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Morre Arthur Moreira Lima, gigante e popularizador do piano
Publicado em 31/10/2024

Especialista em compositores românticos e criador de iniciativas de difusão da música clássica, ele lutava contra um câncer no intestino

Do Rio

Pianista brasileiro mais premiado da história. Um virtuoso sem igual, tido por muitos como um dos maiores no instrumento em todo o mundo. Um dedicado popularizador da música de concerto no país. Arthur Moreira Lima colecionou adjetivos elogiosos ao longo de sua exitosa carreira. Morto aos 84 anos, nesta quarta-feira (30), o carioca que aprendeu a tocar com a mítica professora Lúcia Branco (a mesma que ensinou a Tom Jobim e Nelson Freire) brilhou por onde passou, desde que estreou sobre os palcos aos 8 anos de idade, no Teatro da Paz de Belém.

Ainda pré-adolescente, já vencia competições como os Jovens Solistas, da OSB (Orquestra Sinfônica Brasileira), em duas ocasiões. Foi o passe para o salto internacional: a educação em conservatórios na França e na Rússia. Neste último país, foi aluno de Rudolf Kehrer em Moscou, tornando-se um especialista em compositores românticos como Chopin e Liszt.

Em 1965, ficou em segundo lugar no Concurso Internacional Chopin, em Varsóvia. Poucos anos depois, também terminou entre os melhores na Competição Internacional Tchaikovsky, chamando a atenção da crítica estrangeira. Polivalente, além de se destacar tocando os românticos, brilhou interpretando modernistas como o russo Serguei Prokofiev e o brasileiro Heitor Villa-Lobos.

Mas não foi só como pianista clássico que Moreira Lima percorreu uma estrada bem-sucedida. Notáveis foram algumas de suas gravações de Ernesto Nazareth, Pixinguinha e outros compositores de samba e choro.

Seu álbum de 1975 dedicado a Nazareth, aliás, é tido por pesquisadores musicais como um grande ímpeto para o “resgate” da obra do notável criador de maxixes nascido no século XIX e, então, algo esquecido. Nessa mesma década de 1970, Moreira Lima se dividiu entre Rússia, França e Brasil, participando tanto de apresentações e gravações de alguns dos principais conjuntos do planeta —filarmônicas de São Petersburgo, Moscou e Varsóvia, sinfônicas de Berlim, Viena e Praga — como de discos importantes da música tradicional brasileira. Em 1982, por exemplo, tocou piano para o aclamado álbum “ConSertão”, do grupo Época de Ouro, fundado por Jacob do Bandolim.

A partir dos anos 1980, tomado pela certeza de que a música de concerto pode e deve ser difundida entre pessoas de todas as classes e formações, liderou iniciativas várias de popularização. Uma delas foi a criação do programa “Toque de Classe”, na extinta TV Manchete, apresentado por ele e com convidados como João Nogueira, Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Nelson Gonçalves e Moreira da Silva.

Já nos anos 1990, começou a se apresentar em comunidades cariocas como Rocinha e Mangueira, em concertos multitudinários. No final da mesma década, seus discos eram vendidos em bancas de jornal acompanhados de fascículos. E, no início dos 2000, empreendeu uma série de 500 concertos num caminhão-teatro que viajou por centenas de cidades das cinco regiões do Brasil.

Essa odisseia, aliás, foi habilmente contada no documentário "Arthur Moreira Lima: Um piano para todos", de 2022, no qual o diretor Marcelo Mazuras mostra uma série de apresentações do pianista entre 2002 e 2018, com direito a uma impactante imagem do artista e seu piano, além de toda a orquestra e seus instrumentos, em dois caminhões e uma van montados sobre uma balsa no Rio Solimões. 

Ele admite que poderia ter levado um quarteto de cordas ou uma formação qualquer que fosse mais simples e menos onerosa. Mas queria poder maravilhar as pessoas de rincões remotos, que provavelmente nunca haviam podido antes sentir a emoção de ver uma orquestra em atuação.

“As pessoas ficam ali como numa missa campal, ouvindo música”, ele comenta no documentário.

Esse jeito simples e tão sensível, ao mesmo tempo, comoveu não só as plateias que o viram. Também os colegas de profissão o reverenciam.

“Foi o pianista brasileiro que mais me emocionou na vida e, talvez, um dos maiores intérpretes de Chopin dos séculos XX e XXI”, resumiu João Carlos Martins, maestro e pianista, em entrevista à Globonews.

O maestro Roberto Tibiriçá foi sucinto numa postagem do Instituto Piano Brasileiro:

“Oh, meu querido amigo. Que pena!”

O próprio Instituto deixou sua despedida a Moreira Lima, sentenciando:

“Nossos agradecimentos a esse gigante incomparável, por tudo que fez pela cultura brasileira e pianística. Que seu nome seja sempre reconhecido entre os heróis brasileiros.”

Nas redes sociais, as homenagens se repetiram entre perfis de gente tão distinta como o novelista Manoel Carlos e o ex-deputado Roberto Freire. A proximidade com o mundo político, a propósito, sempre foi uma marca de Moreira Lima, que por décadas esteve filiado a partidos vinculados à esquerda, como o PDT e o PSB.

Radicado em Florianópolis, há cerca de um ano ele teve um câncer de intestino diagnosticado. Internado há duas semanas no Hospital da Caridade, na capital catarinense, não resistiu ao avanço da doença. O velório será nesta quinta-feira (31), das 12h às 16h, no cemitério Jardim da Paz, em Florianópolis.

 

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