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O que estaria por trás da ‘briga’ entre TikTok e a associação independente Merlin
Publicado em 04/10/2024

Plataforma chinesa não renovará contrato com a entidade e quer passar a licenciar diretamente com os selos; no Brasil, ABMI protesta

Por Alessandro Soler, de Madri

Colaboração de Ricardo Silva, de São Paulo

O TikTok anunciou esta semana que não renovará o contrato de licenciamento que tem atualmente com a Merlin, a conhecida associação que representa dezenas de milhares de selos, editoras e distribuidoras independentes mundo afora. Isto significa que, a partir do dia 31 de outubro, artistas como Adele, Diplo, Manu Chao ou, no Brasil, João Gomes e Wesley Safadão poderão ter suas músicas vetadas nos vídeos da plataforma chinesa. Isso porque os selos e editoras independentes que colocam seu cancioneiro no TikTok o fazem, em muitíssimos casos, através da Merlin — e nem todos terão tempo ou condições de buscar acordos individuais com a ByteDance, holding dona do aplicativo.

O problema, alega o TikTok, é que um número indeterminado de selos ligados à Merlin estaria “violando as leis de direitos autorais”, nas palavras da plataforma. Como? Publicando versões modificadas de músicas pertencentes a outras pessoas ou até mesmo subindo guias ou versões beta de gravações sem autorização, um tipo de fraude que já explicamos na Revista UBC.

Num comunicado ao qual a UBC teve acesso, o TikTok diz ter tido “desafios operacionais com a Merlin no passado, nos quais músicas sem o devido controle de qualidade de direitos autorais foram entregues a nós. O TikTok precisa ser capaz de controlar a qualidade do conteúdo que recebe”, afirma a plataforma.

Agora, em vez de emitir licenças-cobertor para milhares de selos, editoras e distribuidoras digitais através da Merlin, o TikTok espera fechar acordos caso a caso com cada uma das firmas independentes, escanteando a associação.

'NADA CONTRA A MERLIN'

Também em nota, Ole Obermann, chefe global de Desenvolvimento Musical e Propriedade Intelectual do TikTok, afirmou que a plataforma não tem “nada contra a Merlin”:

“Não se trata de uma má relação com eles. Ao fazer acordos diretos (com selos e outros players independentes), podemos resolver mais rapidamente problemas de direitos autorais que detectarmos. É simples assim.”

Há quem pense, porém, que este imbróglio é tudo, menos simples. É o caso da advogada Elaine Brandão, analista do mercado musical, para quem o “grande interesse” do TikTok no mundo independente tem ficado cada vez mais claro. Segundo ela, a tentativa de minar o poder da Merlin se inseriria num contexto de busca de hegemonia da plataforma entre os indies.

“Primeiro, em fevereiro e março, eles permitiram que a Universal retirasse todo o seu catálogo da plataforma por não ceder ante a gravadora mais poderosa do mundo e se recusar a pagar o preço que ela pedia pelo licenciamento das suas músicas. Mais recentemente, em agosto, eles anunciaram que 60% das músicas mais usadas nos seus vídeos eram independentes. Ora, está claro que, ao esnobar a Universal e destacar tão fortemente sua vinculação com os independentes, o TikTok está lançando uma mensagem: quer se tornar um player ainda mais poderoso no segmento off-majors. A Merlin não é uma major. Mas tem quase tanto poder quanto uma. Que melhor maneira de tentar reinar no segmento independente do que apartar a Merlin do jogo?”

Uma fonte ligada ao TikTok na Espanha, e que pediu para não ser identificada, sugeriu à UBC que a plataforma chinesa está incomodada com o poder de fogo da Merlin nas negociações de licenças. Afinal, os milhares de selos que compõem a associação respondem por coisa de 15% das receitas globais com música gravada, o que dá uma ideia do seu peso:

“Para o TikTok, não é interessante licenciar para uma só entidade que concentre tanto poder. Muito melhor é fechar contratos caso a caso, o que lhe dá um controle muito maior sobre tudo: preços, parcerias, até mesmo lançamentos exclusivos. Sabe aquela expressão dividir para conquistar? Pois é.”

