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10 momentos que marcaram a indústria musical nacional
Publicado em 17/10/2022

Neste Dia da Música Popular Brasileira, jornalista e pesquisador lança livro e comenta figuras e movimentos-chave

Do Rio

Esta segunda-feira (17) é de festa: comemora-se hoje o Dia da Música Popular Brasileira, uma data que coincide com o aniversário de nascimento (há 175 anos) de Chiquinha Gonzaga, pioneira e cofundadora do moderno cancioneiro nacional. A data foi escolhida pelo jornalista e pesquisador Rodrigo Faour para publicar o segundo volume daquele que chama de maior projeto da sua vida profissional: o livro "História da Música Brasileira Sem Preconceitos". Se a primeira parte foi dedicada a um vastíssimo período que começa com a colonização — e, portanto, a fundação do que se hoje chama Brasil — e vai até os anos 1970, esta nova entrega se centra no último meio século e na revolução estética e industrial ocorrida na música nacional de lá para cá.

"Foram sete anos entre pesquisa, escrita e revisão. Mas eu digo que este é o resultado do trabalho de uma vida inteira. Desde pequeno guardo recortes de jornais e revistas sobre música, nunca joguei fora minhas entrevistas, eu as tenho gravadas em fita cassete ou vídeo, sou muito organizado. Tenho oito mil discos. Tudo isso ajudou a construir estas mais de 1.200 páginas divididas em dois volumes", diz Faour, que, apesar de o segundo volume já estar à venda, só fará o lançamento oficial no mês que vem, em eventos em São Paulo e no Rio de Janeiro. 

Um dos primeiros tópicos que ele abordou na obra foi a diferença entre o gênero MPB e a mais genérica e plural definição de música popular brasileira para todos os estilos, do sertanejo ao forró eletrônico (que é o forró atual, para Faour muito diferente do tradicional), do funk ao pop, do arrocha ao pagode:

"O gênero MPB, ou a designação para uma música popular moderna com músicas criativas harmônica e poeticamente, surgiu em 1965, na época dos festivais de música. Só que hoje eu acredito que a gente pode levar essa expressão, música popular brasileira, a tudo o que é feito no Brasil ou por artistas brasileiros em nosso cancioneiro. A sigla confunde. Toda vez que eu cito o gênero MPB no livro, o faço entre aspas. Quando uso música popular brasileira, falo de tudo."

Numa pegada enciclopédica, mas com linguagem direta e acessível, além de muitas histórias saborosas de personagens de todos os gêneros que ajudaram a fazer a música brasileira, Faour vai encadeando histórias um modo linear e temporal. E os próprios títulos dos capítulos, muitas vezes, remetem a momentos-chave que trouxeram mudanças de impacto para a criação e o mercado. 

Nós selecionamos 10 desses momentos, com alguns comentários do pesquisador, que mostram coisas revolucionárias e espetaculares que aconteceram na nossa música popular desde a segunda metade do século XIX. 

Chiquinha Gonzaga em foto de 1932, três anos antes de morrer. Arquivo pessoal

1 - A década de 1870

Foi ali que começaram a se cozinhar as misturas da polca com o lundu que deram no maxixe e no choro – inicialmente chamado de tango (brasileiro) –, talvez os dois primeiros grandes gêneros populares a nascerem no país. Chiquinha Gonzaga, cujo aniversário se comemora hoje, além de Ernesto Nazareth e Joaquim Calado, têm muito a ver com isso. “Nessa época, o teatro de revista se popularizou no Rio e, com ele, também as chamadas cançonetas, mães da futura marchinha, e o maxixe estourou. Mas as raízes foram plantadas por aqueles pioneiros, já que as fusões da polca-lundu, por exemplo, vão influenciar até mesmo inicialmente o samba", conta Faour. 

