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Eduardo Lages, maestro de Roberto Carlos: "Deu tudo certo pra mim"
Publicado em 10/03/2022

Cantor, compositor e pianista relembra rica trajetória ao celebrar seus 75 anos nesta sexta (12)

Por Alessandro Soler, de Madri

O maestro, pianista, cantor e compositor Eduardo Lages: trajetória de sucesso. Foto: reprodução Twitter Eduardo Lages/crédito Marcos Hermes

A história de Eduardo Lages com a música tem coisa de 70, dos 75 anos de idade que ele completa nesta sexta-feira (12). Com pouco mais de 4 anos, seu pai, médico e seresteiro, o matriculou num curso de piano. "Eu ficava com vergonha por ser o único menino entre um monte de meninas. Estamos falando de 1951. No setor do acordeão tinha mais meninos, então eu insisti tanto que meu pai aceitou me mudar de instrumento. Mas não deu muito certo, não, acabei destrocando: estava na cara que meu negócio era mesmo o piano", ele lembra, bem-humorado. 

Com 10 anos, já tocava bem e era destaque na escola. Com 16, compôs sua primeira música. Com 17, ganhou seu primeiro festival da canção, em Niterói (RJ). Com 23, já estava vencendo festival internacional, no México. Com 24, começou a trabalhar como maestro na TV Globo — onde ficou por 18 anos. Pela mesma época, conheceu seu principal parceiro na música, Paulo Sérgio Valle, um dos seus grandes amigos até hoje. Com 30, se tornou maestro de Roberto Carlos e ajudou a reposicionar o cantor e compositor capixaba, oriundo das bandas de pegada roqueira da Jovem Guarda, como um artista de grandes orquestras. 

"Eduardo Lage é um grande músico e maestro, um excelente compositor. Temos muitas músicas nossas gravadas pelo Roberto Carlos e por outros intérpretes importantes da nossa música. Tem uma cultura musical vastíssima. Além de ser ótimo pianista, é maestro de grandes orquestras e uma pessoa de um caráter fantástico: incapaz de falar mal de alguém, sempre elogiando todo mundo. É uma figura exemplar, um dos nomes mais importantes da música brasileira", elogia Paulo Sérgio, que é diretor-presidente da UBC.

Agora, Lages se reinventa completamente apostando forte na faceta de intérprete, multiplica as participações em lives e já se prepara para sair em turnê, mês que vem, com Roberto — deixando para trás os dias sombrios da pandemia. É o que, entre tantas histórias do passado e do presente, ele conta nesta entrevista à UBC, feita por telefone.

 

Qual a lembrança mais remota que tem da música?

Eu comecei com 4 anos, né? (risos). Meu pai me botou para estudar piano. Com 10 anos eu tocava já muito bem mesmo, era destaque na escola. Eu era o cara que tocava o Hino Nacional, e os estudantes cantavam. Era outro tempo, outro mundo. Aí me liguei nos Beatles. Meu pai era médico de pulmão e tocava um pianinho bom. Tocava bem! Era autodidata. Os cantores que eram clientes dele fumavam muito, todos tinham tuberculose. Nelson Gonçalves, Ciro Monteiro eram clientes dele. Tinha seresta na minha casa todo fim de semana, meu pai tocava violão, todo mundo fumando. Eu aprendi a ouvir aqueles sucessos, standards americanos de Nat King Cole, Frank Sinatra… Mas me encantei mesmo foi com os Beatles, o lado romântico antes do roqueiro. Eu sempre gostei da música romântica, inclusive no clássico, fui atrás do Chopin, Debussy, e eu gostava daqueles noturnos, das valsas. Ou seja, rapaz, eu virei um músico romântico.

Morava onde nessa época?

Morava em Niterói (RJ). Então, era a capital do estado (do Rio de Janeiro) e um lugar de muita criação cultural. O Sérgio Mendes nasceu e viveu lá. Muitos músicos do Rio iam para Nitéroi. Naquela época estavam por lá o Sérgio Mendes, o Cauby Peixoto, o Ronnie Von... Comecei a fazer minhas músicas para participar de festivais na cidade. O primeiro de que participei eu teria uns 16 ou 17 anos e já ganhei. Foi com a música “Canto da Praia Grande”, uma homenagem à cidade que eu compus em parceria com um grande letrista, Paulo Machado de Barros. Me empolguei e comecei a participar de vários festivais, ganhei uns quatro anos seguidos. O prêmio de um deles, inclusive, foi ir para o México representar o Brasil num festival internacional. No júri só tinha craque: Ray Conniff, Barbra Streisand... E ganhei, rapaz. Ganhei com a composição, e a Cláudya, que interpretava a minha música, levou o prêmio de cantora. Então houve o salto para os festivais no Rio, os da TV Globo. Num deles, em 1971, eu tirei o quarto lugar, quem venceu foi "Cantiga Por Luciana", canção de Paulinho Tapajós e Edmundo Souto interpretada pela Evinha. Minha música era "Razão de Paz Para Não Cantar", interpretada pela Cláudya.

