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Artigo: A exaustão artística neste 'admirável' mundo novo
Publicado em 26/02/2024

O compositor, músico e produtor Geraldo Vianna, diretor na UBC, fala sobre criação num mercado dominado por algoritmos e fórmulas

Por Geraldo Vianna, de Belo Horizonte*

A música, nos últimos tempos, se tornou uma atividade que nos coloca à prova todos os dias. Não bastam a dedicação, estudar e manter em dia a sua criatividade e performance. O artista foi levado pelas circunstâncias impostas pela era pós-mídia física a desempenhar tarefas não coniventes com o exercício de sua arte, enquanto profissional comprometido com a investigação e busca de identidade própria. Com a criação.

Se isso é bom ou ruim, somente o tempo nos mostrará. A verdade incontestável é que o mundo da música independente, principalmente, vive hoje em um estado de confusão, devido à falta de retorno econômico e condição de sobrevivência advinda das possibilidades de trabalho consequentes do conteúdo gerado. Não sabemos mais o que somos, se estamos no caminho certo, e se vale a pena seguir buscando uma abordagem própria onde, com base em estudo e experiência prévia, possamos propor novas ideias de linguagem e estilo. Até mesmo as propostas que giravam em âmbito regional foram pulverizadas por uma falsa ideia de projeção para o mundo, via internet.

Temos, à nossa frente, grandes obstáculos impostos por uma indústria impiedosa e redes sociais que estimulam o envolvimento da classe artística como “vendedores” treinados, nos levando à ilusão da possiblidade de sobreviver com nossa criação. O segredo do sucesso se transformou em fonte de renda para supostos conhecedores que prometem ensinar a administrar e conduzir brilhantemente as carreiras. Somos bombardeados com promessas de êxito, por meio de cursos, entre outras formas, que nos levam a um acúmulo de tarefas. Induzindo, assim, os jovens artistas a desenvolverem sua criação, tendo como modelo um estereótipo forjado com base em grandes êxitos econômicos. A indústria não acolhe os criadores compromissados com a legítima criação e desenvolvimento de novas propostas. Apostam, cada vez mais, no que é considerado um “tiro certeiro”, menosprezando aspectos culturais que conduziram nossa arte musical ao status de música de qualidade.

O apelo das gravadoras, corroborado pelas plataformas digitais de streaming e das redes sociais, é para que você se engaje no modismo e tente, a “toque de caixa”, atender ao público faminto, treinado e liderado por algoritmos com o desejo de resolver sua fome e sede em segundos. Com isso, estamos vivendo um verdadeiro caos na criação. Presenciando o desenvolvimento do império da real inteligência artificial, no sentido mais pejorativo possível. Que nos confunde com seus modelos de realização profissional e nos emburrece enquanto seres pensantes e criativos. Acreditam e divulgam novas formas de compor, reduzindo ao máximo a estrutura, com brevíssimas introduções e temas cravados no inconsciente coletivo, forjados por mãos treinadas na mesmice massificada pela mídia. O pior é que muitos artistas se questionam por terem linguagem, estilo, características melódico/harmônicas próprias, e propostas rítmicas que, talvez, pudessem ser uma saída para novas vertentes nessa arte tão rica que possuímos no Brasil e que, por sua qualidade e inventividade, nos projetou para o mundo.

Uma breve pesquisa do material musical brasileiro que conquistou outros países, e teremos a constatação de que tudo que nos identifica como música brasileira, no exterior, tem uma carga embasada pela capacidade de inovação. Para os autores e intérpretes mais conscientes dessa realidade, as redes sociais se tornaram um ambiente de desespero. Pouco a pouco, presenciamos o desmoronamento de uma cultura independente, constituída por autores e intérpretes que sempre sobreviveram com seu trabalho e, hoje, não conseguem manter dignamente suas vidas, pela impossibilidade de permanecerem no mercado.

Todos sabemos da importância da indústria do entretenimento, que vive tempos de grande crescimento no mundo todo. Mas sabemos também do papel fundamental que essa vertente dos negócios pode exercer, contribuindo para o desenvolvimento de novas tendências que, certamente, irão fortalecer a criação e inovação, além de criar novas perspectivas de mercado.

Dentro da área de atuação, diretamente ligada ao sistema que rege a indústria, em um âmbito prático, chegamos aos shows de grande porte, com estrelas nacionais e internacionais, que deslancharam significativamente e seguem muito bem. Por outro lado, há ainda os projetos que acolhem os artistas emergentes - desde que se submetam às regras impostas por produtores de eventos ou instituições -, que estabelecem cachês fixos em projetos coletivos e individuais, com pagamento dos direitos autorais por conta do artista contratado. Essa prática, infelizmente frequente, tem comprometido a formação de público e levado à descrença, artistas que vislumbram uma carreira digna na área musical. Não há espaço para os jovens “desconhecidos”...

Temos consciência de que a indústria liderada por gravadoras e plataformas de streaming, além dos grandes produtores de eventos, necessita da massificação de ideias que atendam a um mercado competitivo. Que contribuam para a geração de empregos e lucros. Mas o bom senso sempre terá que estar presente nas resoluções administrativas e condução de mercado, tanto no setor público como no privado.

O que será a música brasileira daqui a algumas décadas se seguirmos esse conceito e modelo? Se não reconhecermos nosso grande talento para a inovação, sabendo que as possibilidades de êxito sempre foram permeadas pelos riscos? A solução virá somente se todos os envolvidos se interessarem e se abrirem para o diálogo franco e construtivo, que atenda aos anseios econômicos e culturais, possibilitando melhores condições para todos os autores, intérpretes e músicos em geral. Mantendo um equilíbrio entre todas essas vertentes, a cultura há de prevalecer. Estaremos cultivando um mercado saudável e promissor.

O modelo de negócio atual não contempla nem favorece os jovens criadores e artistas independentes. Teremos que buscar, nos subterrâneos da construção, um apoio para aqueles que poderão mudar o rumo da cultura e da qualidade de vida de todos os seres neste “admirável mundo novo”. Ou viveremos atados aos grilhões da ignorância. Temos fé.

 

*Geraldo Vianna é compositor, violonista e produtor musical. Atualmente, ocupa o cargo de diretor Administrativo e Financeiro da UBC


 

 



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