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Previsões para a indústria da música em 2023
Publicado em 23/01/2023

Experiências interativas, mercados de nicho, inteligência artificial e… pandemia: especialistas debatem tendências do mercado

Por Eduardo Lemos, de Londres

O mercado da música em 2023 será seriamente afetado pela inteligência artificial. Os fãs vão interagir ainda mais com seus artistas preferidos. Os mercados independentes seguirão cada vez mais segmentados. Artistas grandes vão aderir às temporadas de shows. A pandemia continuará pairando no ar, como uma sombra. E os preços permanecerão altos — tanto para quem produz como para quem consome música.

É mais ou menos por aí que a música caminhará em 2023, de acordo com especialistas que se reuniram no evento "Previsões Para a Indústria da Música em 2023", organizado pela revista canadense "Indie Week" na última terça-feira. No encontro, realizado online, estiveram Darryl Hurs (fundador da publicação e diretor de marketing da distribuidora CD Baby Canadá), Jonathan Simkin (do selo canadense 604 Records), Joanne Setterington (relações-públicas e sócia da agência Indoor Recess) e Jessica Powell (ex-vice presidente de comunicação do Google e criadora da startup Audioshake).

Além e apresentar as tendências internacionais que eles debateram, também conversamos com o analista de mercado e pesquisador Leo Morel sobre o cenário brasileiro — leia ao final deste texto.

Os obstáculos para o ao vivo: preços altos e novas ondas da pandemia

Em 2023, a pandemia permanece um desafio para o mercado de música ao vivo, que ainda se ressente dos confinamentos mais severos realizados em 2020 e 2021.

"O ano de 2022 foi um recomeço difícil para todos: donos de casas de shows, artistas, produtores, bookers, companhias aéreas, hotéis, empresas de vans etc. Tudo começou muito caro. Todo mundo estava com 'fome' e, por isso, foi impossível baixar os custos de cara. Eu acho que 2023 vai ser melhor neste aspecto, mas em geral os custos continuarão mais altos do que o normal", explicou Joanne Setterington.

Para a executiva, este cenário afeta especialmente os artistas independentes, que em 2023 deverão encontrar mais dificuldade para bancar os custos de uma turnê. E claro que as incertezas prejudicam a saúde mental de todos os envolvidos:

"Nestes últimos anos, muita gente percebeu o quanto era infeliz fazendo turnês por aí. Shawn Mendes e Justin Bieber simplesmente pararam de fazer shows no ano passado."

Darryl Hurs lembra que o preço caro dos ingressos e o receio de contágio por novas ondas da COVID têm afastado o público dos shows.

"Os últimos números que vi dão conta de que 25% ou 30% das pessoas que compraram ingresso simplesmente não aparecem nos shows. Eles estão comprando tíquetes para apoiar os artistas, mas não fazem parte da audiência presencial. Isso afeta negativamente o artista na venda de merchandising após o show, por exemplo."

Uma das saídas que grandes artistas têm encontrado é fazer longas temporadas de shows em uma única cidade. "Não apenas Harry Styles ou Adele farão temporadas em Las Vegas ou Nova Iorque, mas artistas menos populares também tentarão fazer sequências de espetáculos em um mesmo lugar, para cortar custos", prevê Joanne.

Outro caminho, diz Darryl, é fortalecer a cena musical que existe longe das capitais.

"Não necessariamente em 2023, mas possivelmente nos anos seguintes, vamos ver pequenas casas de shows usando tecnologia para enriquecer a experiência ao vivo, fazendo com que eventos em cidades do interior tenham a mesma qualidade", aposta.

Inteligência artificial: problema ou solução?

A popularização de ferramentas de inteligência artificial, como o bot de linguagem ChatGPT, certamente afetará o mercado musical em 2023.

"Já sabemos de pessoas que estão usando o ChatGPT para escrever releases para imprensa e textos de redes sociais, com pessoas reais depois fazendo as edições necessárias. É uma ferramenta que pode nos economizar tempo em algumas atividades administrativas", opina Jessica Powell.

"Hoje o artista precisa fazer diversas atividades ao mesmo tempo, e talvez a I.A. possa ajudá-lo a ter mais tempo para criar", adiciona Darryl. Jonathan, do selo, não se anima muito com a ideia. "Isso me soa desumanizador e preguiçoso", diz.

(Curiosamente, no mesmo dia do evento, o jornal britânico The Guardian convidou o músico e compositor Nick Cave para avaliar uma letra criada pelo Chat GPT inspirada na poética do próprio artista inglês. Cave classificou o resultado como "uma grotesca zombaria com o que é ser humano" ).

