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Pagamento no streaming: à procura da alternativa perfeita
Publicado em 13/04/2023

Market-centric? User-centric? Nenhum deles? No debate sobre modelos de remuneração aos artistas só há uma certeza: o atual já não funciona

Por Eduardo Lemos, de Londres

Ao pagarem uma mensalidade para as plataformas de música, muitas pessoas acreditam que o dinheiro vai direto para a conta dos seus artista preferidos. Mas, nos serviços de streaming mais populares, como o Spotify, não é exatamente assim que funciona. Na verdade, a empresa distribui o dinheiro seguindo o critério de popularidade: o artista que tiver mais plays leva mais.

Assim, nomes bombados são privilegiados, e o restante acaba recebendo infinitamente menos. Este modelo de remuneração é chamado de market-centric, ou pro-rata.

As críticas a ele são generalizadas: desde a maioria dos selos e artistas, por motivos óbvios, até grandes gravadoras, como a Universal Music, consideram-no injusto e pouco sustentável, já que, no limite, a imensa maioria dos músicos não consegue tirar um bom dinheiro do streaming. Ao que parece, este formato só é aprovado mesmo pelas plataformas.

Mas, e se o dinheiro de um assinante fosse destinado diretamente aos artistas que ele escutou naquele mês?

Esta é a premissa do sistema user-centric. Nele, se o usuário passou 90% do tempo ouvindo um artista, 90% do dinheiro iria para este artista, e assim sucessivamente. Quem adotou este caminho foi o Soundcloud. Em 2021, a plataforma passou a remunerar no formato "royalties movidos por fãs", que nada mais é do que o user-centric adaptado à dinâmica da plataforma alemã. Após quase 2 anos, o Soundcloud diz que, em média, os artistas independentes ganham 60% a mais através do atual modelo do que se fosse adotado o pro-rata.

O user-centric, porém, não é uma bala de prata e, ironicamente, recebe mais críticas justo do do cenário independente.

"Não acho que o modelo vá funcionar, certamente não para o setor independente. O tipo de pessoa que ouve música indie quer descobrir coisas novas. Eles vão ouvir uma grande quantidade de faixas e artistas diferentes, o que significa que o valor de assinatura seria distribuído por uma ampla extensão de artistas", diz Yvette Griffith, diretora do selo britânico Jazz Re:freshed, especializado em música contemporânea.

Especialistas falaram à UBC sobre as principais vantagens e desvantagens dos dois modelos para as plataformas, os artistas e as gravadoras, além de analisar outras alternativas discutidas pelo mercado.

Market-centric: o modelo que mudou a indústria é também insustentável

Para a doutora em Sociologia e professora de negócios musicais Dani Ribas, o market-centric é vantajoso apenas para as plataformas e para as grandes gravadoras (sendo que, para as últimas, aparentemente não é mais).

"A principal vantagem do modelo pro-rata foi a disseminação do hábito de escuta por streaming. Devido ao modelo de cálculo por rateio, este modelo não atribuiu valor unitário fixo (e sim flutuante mensal) a cada faixa. Isso possibilitou um aumento global do número de usuários. Basta ver nos números da IFPI (Federação Internacional da Indústria Fonográfica) que o percentual de receitas oriundo de streaming é responsável por US$ 17,5 bi de uma receita total de US$ 26,2 bi", exemplifica.

Dani Ribas. Foto: Patricia Soransso-Estúdio Pedro Marguerito

As gravadoras, que recentemente começaram a se levantar contra o modelo, de acordo com Ribas só tiveram vantagens se analisados os números da indústria desde 1999.

"A interseção de interesses entre majors e plataformas fez com que produtores fonográficos (majors, índies e DIY, sigla em inglês para designar os artistas que fazem todas as etapas do trabalho por conta própria) recebam/repassem a titulares 58% dos royalties gerados pelo cálculo pro-rata. E isso fez com que o mercado todo andasse 'no mesmo trem', com a diferença que nem todos estão no vagão luxuoso com restaurantes e serviços. A maioria está em pé e no escuro no vagão de carga.”

Especialista na negociação de contratos de licenciamento e com passagens pela Som Livre e pela Tim Music, Luiz Garcia lembra que o market-centric "foi o modelo que ajudou a viabilizar o streaming, apesar de não ser perfeito", e tornou-se a maior fonte de receita para a música gravada, o que há cerca de 10 anos, segundo ele, parecia impossível para muitos.

"Eu mesmo tive diversas conversas para convencer artistas que esse modelo seria o futuro quando liderava o digital na Som Livre", recorda.

Qualquer discussão sobre uma substituição do pro-rata, segundo Luiz, deve levar em conta "ideias como o ‘maior de’, que considera diferentes valores mínimos para diferentes conceitos, como mínimos garantidos totais, mínimo por play e por usuário. Além disso, uma só plataforma pode ter diferentes tipos de ofertas a serem aplicadas, como períodos de teste gratuitos longos (3 ou 6 meses por exemplo), pacotes de serviços diversos (desde promoções com empresas de telefonia à oferta de outros produtos, como ocorre com a Amazon Prime e a Apple One, por exemplo), assinatura freemium baseada em propaganda… Tudo isso impacta a receita total e também o resultado por play ou por usuário.”

O executivo admite que o modelo market-centric não favorece "artistas menos populares, e essa seria a principal motivação para a indústria buscar dividir melhor a receita gerada pelo streaming.”