2- O início da indústria fonográfica 

O lundu "Isto é Bom", de Xisto Bahia, encabeçava uma série do primeiro suplemento da Casa Edison, nossa primeira gravadora, em 1902. Talvez por isso seja descrito erroneamente como "a primeira música brasileira gravada". Ficou como um marco em meio a uma gigantesca efervescência de gravações que ganhava impulso pelas mãos de Fred Figner, pioneiro empresário a acreditar nessa indústria no país. Ainda no primeiro volume do seu livro, Faour conta histórias curiosas sobre a estratégia de marketing pioneira da Edison, que colocava nos discos um prefixo, antes da música em si, dito por um dublê de locutor (na verdade, o cantor Nozinho), com dados sobre o nome, o endereço e o telefone da empresa, para que todos os que ouvissem aqueles antigos bolachões soubessem de onde vinham. 

Sambas, marchinhas, cançonetas, choros e modinha vão sendo gravados no Rio de Janeiro, então capital da República e polo de atração de talentos de todo o Brasil, ajudando a fixar em discos um cancioneiro nacional em expansão acelerada.

Paralelamente, a estilização do samba de enredo, em 1928, por bambas do Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, foi uma revolução cuja repercussão foi se espalhando em ondas. 

"Eles criaram uma nova forma de tocar o samba, menos sincopado, para fluir melhor nos destiles, cuja essência está aí até hoje", diz o pesquisador.

3 - A era do rádio 

Com outras gravadoras já atuantes e uma indústria fonográfica a se consolidar, vem a primeira era do rádio, uma tecnologia que permitia a difusão de todo esse conteúdo que vinha sendo registrado. 

“O advento do rádio comercial e da gravação eletromagnética, com o uso de microfones (a partir de 1927), foram fundamentais para a expansão da nossa música. Isto incluindo uma coincidência fantástica: estavam no mesmo pedaço de terra, o Rio de Janeiro, toda sorte de músicos, arranjadores, intérpretes e compositores geniais. Eles ajudaram a consolidar a nossa música, criando, sobretudo, sambas, marchas e valsas que caíram na boca de todo o país. Vale lembrar que a Rádio Nacional, criada em 1936, mas transmitindo em ondas curtas a partir de 1942, conseguia ser ouvida em todo o território nacional. Isto foi um feito da Era Vargas que enfim passou a acreditar no poder desse veículo, ainda mais que estávamos prestes a aderir à Segunda Guerra Mundial”, descreve Rodrigo Faour.

Boa música, acordeão e uma estética irresistível: Luiz Gonzaga 'inventa' o Nordeste

4 - O primeiro estouro do forró 

"O forró raiz vira um fenômeno nacional nos 40, com Luiz Gonzaga. Ele inventou o Nordeste para o Brasil, porque antes existia a música que era 'nortista', ou seja, era um bolo que se referia a qualquer coisa que ficasse ao Norte do Rio de Janeiro. A divisão geográfica em regiões que temos hoje foi criada em 1942, pelo IBGE, nem sonhávamos em ter um conceito como nordestino ou uma identificação cultural entre os estados daquela região. Mas o Gonzaga estiliza o baião com o Humberto Teixeira, em 1946, e vira uma mania difundida pela Rádio Nacional e, depois, pela Rádio Tupi e todas as emissoras do país. O Nordeste que o Gonzaga trouxe era bem sertanejo, não era o Nordeste solar do litoral ou das realidades culturais da Bahia ou do Maranhão. Era aquele conjunto de danças, de cores, um certo machismo do cangaço, aquela profusão de comidas... Enfim, toda aquela cultura, entre aspas, sertaneja."

5 - A bossa nova

Em meio a um caldeirão de produção tão variada, com gêneros regionais circulando como nunca antes, surgiu no Rio de Janeiro — mas feito por pessoas vindas de todo o país — aquele som suave e requintado harmonicamente que encantou o mundo e influenciou gerações. "É, até hoje, a nossa música mais exportada. Tive a pachorra de recolher dados no livro que mostram que a bossa é muito mais do que um samba tocado de maneira intimista, ou com influência do jazz, como se costuma dizer. Ela influenciou a música mundial de formas que muita gente nem suspeita. 'Garota de Ipanema' é uma das canções mais gravadas em todos os tempos, está em todas as línguas que você possa imaginar. O que bossa faz de tão revolucionário é permitir a criação de toda uma enorme estética ao redor dela. Coisa que poucos gêneros puderam fazer, como o rock, o blues, o soul e o rap."

