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Música de concerto: grandes desafios, enorme resistência
Publicado em 05/03/2017

No Dia Nacional da Música Clássica, criadores, instrumentistas e diretores de orquestra falam sobre o panorama do gênero no Brasil, as iniciativas de renovação e a feliz fusão de erudito e popular que guiou Villa-Lobos

Por Kamille Viola, do Rio

Oboés, cravos, violoncelos, clarinetes, violinos, fagotes, contrabaixos, pianos. Os instrumentos são muitíssimos, assim como a variedade de estilos e sonoridades celebrados hoje, 5 de março, Dia Nacional da Música Clássica. Instituída em 2009, a data marca o aniversário de nascimento do nosso associado Heitor Villa-Lobos, que, neste 2017, completaria 130 anos e continua a ser lembrado como um dos maiores compositores da nossa história. A fusão de erudito e popular que marcou sua obra é, para criadores e diretores de orquestra, o caminho mais óbvio de renovação de um gênero que, sem recursos ou muita atenção midiática, enfrenta grandes desafios no país.


Arthur Barbosa regendo a Ospa Jovem

“Temos mais a lamentar do que comemorar, já que estamos em um momento em que organismos nacionais estão extinguindo orquestras e bandas. As orquestras são o que mantém vivo esse tipo de música, então quem trabalha no meio está preocupado”, comenta o compositor, maestro e violinista Arthur Barbosa, diretor artístico e regente titular da Orquestra Eleazar de Carvalho, em Fortaleza, e regente da Ospa Jovem, em Porto Alegre. “A mentalidade subdesenvolvida da maior parte de nossa classe política, que relega a arte a um lugar demasiado periférico na ordem de importância das coisas, é um aspecto em que a nação brasileira tem muito a evoluir”, critica o compositor e pianista Dimitri Cervo, professor do Departamento de Música do Instituto de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

É unânime a reivindicação de mais investimentos no setor.  “O cenário ideal seria a implantação de um sistema semelhante ao que Villa-Lobos tentou fazer, com formação de uma massa crítica de músicos, criação de espaços culturais, teatros, salas sinfônicas, conservatórios, salas de ensaio. São absolutamente necessários para fazer crescer a cultura da música de concerto”, propõe o regente e pianista Ricardo Castro, diretor-geral do Neojiba (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia) — no qual também é regente titular e diretor artístico da Orquestra Sinfônica Juvenil da Bahia — e professor da Haute École de Musique de Lausanne, na Suíça.

“Não é barato manter uma orquestra sinfônica, justamente pelo tamanho. Mas ela não se substitui por um outro organismo. A música é guarda-chuva, pode acompanhar qualquer coisa, uma cena de filme, teatro, poesia... Certas coisas só a orquestra sinfônica pode reproduzir. Cabe às pessoas que financiam ter essa sensibilidade”, argumenta Felipe Prazeres, regente assistente e spalla da Orquestra Petrobras Sinfônica e maestro da Academia Juvenil da Opes.


Dimitri Cervo (foto de Debora Zandonai)

No entanto, os músicos vêm na renovação da música de concerto uma possível chave para atingir novos públicos e atrair atenções. “Acho que, primeiro de tudo, muitas orquestras têm que ter programas de formação de plateia. Muitas já têm, mas é preciso expandir isso, incluir neles música erudita brasileira, dentro do possível, manter academias e orquestras jovens. A orquestra não é mais aquele organismo parado, tem que ter compromisso com o social e transmitir isso às novas gerações. Foi-se o tempo em que orquestra era coisa elitizada. Hoje em dia não pode ser assim, tem que dialogar com todas as classes sociais, se comunicar... Só assim a gente vai fazer com que a música de concerto seja cada vez mais ouvida”, defende Arthur Barbosa.

Felipe Prazeres concorda e vai além. “Não é fácil reinventar a forma de tocar, de se portar, de se vestir... Tocar um outro gênero de música... Mas é importante. A mesma orquestra que toca Mahler pode tocar música pop e se comportar de maneira pop. O público precisa disso hoje”, acredita ele, que também é diretor artístico e integrante da orquestra Johann Sebastian Rio, que une repertório erudito e popular e aposta em uma abordagem divertida, com direito a vídeos no YouTube. “Uma orquestra sinfônica é o organismo mais completo que existe. Por que ela não pode fazer outra coisa? Ficou no inconsciente das pessoas que ela foi feita para fazer aquela coisa e não pode sair muito daí.”

O próprio homenageado do Dia Nacional da Música é um exemplo disso, já que realizou com maestria um casamento entre o erudito e o popular. “Villa-Lobos é um criador de imensa magnitude, não apenas considerado o maior compositor brasileiro, mas, por muitos, o maior compositor das Américas. As virtudes de sua música são a brasilidade, a inspiração, a capacidade de comunicação e a excelência técnica da escritura musical”, elogia Dimitri Cervo. “O Villa-Lobos transitou não somente na música de concerto, mas também na popular, trazendo elementos tradicionais brasileiros para a música erudita e levando para uma série de arranjadores da área popular elementos da música de concerto. Provocou um desenvolvimento estético no país muito grande em ambas as áreas. É uma figura em que devemos cada dia mais nos inspirar, para tentar recuperar esse grande movimento de formação musical no país”, acredita Ricardo Castro.


 

 



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