Artistas, produtores e críticos musicais criam perfis ali com a esperança de monetizar e fidelizar público - e sem precisar fazer dancinha
Por Eduardo Lemos Martin, de Bath, Reino Unido
A cantora e compositora britânica Laura Marling, 35, ostenta bons números na internet: são 142 mil seguidores no Instagram, mais de 1 milhão de ouvintes mensais no Spotify e 22 mil fãs no TikTok. Mas a plataforma na qual ela tem mais investido nos últimos meses é o Substack, o serviço de publicação de textos e envio de newsletters. É onde ela tem o menor público: 19 mil seguidores.
“Estou nas nuvens. Ainda não sei qual será o formato exato, mas há muito o que compartilhar e, pela primeira vez, por causa do meio, eu estou realmente ansiosa para compartilhar", escreveu a artista em uma de suas primeiras postagens, em junho de 2024, comemorando a conquista de 3 mil seguidores em apenas uma semana.
O “meio”, o Substack, foi lançado em 2017 como um espaço para escritores publicarem seus textos e cobrarem assinaturas mensais de seus leitores. Esteticamente, não tinha lá muitos floreios e lembrava uma plataforma de blog. Mas, nos últimos anos, o Substack passou a oferecer funcionalidades que permitem de gravações de vídeos e podcasts a transmissões ao vivo, além de um serviço de chat e app Notes, espécie de Twitter interno da plataforma.
O pacote tem atraído músicos de diferentes gêneros e gerações, que vêm usando a plataforma não apenas para escrever aos fãs, mas também para tocar ao vivo, gravar áudios e até compartilhar músicas inéditas, covers, demos perdidas. A cantora e poeta estadunidense Patti Smith, 78, é uma das mais populares ali e já soma 150 mil inscritos. Também publicam com frequência nomes como Jeff Tweedy, da banda Wilco (130 mil), a dupla Tegan & Sara (24 mil) e o herói indie Andrew Bird (2 mil). Moby, ícone da música eletrônica, anunciou sua chegada ao Substack há duas semanas.
Na era dos vídeos curtos, das dancinhas e da batalha por atenção, por que esses artistas estão apostando em escrever textos e enviá-los por email?
“Porque os músicos estão se conscientizando de que ter 20.000 seguidores não significa que você possa realmente alcançá-los. Então, quando esses artistas anunciam um novo álbum ou uma nova turnê, 90% dos fãs ficam no escuro e nunca veem essas atualizações. Aderir a uma plataforma como o Substack facilita para os músicos coletarem endereços de e-mail de seus fãs e criarem um mailing, o que ainda é uma das melhores maneiras de alcançar as pessoas de forma consistente", explica Seth Werkheiser, especialista em marketing para artistas e, ele mesmo, dono da uma newsletter, a Social Media Escape Club, onde escreve dando dicas sobre… ser artista fora das redes sociais.
Seth Werkheiser. Foto: arquivo pessoal
RELAÇÃO MUITO MAIS PESSOAL COM O FÃ
A experiência é diferente também para o público, explica a escritora Gaía Passarelli, autora da newsletter Tá Todo Mundo Tentando:
“Para quem recebe essa informação, é muito legal, poque você não está sujeito a isso aparecer de forma algorítmica no seu feed. Você está recebendo uma informação porque você escolheu. Isso permite a criação de uma relação muito próxima entre quem cria e quem lê".
Outra razão é o sistema de monetização do Substack, que permite ao criador de uma newsletter definir uma mensalidade a ser cobrada dos leitores. A maioria opta por um sistema misto: alguns conteúdos são gratuitos, e outros só são liberados para assinantes pagos.
“E alguém pode ganhar dinheiro no Substack? Com ¿¿certeza. Pare de enviar todos os seus fãs para o Spotify e outras plataformas de streaming e, em vez disso, crie um link para sua página do Bandcamp. Claro, nem todo mundo paga para baixar músicas, mas você não está tentando conquistar todo mundo. Você está tentando fazer com que algumas pessoas no seu e-mail comprem seu álbum", diz Werkheiser.
Gaia Passarelli. Foto: Cauã Taborda
Embora o Substack não divulgue números oficiais, no Brasil ele ainda engatinha.