6 - Os pluralíssimos anos 60

Tropicália, Jovem Guarda e a consolidação do brega-romântico (que na época não tinha esse nome), logo no início da década de 1960; a explosão dos festivais e a já mencionada criação do termo MPB, que aglutinou uma porção de compositores ao redor de si: foram agitados e muito plurais os anos 1960. 

Em comum a todos esses movimentos, a TV, que chegou ao país em 1950, se espalhou rapidamente entre as classes mais remediadas e promoveu o surgimento de um star system musical que agora não era composto só de fotografias estáticas: os astros e estrelas podiam se mexer. A imagem em movimento se torna uma enorme força propulsora de novidades – antes restrita aos filmes musicais. Os roqueiros estilosos da Jovem Guarda — gênero que nasceu, ele mesmo, de um programa homônimo da TV Record — e a turma vanguardista da Tropicália se fizeram conhecidos nas telinhas de Norte a Sul do Brasil.

Na mesma TV, os festivais começam a se popularizar e dão passagem a nomes como Gilberto Gil, Caetano Veloso, que trazem um sopro de inovação ao conectar-se com os movimentos do pop-rock internacional, mas adicionando um tempero inegavelmente baiano e brasileiro. A Tropicália, como diz Faour, “recusava padrões de bom comportamento — no palco, na melodia, na poesia, na vida — e 'carnavalizava' a séria cultura brasileira dos anos 60.” Foi uma bomba que explodiu, e a música brasileira já não foi a mesma. 

Caetano, Gil e sua fusão tão própria do pop-rock global com referências nacionais

7 - Anos 1970: um caldeirão com ainda mais temperos

O período em que as grandes gravadoras passaram a deter um poder sem precedentes na produção e na difusão de música no Brasil foi também aquele em que A&Rs e curadores em geral prestavam atenção também inédita a tudo o que saía de literalmente qualquer parte do país. Desde o LP "Clube da Esquina", lançado em 1972, à explosão dos discos de trilha sonora de novelas embalados pela Som Livre, passando pela explosão da black music, da disco music (ambas importadas dos EUA, mas com tempero local) e pelo surgimento dos primeiros nomes do que viria a ser a potentíssima cena sertaneja mais pop, como Milionário e José Rico. 

O advento de novos ídolos de repertório calcado em boleros e versões de canções italianas e norte-americanas trouxe outros bregas nos anos 60 que acabaram por criar uma estética própria nos 70. Ainda no primeiro volume do seu livro, Faour dedica um capítulo todo aos chamados cafonas, que ajudaram a pavimentar os peculiares anos 1980, e cita nomes como Nelson Ned, Moacyr Franco, Agnaldo Timóteo, Waldick Soriano, Claudia Barroso, Odair José e muitos outros.

8 - O pop comercial toma conta - e ele tem cara de brega

"De 1986 em diante, o mercado muda em direção ao comercialismo excessivo. Isso é muito nítido. A MPB ficou mais brega, isso se ramifica no sertanejo, pagode e axé, três modismos massificados. O axé, depois de uma criatividade inicial, ficou repetitivo e virou um cartel, com pouquíssimos nomes admitidos no clube e pouca renovação. Tanto que acabou por isso. O funk se renova, por isso está aí, o axé não conseguiu", analisa Faour. 

Ele afirma que, apesar do que chama de massificação, ainda havia espaço para a dissonância naquele momento. As rádios e TVs ainda davam espaço a nomes como Adriana Calcanhotto, Marisa Monte, Lenine, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão e o manguebeat. "O domínio absoluto de dois ou três gêneros, que eu chamo de perversidade atual do mercado de música, e que explico com detalhes no epílogo do segundo volume do livro, veio depois. O sistema nunca foi justo, sempre teve interferência excessiva das gravadoras, por exemplo. Elas dava as cartas e filtravam tudo. Contudo, tiveram também acertos em direção à pluralidade rítmica e estilística de seus catálogos. Mas o que se vê hoje é um mercado muito difícil para quem quer fazer algo que não seja massificado. Nunca foi tão fácil gravar e tão difícil de se fazer notar criando algo fora dos padrões."