Naquele momento, suas composições eram mais em parceria ou solo?

"Razão de Paz", por exemplo, é uma parceria com o Alesio de Barros. Os últimos festivais de Niterói que eu ganhei eu fiz todos com ele. O Alésio era bem mais velho que eu, fizemos muita música legal. Até que ele morreu, inclusive de modo trágico. Ele era piloto de avião, estava pilotando um jatinho Learjet do Ibra (o extinto Instituto Brasileiro de Reforma Agrária) e caiu na Baía de Guanabara. Tanto ele como o copiloto estavam com as famílias a bordo. As mulheres sobreviveram, mas os pilotos morreram. Logo depois me aproximei do Paulo Sérgio Valle, que, ironias do destino, também era piloto de avião, mas de avião grande, de carreira. 
Eu tinha inventado um conjunto, o Quarteto Forma, gravei disco na Odeon, uma grande gravadora, e fui à casa do Paulo pedir para ele escrever o texto da contracapa. Estou até hoje esperando (risos). Ainda cobro o texto dele, brincando. Hoje é meu irmão. Virou meu principal parceiro.

Tem ideia de quantas obras escreveu com ele?

A maioria das minhas músicas, eu diria que 80% a 90%, eu fiz com ele. Também fiz música com Carlos Colla, Mauricio Duboc, Cesar Augusto... Mas com o Paulo foram muitas mais. Só as cocriações nossas cantadas pelo Roberto são 18. Não é exagero dizer que foi o Paulo Sérgio Valle quem me fez um profissional. Me ajudou como pessoa, como músico. A postura dele, profissionalíssima, foi uma grande inspiração. Quando falou com ele, fico emocionado. Outro dia o chamei para participar de uma live que eu ia fazer, e foi uma choradeira danada (risos).   

E a entrada na TV, como foi?

Eu tive um grupo chamado MAU - Movimento Artístico Universitário. Tinha Ivan Lins, Gonzaguinha, eu, Cesar Costa Filho, Aldir Blanc e mais uns cinco. A minha entrada na TV Globo mesmo teve muito a ver com esse grupo. Nós participávamos de festivais juntos, e um dia fomos chamados para fazer um programa na Globo, Som Livre Exportação. Ficamos um ano em cartaz, o programa era mensal, e puseram a Elis Regina e o Ivan para apresentar. Quando acabou o contrato, a Globo me chamou para ficar por lá, para trabalhar como maestro, fazer uma experiência. Fiquei 18 anos.
O mais engraçado é que todo mundo do MAU, que, como o nome diz, era uma banda universitária, abandonou os cursos para se dedicar à música. O Aldir foi o único que concluiu, no caso dele a medicina. Mas nunca exerceu. Eu fazia engenharia mecânica, mas aquilo ali não era para mim. Não tinha som, pô, era muito chato (risos).

Durante os anos na Globo, chegou a compor coisas originais lá para eles, não? Temas de abertura, trilhas sonoras, vinhetas...

Sim, sim, de uma porção de programas. Agora é um nicho bom de mercado, mas naquela época eu fazia várias. Criei a do Jornal da Globo, de vários programas de entretenimento... Também repaginei os arranjos do tema de abertura do Jornal Nacional (a partir da música "The Fuzz", composta pelo americano Frank De Vol e integrante da trilha sonora do filme "Acontece Cada Coisa", de 1967, com Anthony Quinn e Faye Dunaway). 

Mas meu trabalho principal mesmo era nos programas que tinham música, Globo de Ouro, Fantástico... Eu era produtor musical, fazia a direção musical, os arranjos. No fim dos anos 1970, quem apresentava o Globo de Ouro era a Myriam Rios, que depois veio a se casar com o Roberto Carlos. E o Roberto estava lá semana sim, outra também. Ele já era o Rei. Foi ali que nos aproximamos. 

