$ 7 mil, enquanto os do governo do estado tinham valores bem mais altos. Além disso, diferentemente do que ocorreu na maioria das cidades, em Recife quem fosse contemplado pelo município não poderia ser contemplado pelo estado. 

“Obviamente, os fazedores de cultura preferiram os editais do governo, porque os valores eram maiores, e os editais da prefeitura foram preteridos. Ainda assim, houve uma burocracia exagerada em alguns editais do governo, e, em alguns momentos, eles chegaram a ser pouco inclusivos. Por conta disso, temos uma sobra grande, cerca de R$ 26 milhões, contabilizando os municípios e resquícios de recurso do estado”, explica Melina Hickson, idealizadora do Porto Musical, uma das feiras de negócios da música mais importantes da América Latina e que ocorre na capital pernambucana. 

Para Hickson, não haveria essa sobra se a burocracia fosse menor. “Se Recife tivesse tido editais com valores compatíveis com o mercado, e a burocracia fosse menor, não teríamos tanta verba parada, e sim à disposição dos fazedores de cultura, já que é um dinheiro emergencial”, acredita.

Região Sul

A enorme burocracia para o recebimento desses recursos emergenciais também foi sentida em Curitiba. Bina Zanetti, uma das mais atuantes produtoras culturais da cidade, explica que o problema da distribuição de qualquer fomento é a burocracia além das categorias profissionais que raramente são contemplados num edital. 

“Muitos profissionais do ecossistema cultural, especialmente os técnicos, não conseguiram acesso aos editais da Aldir Blanc. Foram poucos os projetos contemplados pelo edital, cerca de 200 apenas. Pensando na cidade de Curitiba, que não é pequena, é pouquíssimo recurso, e ainda é preciso levar em consideração que cada projeto recebeu no máximo R$ 30 mil. Faltou contemplar as linhas técnicas, esses profissionais não conseguiram acessar os editais porque não tinham linhas que os contemplavam, e isso é excludente. Por aqui, estamos batalhando pela possibilidade de essa 'sobra' de recurso ser utilizada no estado e nos municípios como bolsa de doação civil, uma espécie de auxílio emergencial para os profissionais da cultura de todas as áreas", ela diz. "Quem está acostumado a lidar com a lei teve dificuldades, aqueles que não estão como as comunidades quilombolas, as aldeias indígenas, os terreiros e muitos outros espaços considerados culturais simplesmente não conseguiram acessar esses recursos."

A produtora lembra um caso grave que exemplifica a situação excepcional que ainda estamos vivendo. Um grupo pequeno de profissionais saiu para gravar um projeto contemplado na LAB, e todos foram contagiados pelo coronavírus. O diretor morreu. O episódio mostra que, embora a Lei Aldir Blanc tenha trazido um respiro em meio ao desmonte generalizado da cultura promovido pelo governo Bolsonaro, a crise sanitária segue ainda sem horizonte de solução.

No final de abril, a deputada Jandira Feghali, relatora e mobilizadora dedicada da Lei Aldir Blanc, protocolou outro Projeto de Lei, conhecido como LAB 2, que estabelece repasses anuais na ordem de R$ 3 bi, tornando perene o mecanismo federativo. Para Fabrício Noronha, “sem perder de vista os desmontes diários, o Congresso Nacional apresenta à cultura brasileira propostas objetivas que são capazes de aprofundar o pacto federativo alcançado a partir da Aldir Blanc e estabelecer, de uma vez por todas, o tão desejado Sistema Nacional de Cultura”.

Na semana passada, o senador Paulo Rocha protocolou o Projeto de Lei Paulo Gustavo, que traz uma solução inspirada na LAB, possibilitando o coinvestimento de R$ 4,3 bilhões em estados e municípios. O recurso vem do descontingenciamento dos recursos e superávit financeiro do Fundo Nacional de Cultural e do Fundo Setorial do Audiovisual.  A expectativa é que o projeto seja pautado no Senado no início de julho e siga para a Câmara dos Deputados.

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