Baixa remuneração no streaming, falta de planejamento artístico e outras dificuldades ameaçam a criação; leia no artigo de Geraldo Vianna
Por Geraldo Vianna, de Belo Horizonte
Foto: Mariana Quintão
Recentemente foram publicados pela UBC os dados de uma pesquisa global sobre o mercado da música independente, realizada pelo MIDiA Research. Por um lado, animadores, mostrando um grande crescimento e, ao mesmo tempo, comprovando uma grande concentração econômica que favorece os maiores selos. Mesmo com esses números, aparentemente estimulantes, a realidade dos autores, infelizmente, não acompanha essa evolução e nos mostra uma profissão que corre grandes riscos, devido aos entraves econômicos consequentes da baixa remuneração das plataformas de streaming; da dificuldade de se manter no mercado de pequenos shows que se tornam inviáveis economicamente, bem como insuficientes para fomentar uma carreira, levando os artistas ao desânimo, à decepção e à busca de novos rumos para suas vidas.
Em qualquer empreendimento artístico, são planejados os custos de uma produção alinhados aos benefícios (resultados). No caso da música, uma divulgação com foco no público-alvo, hoje pulverizado em nichos, contando com a abertura de portas junto aos produtores de eventos, veiculação nos órgãos de comunicação ao público e rentabilidade proporcional na execução pública. Consequentemente, o envolvimento com o meio artístico e novas conexões com o mercado, que garantam a sustentabilidade de uma carreira.
Infelizmente, a evolução tecnológica, a facilidade de acesso às plataformas digitais e a acessibilidade aos equipamentos de produção criaram um estímulo à gravação de álbuns e singles sem um projeto artístico básico e plano de ações que possibilitem levar a cabo um planejamento estratégico. O foco tem sido o “faça você mesmo”. Desmantelando uma rede criativa que divide os benefícios, fazendo os rendimentos circularem e fomentarem a formação profissional e manutenção de carreira, em todos os âmbitos. Uma verdadeira demonstração do enfraquecimento econômico e desmonte de estruturas que sustentavam o mercado independente, beneficiando os verdadeiros artistas dedicados à profissão.
Enquanto isso, as mesmas plataformas que prometem oportunidades comprometem a evolução de uma arte que, até então, era considerada uma mola propulsora da criatividade e evolução de nossa linguagem musical. Redes sociais se tornaram verdadeiros sites de venda com pseudovantagens, onde residem grandes vendedores de sonhos que estão nos levando a um verdadeiro pesadelo cultural. Divulgam seus préstimos com publicidade paga às redes, propondo cursos que prometem ensinar como trabalhar uma carreira nessas mesmas redes e plataformas de streaming que, ironicamente, remuneram mal os criadores.
Depois de uma enxurrada de músicas disponibilizadas ao público, muitas delas sem a priorização da organização e envolvimento artístico, nos vemos sufocados pela imensidão de títulos que não geram nenhuma remuneração. Tampouco contribuem para uma evolução de linguagens que deem continuidade à vertente brasileira da originalidade. Qualidade artístico/musical transformada em quantidade e cultivo de um falso glamour, desqualificando e dificultando a formação de público. Muitos se adaptando ao ilusivo mercado promovido pelas redes sociais, em busca de sucesso. Moldando seu trabalho às exigências do momento, alimentando a falta de originalidade e, ao mesmo tempo, trabalhando, sem remuneração, para as chamadas big techs. Investindo no improvável.
Por que criar? Por que investir na produção? Para que dedicar horas de trabalho à composição ou ao estudo de um instrumento? Essas perguntas não encontram respostas imediatas para aqueles que necessitam de recursos para o sustento no dia a dia. Frustram todas as perspectivas de sobrevivência com a arte.
Em um processo relâmpago, assistimos ao esmorecimento de grandes vertentes artísticas. A disseminação de conteúdos gerados sem um compromisso artístico, com qualidade técnica e viés cultural, fere todos os conceitos que visam o entretenimento, a promoção do criador e intérprete, a proliferação da arte e a expansão econômica.
A responsabilidade é, principalmente, da indústria, agregadores, plataformas de streaming e todos os veículos de comunicação ao público, que têm um papel fundamental nesse processo e são responsáveis pelo futuro e saúde da música. Não basta gerir os negócios, estudar as tendências, criar metas e movimentar economicamente o mercado se não há uma remuneração justa, que valorize o criador. As consequências serão desastrosas e colocarão em risco a cadeia produtiva da música em todo o mundo. Não se trata mais somente de negócios, mas de cuidar para que continuemos investindo na criatividade humana. Facilitando a experimentação e busca de identidade própria, criando novas linguagens, sem sucumbir aos riscos e danos que uma diminuição da produção poderá causar, cedendo seu lugar à inteligência artificial generativa.
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