Com Roberto Carlos, com quem trabalha há 44 anos. Foto: divulgação/Caio Girardi

E como foi isso?

Eu tinha 30 anos, ele tinha 36. Eu era dedicado, cara limpa, muito saudável, não me drogava, tinha uma postura profissional... Um dia o Roberto chegou e disse assim: "pô, Eduardo, te vejo aí, competente, jovem, quero te fazer uma proposta. Você tem o perfil do cara que eu preciso." Cara, eu tinha passado longe da Jovem Guarda, não era fã das músicas do Roberto, nunca tinha imaginado trabalhar com ele. Mas ele disse que queria dar uma guinada, fazer show só com orquestra, não queria mais banda pequena. Ele já pensava grande. Tinha tido uma desavença com o maestro anterior dele, que por acaso é meu amigo, e me convidou para substituí-lo. Me senti lisonjeado, mas fiquei de pensar, falar com a minha mulher, que é muito sábia e me aconselhou a topar, se quisesse, mas sem renunciar à TV Globo. Roberto, então, me deu três dias para pensar, porque tinha que se preparar para uma turnê longa pela Europa que começaria dali a 21 dias. Aquilo me ligou na hora: "pô, turnê na Europa? Já tá topado!" (risos).

E deu para conciliar com a TV?

Deu. O Roberto era patrão lá, ele conseguiu autorização lá para que eu o acompanhasse nas turnês e tocasse com ele, mas sem precisar sair. Quando não estava viajando com ele, trabalhava lá normalmente. Eu era bem tratado e prestigiado ali dentro. Nunca fui nenhum gênio, mas sou organizado, trabalho bem, nunca me envolvi com nada louco, eu realmente acho que me destacava pelo profissionalismo. Meus colegas da TV, quando eu voltava, ficavam p... da vida... De brincadeira, claro: “não vem mais trabalhar, não!” (risos). Eu já fazia o especial de fim de ano dele, já era o maestro e diretor musical dos programas dele. O envolvimento foi crescendo tanto que chegou um momento em que tive que deixar a Globo e ficar só com ele. Quando olho para trás, vejo que deu tudo certo para mim, graças a Deus. As coisas sempre se encaminharam bem. Mas ainda tem mais pela frente.

Como é o trabalho com o Roberto hoje em dia?

É ótimo, continua. O problema é essa dificuldade toda por causa da pandemia. A gente chegou a fazer 150 shows por ano quando comecei com ele, há 44 anos, era uma loucura. Ultimamente, antes da Covid, vinham sendo 50 a 60 por ano. Mas agora, zero. Tem dois anos que não trabalho. Realmente ficou complicada a parte financeira. Tentei ir para as lives, fazer alguma coisa, mas não dá dinheiro. Foi mais pela visibilidade. Elas me ajudaram a começar a consolidar um novo momento como cantor solo. De repente começou a chegar gente, um monte de senhoras de 70, 80, fãs do Roberto, mas também as netas, os filhos, os maridos. Saltei para os shows presenciais em vários lugares, e a coisa foi crescendo. É impressionante.

Então tem feito bastantes shows solo?

Tenho feito alguns, e é o que está me ajudando mais nesse momento complicado. As fãs que vão me prestigiar veem em mim o Roberto. Na cabeça delas, é assim: "estou falando com o maestro do Roberto Carlos." E eu curto essa coisa de me ver cantando. Não sou cantor, não me acho cantor. Não sou desafinado, mas sei que não é a minha. Eu gosto de tocar, fazer arranjo, reger orquestra. Mas o Brasil, a gente sabe, é o país dos cantores. Compositor e músico, infelizmente, não têm o mesmo espaço e a mesma visibilidade.

E com o Roberto, quando será a volta?

A gente está planejando agora uma grande turnê de retorno em abril, nos Estados Unidos, um mês por lá. Estou contando as horas, já não dava mais. Todo mundo enrolado, toda a banda dele, 15 músicos parados, ninguém aguenta mais.

Vai ser a grande celebração dos seus 75 anos?

Sim. E minhas lives também, meu contato direto com os fãs. Fico impressionado com a generosidade das pessoas, essa nova forma de financiamento do artista através da contribuição direta. Elas circulam o meu número número pix durante a live e contribuem. Já recebi R$ 10 de fã e já recebi R$ 20 mil. Acho que ambas foram muito generosas. Cada uma ao seu modo, financiam a arte, entendem o valor que tem. O mundo ainda tem jeito, pode ter certeza disso.
 

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