No Brasil, a Associação Brasileira da Música Independente (ABMI) emitiu uma nota expressando “sua preocupação com a recente decisão do TikTok de não renovar o acordo de licenciamento com a Merlin, uma organização que representa milhares de selos e artistas independentes ao redor do mundo, incluindo o Brasil. Esta escolha representa um grave obstáculo para o mercado musical independente, comprometendo o ecossistema que impulsiona a diversidade e a inovação no cenário global da música.”

“A decisão da TikTok de não renovar o acordo com a Merlin pode enfraquecer a representatividade da música independente do país, que desempenha um papel crucial na promoção da diversidade cultural e regional. Sem um acordo coletivo, pequenos selos podem ter mais dificuldade em negociar individualmente, impactando negativamente sua visibilidade e participação em uma plataforma tão relevante quanto o TikTok. Isso pode comprometer a presença e o crescimento da música brasileira no cenário global”, criticou Felipe Llerena, presidente da ABMI.

Ex-presidente da entidade e membro do conselho administrativo da Merlin, Carlos Mills foi na mesma linha e destacou que a abordagem do TikTok para lidar com os produtores independentes é “preocupante”. Segundo ele, a plataforma está pressionando as gravadoras a optar por sair ou negociar individualmente, o que certamente resultaria em condições menos favoráveis.

“É essencial resistir a esse movimento para proteger a música independente, tanto no Brasil quanto no cenário global, garantindo que o setor continue a florescer com negociações mais justas”, ele opinou.

INSISTÊNCIA NAS FRAUDES

Ainda no seu comunicado sobre o tema, o Tiktok demonstrou “grande preocupação” com os casos “cada vez mais numerosos” de fraudes na música, que estariam por trás da sua decisão oficialmente. Nos últimos meses, e sem relação necessariamente com a Merlin, alguns crimes contra os direitos autorais tiveram grande repercussão midiática. Em março, um dinamarquês foi condenado a 18 anos de prisão por usar bots (robôs) para inflar artificialmente o número de streams de 689 faixas que ele havia subido às plataformas.

Mais recentemente, em setembro, o governo dos EUA acusou um homem por três crimes graves relacionados a um suposto "esquema de US$ 10 milhões para criar centenas de milhares de músicas com inteligência artificial e usar bots para reproduzi-las nas plataformas bilhões de vezes.”

Numa carta enviada aos seus membros na semana passada, a Merlin comentava a interrupção abruta dos contatos com o TikTok para a renovação do contrato. Segundo a entidade, a plataforma “se retirou da mesa sem nem sequer nos dar a chance de negociar”. A Merlin afirmou também que “vem trabalhando de forma produtiva e colaborativa com o TikTok" no tema das fraudes, ressaltando que a plataforma chinesa não havia “levantado nenhuma preocupação” anteriormente sobre a abordagem da associação para o tema.

O TikTok, por sua parte, reiterou ter “o máximo respeito pela comunidade de música independente”, mas deixou claro:

“As gravadoras que desejarem continuar disponibilizando sua música no TikTok após 31 de outubro precisam revisar e assinar os acordos (diretamente com a plataforma) antes de 25 de outubro de 2024. Isso significa que o conteúdo não será removido, não haverá necessidade de reenviar nada, e o catálogo permanecerá na plataforma a partir de 1º de novembro de 2024.”

Todas as demais estarão fora… pelo menos até uma segunda ordem, o que, como sabemos, acabou ocorrendo na  briga com a Universal, já finalizada. Pouco mais de dois meses depois da espetacular remoção do catálogo, um acordo foi alcançado, e todo o cancioneiro da poderosa major já está devidamente de volta à biblioteca do app chinês.

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