9 - Na virada dos anos 80 para 90, as bases da música atual

Três dos gêneros mais populares do Brasil atual tiveram marcos importantes nesse momento: sertanejo, forró (ou forró eletrônico, como lembra Faour) e o funk. 

Este último dava seus primeiros passos nos anos 80, ainda restrito aos bailes e à cultura das comunidades do Rio de Janeiro. Já o sertanejo experimentava uma saída da casca que marcaria seu destino:

"Chitãozinho e Xororó furaram o bloqueio radiofônico das grandes capitais na virada dos anos 1990 e estouraram. Até então, o pop-rock produzido no Rio e em São Paulo, com bandas também do Rio Grande do Sul, de Brasília e de Minas, era dominante. Eles abriram caminho para Zezé di Camargo e Luciano, Leonardo e Leonardo, Roberta Miranda... O sertanejo dos anos 90, que se diga, é bem diferente do que se faz hoje, mas ajudou a criar um novo pop. O sertanejo atual, universitário ou como quer que se chame, é uma nova vertente do pop brasileiro. Não tem nada de caipira em Luan Santana, que tem algo de Justin Bieber, ou Fernando e Sorocaba, que bebem na fonte dos Titãs, dos Paralamas. Ficou o costume de cantar em dupla, para alguns deles, mas as temáticas sobre festa, bebedeira, relacionamentos, bens de consumo, são urbanas e agradam ao gosto da garotada de hoje."

Já no caso do novo forró, era um som que fazia uma fusão rítmica, baseada em teclados sintéticos. "Acho que o que hoje se chama de forró já nem o é. É forró eletrônico, uma lambada fusionada a ritmos caribenhos e brega. Nem mesmo os instrumentos são os mesmos, quase já não tem acordeão, por exemplo", diz Faour. 

Outro dos subgêneros frequentemente associados ao forró, como o arrocha, na verdade, para o pesquisador, é cria da bachata, gênero surgido na República Dominicana. "Trata-se de uma bachata estilizada, não é um ritmo original. Alguns chamam aquilo de sofrência também, pelas letras. Aí já começa a virar uma loucura de designações", ri.

10 - Após a crise das gravadoras, a reinvenção com enorme pluralidade

Depois da crise da pirataria e da reinvenção através da autoprodução, primeiro, e do streaming, depois, a expansão da internet traz uma nova onda de diversidade. Os gêneros dominantes ainda são, na maioria, aqueles que se consolidavam nos anos 90/2000, mas há quem consiga furar a bolha:

"É o caso de uma Pabllo Vittar, de uma Anitta... O resto é um bloco pesado: o funk, o sertanejo, que é uma indústria pesadíssima, e, no Nordeste, o forró eletrônico e seu derivativo, o piseiro, que monopolizam o mercado. Mas há todo um lado esperançoso. A diversidade propiciada pela internet trouxe minorias sexuais de uma forma que não se vê em muitos países. Mas há todo um lado esperançoso. A diversidade propiciada pela internet trouxe minorias sexuais de uma forma que não se vê em muitos países. Depois do Les Étoiles, a dupla brasileira formada por Rolando Faria e Luis Antonio, que brilhou na França, e das experiências de Edy Star e, sobretudo, Ney Matogrosso, que revolucionou os padrões de masculino e feminino, foi somente nesta última década que uma série de drag queens, trans e gays mais escancarados voltaram a deixar uma marca na nossa música. Johnny Hooker, Pabllo, Liniker, Glória Groove e várias outras e outros conseguiram extrapolar tal nicho e fazer sucesso, sendo notados até fora de suas bolhas. Isto é impressionante, ainda mais num país como o nosso."

Pabllo Vittar: rara artista a furar a "bolha" da massificação e exemplo de uma diversidade que veio para ficar. Divulgação

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