Dois terços das receitas totais da plataforma teriam ido para gravadoras, editoras, compositores e intérpretes; veja outros dados divulgados
Por Ricardo Silva, de São Paulo
O Spotify anunciou ter distribuído só em 2024 US$ 10 bilhões (R$ 58,5 bilhões) em royalties a gravadoras, editoras, compositores e intérpretes. Segundo a principal plataforma de streaming musical do mundo, é o maior valor de todos os tempos e o equivalente a 10 vezes o que pagou dez anos antes, em 2014. Além disso, nos últimos dois anos (2023 e 2024), o Spotify diz ter pago US$ 4,5 bilhões (R$ 26 bilhões) apenas a editoras e compositores, com crescimentos anuais de dois dígitos nesses valores.
Os dados são o grande destaque da edição 2025 do relatório Loud & Clear, relativo ao ano passado e divulgado oficialmente nesta quarta-feira (12) em Estocolmo. Na apresentação dos números à imprensa, na segunda-feira (10), Bryan M. Johnson, chefe de parcerias entre artistas e indústria, ajudou a pontuar uma série de cifras que, segundo ele, provariam que o Spotify é um grande estimulador dos artistas independentes mundo afora. Algumas delas:
“Cerca de dois terços de toda a nossa receita com música vão diretamente para os detentores dos direitos de gravação e publicação, que geralmente são gravadoras, editoras musicais e sociedades de gestão coletiva”, afirmou Johnson, tentando rebater acusações de que o Spotify não paga o suficiente aos titulares de direitos. “O setor independente fica com metade (dos ganhos), e Brasil, Índia, Coreia do Sul, Indonésia e Egito mostraram desempenhos particularmente fortes no setor independente em seus mercados em 2024.”
Outro dado que ele trouxe mostra que a estratégia de pesos-pesados da indústria musical brasileira, como Anitta e Ludmilla, parece ser acertada: os feats, ou parcerias, com nomes fortes de mercados estrangeiros realmente ajudam a ampliar a base de fãs e de escutas na plataforma. De todos os artistas que geraram mais de US$ 1 mil em royalties ano passado, mais da metade teve audições fora do seu mercado de origem. E mais de 80% dos que tiveram mais de US$ 100 mil em receitas fizeram feats com pelo menos um artista estrangeiro.
A internacionalização também ficou evidente no número recorde de línguas em que gravaram os artistas que tiveram receitas de pelo menos US$ 1 milhão ano passado. Foram 50 os idiomas usados nessas gravações, o dobro de 2017. E oito idiomas tiveram ganhos com royalties acima de US$ 100 milhões: inglês, espanhol, japonês, francês, português, italiano, coreano e alemão. Em 2017, apenas os dois primeiros superavam essa barreira.
Num contexto em que, segundo dados da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), 500 milhões de pessoas pagam assinaturas premium nas diferentes plataformas de streaming no mundo, o Spotify disse apostar no crescimento da base de superfãs, aqueles dispostos a engajar-se (e pagar) cada vez mais em conteúdos "especiais" dos seus ídolos. No comunicado que acompanha a divulgação do Loud & Clear nesta quarta-feira (12), a plataforma disse:
“O futuro da música está sendo moldado por sua força mais apaixonada: os fãs. Novas oportunidades de inovação, colaboração e expressão criativa surgirão à medida que eles continuarem a apoiar e valorizar os artistas nas plataformas de streaming. Com o acesso global a sons e culturas diversas mais forte do que nunca, os artistas continuarão a ultrapassar limites, e os fãs terão um papel ainda mais significativo na construção da próxima era da música. A indústria não está apenas crescendo, está evoluindo para um ecossistema onde ouvintes e criadores prosperam juntos.”
Há alguns dias, relatos na imprensa especializada deram conta de um primeiro e forte passo do Spotify na direção da capitalização com os superfãs. A plataforma estaria entre as que vêm tendo conversas com a todo-poderosa Ticketmaster, detentora de um quase monopólio na venda de ingressos de grandes shows, para oferecer entradas com exclusividade aos seus assinantes. Mas não assinantes quaisquer; o Spotify está prestes a lançar uma assinatura super premium para os superfãs dispostos a desembolsar US$ 5 (R$ 29) a mais a cada mês, além da assinatura que já pagam, por “experiências exclusivas” de consumo de música.
Apple Music, Amazon Music e outras estão também nesse movimento. Enquanto isso, a gigante sueca do streaming luta para se livrar da pecha de má pagadora aos compositores e outros titulares. E de acusações como fazer pouco para banir música sem licença dos seus podcasts.
MAIS PROBLEMAS COM PODCAST
Nesta segunda (11), aliás, os podcasts, uma das principais apostas do Spotify para se diferenciar das demais plataformas, protagonizaram outra controvérsia: o programa “PHD - Pimping Hoes Degree”, ou diploma de exploração de mulheres, em tradução livre, entrou no foco de críticas nas redes sociais. Apresentado pelo ex-lutador britânico de kickbox Andrew Tate, acusado de tráfico de mulheres e sonegação fiscal milionária, o podcast é acusado de promover conteúdos altamente misóginos com afirmações como “mulheres não conseguem fazer várias coisas ao mesmo tempo, só os homens conseguimos”, “elas são péssimas em tomar decisões”, “elas querem ser mandadas” e “não existe uma mulher compreensiva, gentil e que te respeite; você tem que obrigá-la a ser assim”, o personagem, ídolo da extrema direita internacional, vem disseminando machismo livremente, sem que o Spotify faça muito para impedi-lo.
Já faz alguns anos que a política da plataforma é ingerir o mínimo possível nos conteúdos dos seus podcasts, removendo apenas aqueles cujo conteúdo seja terminantemente proibido pelos termos de uso. Sob escrutínio do mercado e dos usuários, o Spotify terá que ir além caso queira alcançar, “num curto prazo”, o número mágico de 1 bilhão de assinantes premium para o conjunto das plataformas, meta que mencionou durante a divulgação do Loud & Clear.
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