Dentre as muitas desvantagens deste formato de pagamento, segundo Ribas, está a precarização do trabalho artístico, que cria produtos mas não consegue ver retorno financeiro.

"O modelo que está sendo agora questionado até pelas majors precarizou o trabalho de artistas e profissionais de gestão de carreiras, que usam os DSPs como portfólios para recuperar o investimento da gravação com música ao vivo, visto que a atividade não é sustentável apenas com lançamentos nas plataformas. Essa foi a desvantagem para artistas. Por outro lado, a desvantagem para majors foi a maior competitividade entre seus artistas e os milhões de artistas/produtores independentes lançados diariamente nas plataformas.”

User-centric: mais complexo do que parece

A principal vantagem desse modelo é a criação de uma ligação financeira mais direta entre a audiência e o/a artista, de acordo com Luiz Garcia:

"Os valores gerados por cada usuário seriam distribuídos com base em seu consumo, ao invés de levar em consideração os plays totais da plataforma. Existe o entendimento que esse modelo equilibra melhor os ganhos entre os artistas mais populares e os artistas de nicho, capazes de criar uma audiência fiel.”

Luiz Garcia. Foto: divulgação

Entretanto, Garcia, que chegou a gerenciar o lançamento de importantes produtos musicais no Brasil, como o Reels e Música nos Stories, ambos do Facebook e Instagram, alerta que o modo passivo com que as pessoas se acostumaram a ouvir música, deixando que o algoritmo escolha o que vão escutar, pode atrapalhar o sucesso do modelo user-centric.

"Hábitos são impactados pelos novos modelos, desde a introdução das playlists editoriais, recomendação via algoritmo, rádio baseada em artista ou álbum, até o recente anúncio da nova home do Spotify, baseada em feed e com um DJ personalizado baseado em AI. A plataforma comunicou recentemente que quase metade dos plays são gerados através de recomendações. Esse percentual irá aumentar ainda mais depois das mudanças na interface", explica.

Com larga experiência como consultora de planejamento e gestão de carreira artística a partir da análise de dados e tendências de comportamento de público, Dani Ribas lista ao menos três questões cruciais para os artistas fora do mainstream que não seriam resolvidas com a adoção do modelo de pagamento user-centric:

1) Modelo de recomendação algorítmica guiado por popularidade dentro de clusters de gosto (que reforça a recomendação de quem já é popular, tanto no modelo pro-rata como no user-centric);

2) Falta de transparência nos modelos de recomendação algorítmica (discussão análoga à das plataformas e fake-news: o que é recomendação e o que é “propaganda” feita em forma de recomendação?). Especialmente após a chegada do Discovery Mode e do Marquee, que são importantes recursos de marketing para artistas no Spotify, mas que nublam a fronteira entre recomendação e “payola” (jabá);

3) Falta de transparência em relação a alguns intermediários até o pagamento para os titulares, na ponta.

Em resumo, explica Ribas, "a vantagem do user-centric é questionar o pro-rata, e a desvantagem é não resolver os gargalos, já que os problemas do mercado vão além da modalidade de cálculo.”

Luiz Garcia crê que o user-centric ainda precisa ser melhor discutido.

"Aplicar este modelo seria mais complexo para as plataformas e também traria efeitos em toda a cadeia até chegar no artista, desde a forma de calcular adiantamentos até os relatórios de pagamentos de royalties. Mesmo assim, o saldo pode ser positivo para a indústria num momento de desaceleração do crescimento. Acredito que veremos mais testes sendo aplicados entre plataformas e detentores de direitos, como o anúncio recente da colaboração entre Deezer e o Universal Music Group, mas uma mudança completa levará alguns anos e alguns ciclos de negociação de contratos.”

Há outras alternativas na mesa?

A colaboração à qual Garcia se refere foi anunciada em março. A Universal Music e a Deezer farão pesquisas conjuntas para encontrar modelos financeiros alternativos ao market-centric. Segundo um comunicado assinado pelas duas companhias, os testes serão feitos através da análise de dados. O objetivo é trazer soluções que "reconheçam mais a criação artística e os fãs de música" e proporcionem aos artistas "mais benefícios comerciais", sem deixar de contribuir para que "o mercado de streaming continue crescendo".

A UMG, maior gravadora do mundo, tem sido incisiva nas críticas ao modelo market-centric. Em janeiro, a empresa já tinha anunciado uma parceria semelhante com outra plataforma, o TIDAL. Naquele mesmo mês, também vazou uma carta do presidente da companhia, Lucian Grainge, em que o executivo disparava críticas ao sistema pro-rata e pedia uma evolução do modelo econômico da música digital.

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No anúncio à imprensa da parceria com a Deezer, Grainge elogiou a decisão da Apple Music e da Amazon de recentemente aumentarem o preço de suas assinaturas. "Os fãs reconhecem o enorme valor oferecido pelas assinaturas de música, que ainda é uma forma de entretenimento de alto valor e custo relativamente baixo.”

Michael Nash, vice-presidente da Universal Music. Foto: divulgação

Depois, reforçou que a indústria deve cuidar para que seus artistas continuem produzindo. "Assegurar que o trabalho dos artistas está sendo valorizado da maneira justa deveria ser uma prioridade para qualquer um que deseje que a indústria siga crescendo".

"Os streamings fariam melhor se monetizassem as relações de alta intensidade entre artistas e seus fãs. Isso virá com a monetização dos superfãs. Nós temos conversado com as plataformas para criarem mais ofertas neste sentido", disse Michael Nash, vice-presidente e diretor digital da UMG.

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