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No Abril Indígena, vozes originárias pedem inserção real no mercado
Publicado em 19/04/2024

Artistas de diferentes etnias comentam o panorama da música feita pelos povos nativos e as barreiras da indústria musical mainstream

Por Kamille Viola, do Rio

Djuena Tikuna. Foto: divulgação

Todo dia era dia dos indígenas, mas agora eles só têm o dia 19 de abril, já denunciava Jorge Ben Jor na música gravada por Baby do Brasil em 1981. Nos últimos anos, as discussões em torno dos direitos dos povos originários vêm ganhando cada vez mais visibilidade, embora a realidade ainda seja de luta pela demarcação de terras e contra a discriminação. Na música, as vozes indígenas também conquistaram mais espaço na última década, cantando suas culturas e levantando suas bandeiras — e tensionando o mercado para que novas portas se abram para uma parcela que foi negligenciada durante quase toda a história da música brasileira.

No Abril Indígena, esses artistas são mais requisitados para apresentações, tendo a chance de mostrar seus trabalhos. Mas a importância dessa época é, principalmente, pela construção coletiva, pois é quando as lideranças indígenas se encontram no Acampamento Terra Livre, em Brasília, para reivindicar políticas públicas em defesa de seus povos, e quando os olhos da mídia se voltam mais para esses grupos.

“É um período de grande visibilidade dos povos indígenas e suas pautas. Entretanto, não pode se limitar a esse mês”, frisa a cantora e compositora Djuena Tikuna. “A questão indígena é de todos, pois diz respeito ao futuro da humanidade. São os nossos territórios preservados que garantem a saúde do planeta”, lembra.

A artista nasceu na aldeia Umariaçu II, em Tabatinga (AM), região do Alto Rio Solimões, na fronteira entre Brasil, Colômbia e Peru. Aos 8 anos, se mudou para Manaus. Hoje, vive em São Luís. Em 2016, apresentou o Hino Nacional no idioma tikuna na abertura dos Jogos Olímpicos. No ano seguinte, lançou seu primeiro disco, “Tchautchiuãne” (“Minha Aldeia”). Em 2019, saiu seu segundo trabalho autoral, “Wiyaegü”. Em 2022, foi a vez da obra “Torü Wiyaegü” (“Nossos Cantos”), composta por um livro, um álbum e um curta-metragem.

“No começo, cantávamos para nós mesmos, nas praças e nas atividades do movimento. Hoje as coisas estão tomando uma proporção maior, tendo mais visibilidade, seja na grande mídia ou nas redes sociais, que têm ajudado o mundo a conhecer a música indígena, tanto a ancestral quanto a contemporânea. Estamos ocupando várias frentes que historicamente nos foram negadas, nas artes, na política, na luta pela democracia”, ela analisa.

Gean Ramos é cantor e compositor. Vive na aldeia Bem Querer de Cima, território Pankaru em Jatobá (PE), onde nasceu. Mas já viveu no Distrito Federal, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Paraíba e São Paulo, até voltar para o sertão pernambucano. Com a carreira iniciada em 2000, somente em 2016 ele conseguiu lançar seu primeiro álbum, o independente “Inversões”, indicado ao Indigenous Music Awards, no Canadá. Em 2020, realizou a primeira edição da Mostra Pankararu de Música, em seu território: de lá para cá, foram quatro. Em 2023, deu o pontapé inicial de seu show mais recente, “Se Urú Obaí” (“Da Minha Boca Sai Fogo”). Para ele, mais do que abrir espaço para os povos originários em diversas áreas, é essencial aprender com eles outros modelos de sociedade.

“É preciso a gente pensar uma outra forma de vida, porque não adianta ‘enricar’ se a gente não tiver a biodiversidade preservada. O que precisamos discutir não é nem sobre música, mas sobre o formato de vida que nós iremos estabelecer, para que possamos ter um futuro melhor”, manda.

Gean Ramos. Foto: divulgação

O artista explica que os povos originários fazem um uso estratégico do Abril Indígena, já que é o mês no qual o calendário colonial estabeleceu que eles têm liberdade e espaço para se expressar. Mas um avanço real é algo ainda distante em diversas áreas, como na própria indústria fonográfica, já que não há um mercado específico para música indígena nem produtores que tenham compreensão desse universo.

“Até porque ele perpassa a linha do conhecimento do que a formação que o mercado da música e as academias ensinam. Porque nós não somos uma cultura universalizada. Cada povo tem sua especificidade, sua expressão, cosmopercepção, cosmogonia. Cada forma de vida passa por um lugar de especificidade onde a arte não é tratada de forma separada do ser”, explica.

Para o rapper guarani-mbyá Owerá (antes conhecido como Kunumi MC), da aldeia Krukutu, no bairro rural de Parelheiros, em São Paulo, uma coisa poderia unir todas as etnias: a relação dos povos indígenas com a música, parte da vida na aldeia.

“A gente tem uma conexão forte, temos as músicas sagradas. Mas muitos têm relação com a música contemporânea, como eu, que faço rap”, diz.

Para ele, datas como o Abril e o Agosto Indígena são importantes para chamar atenção para o que se passa em diversos territórios de povos originários brasileiros:

“Muitos ainda vivem uma guerra. É essencial levar esse conhecimento para as pessoas que não sabem como é a realidade indígena, quantas etnias vivem aqui, quantas línguas existem aqui no Brasil, e também sobre os problemas, a luta pela terra e o desmatamento.”

Expoente do chamado rap nativo, Owerá tem um EP, “My Blood Is Red” (2017), e dois álbuns, “Todo Dia é Dia de Índio” (2018) e “Mbaraeté” (“Resistência”), de 2022. O single “Demarcação Já (Terra Ar Mar)”, com Criolo, trouxe ainda mais projeção ao artista. Agora, neste 19 de abril, está sendo lançado o disco “O Futuro é Ancestral”, resultado da colaboração do DJ Alok com artistas de oito comunidades indígenas, e Owerá participa com uma música chamada justamente “Rap Nativo”. Ele reconhece que, do início de sua carreira até hoje, já houve avanços para os artistas originários.

“Não só na cena musical como em outras áreas, como a literatura e o audiovisual. Divulgando a nossa arte, a nossa luta, que é de todos. A luta do povo indígena foi sendo reconhecida com muita briga das lideranças de antigamente”, analisa.

Owerá com Alok (ao fundo) em apresentação no Grammy Museum. Foto: divulgação

Mas todos são unânimes em dizer que ainda falta muito para que os artistas indígenas tenham um espaço verdadeiro no cenário musical brasileiro.

“Nós não nos pautamos pelas necessidades da indústria cultural, não estamos nas prateleiras do showbusiness, mas é necessário que respeitem a nossa forma de pensar e fazer arte”, frisa Djuena Tikuna.

Gean Ramos concorda:

“Música indígena é modo de vida música, é herança. Não é uma música que a gente simplesmente inventa, a gente precisa viver, sentir, para conseguir trazer as mensagens que a nossa ancestralidade, que a nossa espiritualidade, quer trazer nesse momento.”

E Djuena Tikuna completa:

“Mesmo assim, denunciamos a falta de artistas indígenas nos line-ups dos festivais Brasil afora e, quando há, é para atender uma diversidade junto aos editais e patrocinadores. Nossos cachês são sempre menores e os palcos, de menor prestígio. No exterior, nossa arte é mais respeitada. Nunca mais um Brasil sem nós.”

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