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Música independente é quase 50% do mercado, mas desafios são muitos
Publicado em 18/11/2024

Pesquisa global traduz força de selos e artistas independentes; por outro lado, é grande a concentração de receitas entre maiores do setor

Por Nathália Pandeló, do Rio

Não é de hoje que o mercado musical testemunha o crescimento das gravadoras independentes e dos artistas musicais autônomos. Agora, uma nova pesquisa internacional coloca um dado relevante nessa percepção: entidades indies representaram em 2023 46,7% da participação no mercado mundial de música, coisa de US$ 14,3 bilhões (R$ 82,9 bilhões). Uma posição que vem acompanhada de desafios, que incluem problemas com o streaming, a dificuldade para divulgar uma quantidade de artistas que se multiplica exponencialmente e a crescente concentração de receitas entre os maiores do setor.

O estudo, feito pelo MIDiA Research, levou em conta dados e finanças de selos e gravadoras de diferentes continentes, todos não ligados às maiores do mundo — Sony, Warner e Universal. O resultado mostra que regiões como Ásia-Pacífico, Oriente Médio e África Subsaariana — distantes da ótica ocidental — apresentam uma crescente participação de gravadoras locais independentes, muitas vezes operando como grandes players regionais. Isso vem, aos poucos, mudando o equilíbrio da balança do mercado, trazendo uma nova dinâmica para todos os envolvidos.

A pesquisa revelou, por outro lado, que menos de 0,5% das quase 13 mil gravadoras independentes gera um terço das receitas do setor. Esse dado expõe uma brutal concentração de recursos em poucas mãos, o que limita as possibilidades de crescimento para a maioria dos artistas e pequenos selos. A distribuição desigual desafia a sustentabilidade do mercado e amplia a distância entre os poucos que têm acesso a grandes recursos e a maioria que luta por visibilidade e financiamento.

“A concentração tende a crescer devido ao interesse de grandes empresas na aquisição ou administração de selos independentes promissores. O mercado de música gravada tem sido, cada vez mais, visto como um ativo financeiro desejável, estimulando a compra de catálogos e expandindo a influência das majors no setor independente”, explica Talita Cordeiro, diretora-geral da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI).

Talita Cordeiro, da ABMI. Foto: arquivo pessoal

DIFÍCIL PARA OS ARTISTAS

Artistas brasileiros compartilham experiências que confirmam as dificuldades apontadas pela pesquisa. A cantora e compositora Clarice Falcão, por exemplo, descreve o cenário como mais desafiador do que no início de sua carreira.

“Eu tenho achado ser um artista independente bem difícil, bem mais difícil do que quando eu comecei, uns 10 anos atrás. Acho que tem sido muito difícil ser um artista pequeno ou médio”, afirma, aventando o enorme aumento da produção musical contemporânea como uma dificuldade adicional para se destacar.

Para ela, o problema de financiamento não se resolve apenas sendo autêntico e buscando fazer um trabalho que traga algo único:

“Eu financiei minha música com dinheiro de outras coisas, especialmente de publicidade. Fiz um comercial para o (supermercado) Pão de Açúcar e reinvesti na minha carreira.”

É amplamente sabido que os recursos e a influência das gravadoras majors na hora de catapultar um projeto musical continuam a ser incomparáveis. As labels menores, no entanto, vêm buscando diminuir essa lacuna. Juntas, milhares de pequenas gravadoras, com rendimentos anuais inferiores a US$ 1 milhão, representaram uma parcela da receita do mercado de música gravada que é quase comparável à contribuição das grandes gravadoras. Porém, enfrentam dificuldades para destacar seus artistas (87%) e manter o interesse dos fãs (78%), segundo relataram ao estudo do MIDiA Research.

Clarice Falcão. Foto: Pedro Pinho

De forma estratégica, as independentes investiram US$ 1,5 bilhão em marketing em 2023, sendo que a maioria desse dinheiro veio de gravadoras pequenas. Quase três quartos delas veem a necessidade de um novo modelo de negócios para superar os desafios do streaming, que incluem fraudes, royalties fragmentados, a falta de engajamento contínuo e, claro, os pagamentos baixos.

“Os grandes players conseguem negociar de forma mais eficaz, garantindo condições favoráveis em licenciamento e distribuição, o que torna difícil para os independentes competir nesse cenário”, analisa Talita, que vê nas parcerias e na união do setor independente uma forma de contornar essa desvantagem. “A colaboração entre selos e produtores, facilitada por entidades representativas que buscam a regulamentação do mercado, fortalece a representatividade dos independentes e um crescimento sustentável.”

Porém, no que depender de movimentos recentes de players importantes da indústria, essa atuação dos indies em conjunto tende a ficar mais difícil. Como mostramos mês passado aqui no site, o TikTok não renovou o contrato com a Merlin, a conhecida associação global que representa dezenas de milhares de selos, editoras e distribuidoras independentes mundo afora. Agora, a poderosa plataforma de streaming chinesa negocia com cada selo, por pequeno que seja, caso a caso.

Uma fonte ligada ao TikTok na Espanha, e que pediu para não ser identificada, sugeriu à UBC que a plataforma chinesa estava incomodada com o poder de fogo da Merlin nas negociações de licenças. Afinal, os milhares de selos que compõem a associação respondem por coisa de 15% das receitas globais com música gravada, o que dá uma ideia do seu peso:

“Para o TikTok, não é interessante licenciar para uma só entidade que concentre tanto poder. Muito melhor é fechar contratos caso a caso, o que lhe dá um controle muito maior sobre tudo: preços, parcerias, até mesmo lançamentos exclusivos. Sabe aquela expressão dividir para conquistar? Pois é.”

STREAMING MAIS SUSTENTÁVEL

O streaming, segmento no qual o TikTok se insere, é dor e delícia para os independentes. Ao mesmo tempo em que o sistema de pagamento dominante, o market centric ou pro-rata, acaba priorizando os artistas que mais têm execuções globalmente a cada mês — quase sempre artistas de grandes gravadoras —, as plataformas também permitem explorar nichos e mostrar a própria música de uma forma mais livre.

“Os artistas médios e pequenos têm menos espaço, e, mesmo quando algo faz sucesso, manter o interesse do público é difícil”, resume Clarice Falcão. “Mas eu gosto de ter liberdade de postar o que quiser, compor o que quiser, fazer o disco no meu tempo. Sacrifico as vantagens de estar numa gravadora por conta disso.”

O novo relatório corrobora que a música independente tem seus desafios, mas um ponto é claro: ser independente não significa atuar sozinho. Pequenas gravadoras e artistas encontram em associações de classe e na colaboração com outros players menores uma fonte de força e apoio. A julgar pelos números de um mercado pujante e em expansão, e a despeito de jogadas debilitantes como a do TikTok, não há razões para acreditar que isso deixará de acontecer.

 

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