“A plataforma ainda não pegou nem no Brasil nem em outros países que não têm o inglês como idioma principal. Ainda é muito estadunidense. embora já tenha um alcance na Europa, mas é principalmente na Inglaterra. No Brasil, ele ainda é o nicho do nicho do nicho. A gente está falando de milhares de pessoas. Se for falar do universo da música, então, acho que são centenas de pessoas. É muito pequeno. Mas isso não é um problema. A gente tem que sair desse pensamento de redes sociais, de que tudo tem que viralizar, tudo tem que ter um alcance enorme, tudo tem que ser muito grande. Às vezes não tem. Às vezes, o Substack, para a galera da música, vai ser mais perto do Bandcamp do que do TikTok", diz Passarelli, que também ministra aulas sobre a plataforma.
Autor da newsletter Playlists e Poemas, o cantor e compositor paulista Gustavo Galo, da Trupe Chá de Boldo, diz que começou a publicar no Substack “para não enlouquecer”:
“Eu não tinha shows marcados no fim de 2023. Com um filho pequeno em casa, uma alegria imensa e, ao mesmo tempo, vários perrengues diários, passei a escrever quando ele dormia.”
Cerca de dois anos e 60 publicações depois, a newsletter - em que o artista reflete sobre a relação entre poesia e música - já soma centenas de leitores, algumas dezenas deles assinantes pagos.
“Alguns meses depois de começar a escrever, percebi que estava recebendo uma grana que, ao menos, ajudava a pagar uns boletos. É pouco, mas já é algo, dá um certo sentido, uma materialidade para o trabalho. Hoje ganho mais na plataforma do que em direitos autorais de vinte anos de carreira”, compara.
Gustavo Galo. Foto: arquivo pessoal
Para Passarelli, casos como o de Gustavo Galo mostram que, no fim, o mais interessante do Substack ainda é o simples fato de que ele permite ao artista captar os emails dos fãs e conversar com eles diretamente.
“E, às vezes, esse público não é imenso, mas ele é leal. Eu sinto que a construção da audiência na newsletter - eu estou fazendo isso há mais de 4 anos - é muito lenta. É um tijolinho que você coloca na sua casinha a cada edição, é uma coisa que acontece devagar. E é importante entender isso, porque a gente está muito acostumado com uma lógica de redes sociais em que tudo tem que ser rápido e crescer muito… Crescer quanto? Pra onde? Com quem?", pergunta a escritora.
SUBSTACK SESSIONS E UM UNIVERSO EM EXPANSÃO
Neste mês de abril, o Substack realizou seu primeiro festival de música, o Substack Sessions, com 10 dias de shows e bate-papos sobre música e criatividade, tudo acontecendo dentro da própria plataforma. Além de concertos de Patti Smith e de outros músicos-escritores, o evento contou com a participação de nomes como o escritor inglês Nick Hornby, do produtor de hip ho Rick Rubin e do crítico musical Ted Gioia.
Tanta gente de diferentes áreas da música no mesmo lugar chamou a atenção da jornalista e curadora digital Shanté Honeycutt. Em 2024, ela criou o Music Directory, uma newsletter-arquivo em que lista as publicações sobre música dentro do Substack a partir de categorias como “historiadores", “colecionadores", “curadores” e, claro, “músicos”:
“À medida que o Substack começou a desenvolver mais ferramentas de mídia social, percebi, ao navegar pelo aplicativo Notes, que muitos músicos estavam se perguntando como se encontrar. Pela minha experiência, descobri que o ranking da plataforma para a categoria música não era diversificado o suficiente para acomodar as diversas maneiras pelas quais os aficionados por música se apresentam. Por exemplo, nem todo amante da música é escritor por profissão, mas pode se destacar como curador de playlists. Foi assim que desenvolvi a ideia de criar um diretório, organizado por categoria, que dá às pessoas a oportunidade de definir seu trabalho com a música de acordo com seus próprios termos.”
Pôster com as atrações da primeira edição do Substack Sessions
Qualquer criador pode submeter a sua newsletter ao diretório, inclusive as escritas em português. É inegável, porém, que a plataforma ainda está muito restrita à produção cultural dos Estados Unidos, o que pode inibir a chegada de criadores brasileiros.
“O Substack ainda é muito pequeno no Brasil e nos países de língua hispânica. E eu acho que vai ser assim por um tempo. Para ele pegar no Brasil, a gente precisa, primeiro, de um esforço da própria plataforma em melhorar as funcionalidades dela para o idioma português brasileiro, e a gente precisa de uma newsletter que rompa a bolha. E essa newsletter ainda não apareceu…”, diz Gaía Passarelli.
Mas será que não vai ser justamente a música a criar o primeiro hit brasileiro no Substack?
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