Embora os defensores da inteligência artificial reconheçam que a tecnologia pode gerar desemprego em algumas áreas, todos creem que ela trará mais benefícios do que problemas.

"A tecnologia vai colocar as coisas de cabeça para baixo e, com isso, trazer um novo jeito de trabalhar. Gostemos ou não, o mundo mudou, e o único jeito é olhar para frente", diz Darryl.

Ele também cita o fator financeiro. "Quando algo novo vem à tona com um poder tão grande, abrem-se oportunidades de ganhar dinheiro com isso. Pode ser que essa janela dure pouco, mas as chances estão aí para quem está atento."

Experiência interativas

Mais do que curtir, comentar e compartilhar, em 2023 o fã de música quer mesmo é criar junto com seu artista preferido.

"Estamos vendo no TikTok diversas pessoas recriando suas canções favoritas, seja editando trechos, seja alterando a velocidade das músicas. O próximo passo é fazer isso junto com o artista", aposta Jessica Powell.

Ela cita uma ação recente do grupo Green Day, em que os fãs puderam tocar guitarra junto com o líder da banda, Billy Joe:

"Para quem está aprendendo a tocar guitarra, poder acompanhar seu ídolo é o ápice. Não à toa, essa ação gerou a melhor performance da história do grupo no TikTok." 

Jessica prevê mais ações deste tipo em 2023, em que, por exemplo, fãs poderão cantar com seus artistas prediletos. E também acredita que a presença de ferramentas de edição de áudio embutidas nas redes sociais permitirão que mais pessoas recriem suas músicas preferidas, adicionando vocais ou instrumentos, e com isso gerando infinitas versões da canção original.

Mercados de nicho e foco no "superfã"

Com tantos desafios no mundo presencial, manter um bom trabalho no ambiente digital ainda parece ser a jogada mais segura. O desafio, como sempre, é conseguir conquistar uma audiência fiel. "Realmente é uma época em que quase tudo é válido para quem é artista: ser influenciador do Tik Tok, fazer transmissão ao vivo, estar no metaverso, apostar em criptografia, investir em realidade aumentada, marcar presença no mundo dos games", lista.

Para o dono do selo 604 Records, Jonathan Simkin, a música está virando um mercado de nicho.

"Em 2023, veremos menos hits globais e mais sucessos locais", aposta.

Segundo ele, a pandemia forçou a música independente a conversar mais com o seu público e a investir em novas maneiras de fidelizar os fãs, como o merchandising e a interação digital. Isso gerou uma indústria fragmentada, em que cada nicho apresenta a sua própria lógica. Tornar rentáveis estes pequenos mercados será o desafio de 2023 para quem não é a Anitta ou Adele.

"Quem está tendo sucesso no independente é quem está conseguindo manter ativa a relação com o seu público, seja ele do tamanho que for. É hora de os artistas valorizarem os seus superfãs."

Ele também crê que o ano que está começando pode redefinir a própria ideia do que é ser bem-sucedido neste mercado, tanto para artistas quanto para os selos. 

"Acho que, em 2023, o maior sucesso na música será pagar o aluguel e ter uma vida decente. Ganhar um Grammy vai ser ótimo, mas pagar o aluguel e fazer algo que você ama também será", sentencia.

E no Brasil?

Para o analista de mercado e pesquisador Leo Morel, "2022 foi um ano produtivo para o mercado musical por conta da amenização da pandemia, o que possibilitou o retorno dos shows e festivais". Ele cita os ingressos esgotados do Rock in Rio e a vinda de grandes bandas para o país, como Coldplay, como sinais auspiciosos para o mercado da música ao vivo em 2023.

No entanto, espelhando o cenário global, o mercado nacional também sente os efeitos da pandemia.

"A demanda reprimida de shows, a alta do dólar, a queda do poder aquisitivo, a inflação e o aumento dos preços de passagens e combustíveis contribuíram para o acréscimo dos custos de deslocamento e estadia dos artistas.  Observou-se também uma alta dos preços dos cachês artísticos", relata.

O sertanejo deve seguir como o gênero mais popular do país em 2023, embora outros estilos musicais estejam em franco crescimento, como rap, funk e pisadinha.

"Acredito que veremos artistas brasileiros buscando seguir os passos da cantora Anitta, no sentido de desenvolver suas carreiras internacionalmente", finaliza.

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