Cantora e compositora quer que o público conheça melhor sua relação com a música e diz que mulheres não precisam de validação masculina
Por Kamille Viola, do Rio
Divulgação
De seus 30 anos de idade, ela passou 15 nos palcos, sendo oito ao lado de seus irmãos. No ano passado, no entanto, a cantora e compositora Gabi Melim anunciou que sairia em carreira solo. Após adotar como nome artístico na nova fase somente Gabriela, ela acaba de lançar seu primeiro álbum. O trabalho, homônimo, tem 13 músicas (e uma faixa-bônus será liberada mais à frente), todas assinadas por ela com parceiros, entre eles Chico Brown e o sergipano Bruno Berle, que participa cantando em “Amor Inteiro”. Gravado no Rio de Janeiro (ela é niteroiense, mas há nove anos mora na capital do estado), o disco foi produzido por Gabriel Geraissati, da banda Big Up, e José Gil, do trio Gilsons, e tem beats de Pep Starling.
Gabriela explica que esse é um trabalho de transição, que traz um pouco de tudo o que a influenciou durante esses anos de trajetória.
“É um álbum que mergulha muito nas brasilidades musicais. A gente tem um pouco de baião, coco, ijexá, reggae, pop, uma canção mais lenta no piano... Ele passeia por muitos lugares”, enumera.
A mudança de nome veio para marcar a mudança na sonoridade de seu trabalho.
“Tenho muitas referências que acabei não explorando profundamente nesses oito anos de Melim, por ser um grupo. O nome Gabriela vem justamente por ser um disco tropical e brasileiro, e remete à literatura de Jorge Amado, ‘Gabriela, Cravo e Canela’. Ele traz a identidade desse novo momento”, explica.
Embora, por um lado, demande mais energia do que o trabalho em grupo, pelo fato de haver muita coisa para gerir sozinha, ela está gostando de viver esse momento solo.
“Eu fico muito feliz de estar conseguindo fazer o que eu de fato acredito. Estou me sentindo livre para fazer o que quiser, por não precisar negociar algumas coisas nas quais eu acredito intuitivamente. Numa banda, às vezes você tem que trazer argumentos a mais para fazer a galera entender seu ponto de vista. Quando está só, consegue seguir muito do que você sente que tem que fazer. Então, artisticamente tem sido maravilhoso”, comemora ela. “Por ter ficado oito anos na Melim, às vezes eu me esqueço, mas comecei solo, muito novinha. Esse resgate das minhas raízes tem sido muito bom”, diz.
Contrariando uma tendência forte de mercado, o álbum traz apenas um feat, “Amor Inteiro”, com Bruno Berle. Gabriela conta que eles foram apresentados por Gabriel Geraissati e que a conexão foi rápida.
“O Biel falou que eu iria adorar compor com ele. Realmente teve essa fluidez, o Bruno sempre com ideias melódicas que me surpreendiam. Ele tem um jeito de escrever diferente do meu e muito complementar. É muito talentoso”, ela elogia. “Eu não tinha o objetivo de fazer feat agora, queria que a galera pudesse me conhecer por completo. Porque, em um grupo, a gente acaba sabendo só um pouco de cada integrante. Sinto que, às vezes, as pessoas não fazem uma leitura exata de como eu sou, e achei que esse trabalho poderia ajudá-las a saber o porquê de eu estar aqui, quais as minhas referências, e o fato de eu ter muita profundidade e conexão com a música. Isso até gerou frustração em alguns amigos. Eu falei: ‘Calma, é um outro momento.’ Mas o Bruno simplesmente aconteceu, eu não consegui não tê-lo no álbum”, completa.
Gabriela passou uma semana compondo com Bruno e outros amigos, como Gabriel Geraissati, Juliano Moreira (que foi guitarrista da Melim nos oito anos de existência da banda) e Tenison Del Rey. O resultado foi que mais de 15 músicas nasceram no período. Amigas compositoras como Julia Mestre e Maria Gadú não puderam participar das sessões de composição por questões de agenda, o que ela lamenta, já que os homens são maioria entre os autores — e na indústria da música em geral.
“Isso é fruto do patriarcado, essa coisa do machismo nunca incentivar a mulher no campo do trabalho criativo. Eu acho que a gente está desconstruindo isso aos poucos, mas acaba moldando um cenário em que realmente você tem menos mulheres e mais homens. De fato, me incomoda”, pontua.
A artista, que compõe desde nova, conta que se sente em uma redoma, cercada por pessoas que a admiram como compositora. Hoje, ela se sente muito respeitada, ouvida e validada. Mas nem sempre foi assim.
“Foi um grande desafio ao longo desses anos todos. A gente é muito desacreditada, em muitos lugares, e isso mexe muito com o nosso emocional, ao mesmo tempo que também torna a gente mais forte para lutar pelas coisas em que a gente de fato acredita”, desabafa. “Já sofri bastante com isso. Nem sempre respeitam o trabalho das mulheres ou enxergam que você é capaz. Já aconteceu de não acreditarem que eu tinha escrito as minhas próprias canções. Em todos os âmbitos profissionais, a gente, que é mulher, tem que se provar muito. Mas eu acho que também cabe um pouco a nós essa desconstrução, de não buscar a validação masculina nas coisas”, avalia.
Ela diz que sempre se envolveu muito em todas as fases da realização de seus discos na Melim, mas nunca tinha vivido leveza como a que sentiu no novo trabalho. Gabriela conta que já passou por situações desconfortáveis dentro de estúdios, por serem espaços de maioria masculina, e que nunca se sentiu tão respeitada dentro de um como agora.
“Eu participei de todo o processo: escrevi as canções, escolhi os músicos, escolhi os produtores, estive lá em todos os dias que a gente produziu, estive durante o processo de de produção das faixas, de gravação dos instrumentos, produzi os meus arranjos vocais, gravei minhas vozes, participei do processo de mixagem e masterização, tudo. Eu me envolvi em todas as etapas. Acho que, por ter escolhido 100% das pessoas com quem eu iria trabalhar agora, isso também colaborou muito”, comemora.
Disco lançado nas plataformas digitais, ela em breve cai na estrada com a turnê “Gabriela”, com datas e locais a serem divulgados. No repertório, estarão “sete ou oito” faixas do disco novo, “três ou quatro” da Melim e releituras de músicas de nomes como Lulu Santos, Os Paralamas do Sucesso, Gonzaguinha e Gilsons.
“São canções que me influenciaram de alguma forma, que a gente passou no estúdio e tinha tudo a ver com a estética desse novo álbum e desse novo show”, adianta ela, que garante não sentir frio na barriga pela reestreia solo. “A gente está se preparando tanto que, quando o show de fato chegar para a galera, a gente vai estar bem segura”, garante.
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