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Youtubers virtuais, música por IA aos montes: o YT 'sem humanos' está chegando?
Publicado em 22/04/2025

Maior plataforma de vídeos do mundo publica relatório sobre o poder dos vTubers e lança ferramenta beta para criar trilhas automaticamente

Por Ricardo Silva, de São Paulo

A youtuber virtual Hatsune Miku em material de um festival do videogame Fortnite, do qual ela foi headliner. Foto: Divulgação/Epic Games

O YouTube rendeu duas notícias diferentes nos últimos dias que, segundo especialistas, apontam para um mesmo caminho: uma plataforma que, nas próximas décadas, estará cheia de conteúdos criados e interpretados por inteligência artificial. Seja mais ou menos apocalíptico, esse cenário escanteia os criadores de música e os intérpretes humanos — e, o mais importante, tira deles uma parte considerável de sua renda com direitos autorais e conexos.

Um relatório do final da semana passada, elaborado pela equipe de Cultura e Tendências do YouTube, mostrou que os vTubers, ou seja, os youtubers virtuais (fictícios), vêm crescendo sistematicamente nos últimos anos, representando já 16 dos 20 canais com maior monetização através da ferramenta Superchat. A força das transmissões ao vivo desses perfis é tamanha que, no mês de junho, eles conseguiram tornar o videogame Grand Theft Auto o assunto mais popular na plataforma.

“Em 2024, uma amostra de apenas 300 criadores virtuais do YouTube acumulou mais de 15 bilhões de visualizações em vídeos, transmissões ao vivo e Shorts, sendo um bilhão dessas visualizações só nos EUA”, explica o relatório.

MAS O QUE SÃO OS CRIADORES VIRTUAIS?

Popularizados no Japão na década passada, eles quase sempre têm a forma de animes (desenhos animados com estética mangá). Originalmente, eram dublados por pessoas (tanto nas falas como nas músicas que cantam, já que alguns deles também têm uma “carreira” no mercado fonográfico). Recentemente, as vozes passaram a ser sobretudo geradas por IA, assim como os textos e as músicas executadas nos canais. Com isso, a monetização fica inteiramente com as empresas criadoras dos personagens, sem pagamento de royalties a artistas humanos.

Uma das muitas artistas virtuais é a “cantora” japonesa Hatsune Miku, que tem 3,67 milhões de seguidores apenas em seu canal direto (dezenas de milhões nos canais criados por fãs ou indiretamente relacionados a ela), mais de 5,5 bilhões de reproduções de seus vídeos apenas em 2024 e apresentações no Coachella, como headliner de um festival dentro do videogame Fortnite e numa campanha publicitária do McDonald’s no Japão.

Não é, nem de longe, um caso isolado: segundo o YouTube, 57% das pessoas de 14 a 44 anos que usam a internet assistiram a um vTuber nos últimos 12 meses. E, segundo analistas, a grande maioria desses personagens já se ampara majoritariamente em conteúdos gerados por IA, abrindo mão completamente dos compositores, autores e intérpretes.

“É uma tendência irreversível. Parece uma distopia, algo como ‘1984’ ou ‘Blade Runner’. Esses conteúdos ligeiros de fácil consumo serão inevitavelmente 'livres de criação humana' futuramente. Só ainda não sabemos o quão próximo está esse futuro”, diz Elaine Brandão, advogada e analista musical que vê um movimento óbvio do YouTube/Google para estimular o uso de materiais automatizados e, pelas leis atuais, ainda sem proteção de direitos autorais.

FERRAMENTA DE IA PRÓPRIA

Também há alguns dias, o YouTube lançou, dentro da sua ferramenta Music Assistant, uma modalidade de criação musical por inteligência artificial. Permite gerar acordes, harmonias e arranjos personalizados a partir de comandos de texto. A novidade, A novidade, por ora em versão beta, está sendo liberada para criadores dos EUA que participam do Programa de Parcerias do YouTube. A tendência é que chegue a mais países ainda em 2025.

A funcionalidade permite descrever, em até 85 caracteres e em inglês, o tipo de faixa desejada. Basta inserir comandos sobre como a música deve soar ou com qual música ou gênero ela deve ser parecida. A IA, então, oferece até quatro sugestões instrumentais. Basta ouvir, baixar e usar.

“Na minha opinião, é uma evidência de que o sistema deles provavelmente foi treinado a partir da varredura sem licença de conteúdos criados por humanos. Como uma IA poderia gerar acordes a partir de comandos de texto se não tivesse por trás de si um enorme banco sonoro alimentado por grande parte das canções mundiais?”, pergunta a especialista.

A ferramenta foi demonstrada pela gerente de produto do YouTube, Lauren Lizbeth Thompson, no canal Creator Insider, e é voltada especialmente a quem busca trilhas sob medida para seus vídeos, “sem barreiras técnicas ou legais”, nas palavras bem sinceras dela.

Também são oferecidos filtros para explorar faixas por gênero, humor, BPM. Antes da nova funcionalidade, o YouTube lançou o Dream Track, ferramenta que permitia criar músicas no estilo de artistas famosos do mainstream. Depois dos protestos de intérpretes famosos, que vêm sendo cada vez mais vítimas de deepfakes com imitações de suas vozes, a proposta agora é mais neutra: faixas instrumentais, sem mimetizar a identidade criativa de ninguém.

Além do YouTube, outras plataformas têm apostado em coisas semelhantes. É o caso da sueca Epidemic Sound, que viu suas receitas cresceram 29% só em 2024, para US$ 181 milhões. Vídeos com canções geradas na Epidemic Sound ultrapassaram as 3 bilhões de visualizações por dia no YouTube e no TikTok. Com o Music Assistant, o YouTube passa a competir diretamente nesse mercado.

CONTRA OS DEEPFAKES. E SÓ

O YouTube publicou um comunicado em que diz apoiar o projeto de lei americano batizado de No Fakes, que busca proteger artistas contra deepfakes e usos indevidos de voz e imagem. Este é um dos muitos PLs que tramitam atualmente no Congresso americano sobre o tema, sobre os quais já falamos em matérias aqui no site. Um detalhe importante: o No Fakes só se refere à proteção de intérpretes contra o uso de suas vozes, nada dizendo sobre o uso indiscriminado de músicas criadas por humano e usadas para treinar sistemas de IA sem autorização prévia ou pagamento.

O YouTube diz colaborar com entidades como as associações americanas RIAA (indústria fonográfica) e MPA (editoras) para garantir o uso ético da IA.

“Estamos aplicando nossa experiência em gestão de direitos para garantir o uso responsável dessas ferramentas”, afirmou Leslie Miller, vice-presidente de Políticas Públicas do YouTube.

Como analisa o jornalista T James, que escreve na Billboard, a criação automatizada é uma aposta do Google/YouTube que veio para ficar.

“O futuro do conteúdo digital está ganhando trilha sonora própria, e ela começa com um prompt (um comando de texto para a IA). O YouTube oferece mais liberdade, mas é preciso lembrar que, por trás das máquinas, ainda está a sensibilidade humana. É ela que dá sentido à música”, ele diz.

Brandão corrobora e lança um alerta: 

"O uso massivo de conteúdos automatizados pode levar a uma uniformização das trilhas, seja para vídeos do YouTube ou outros produtos audiovisuais. E esconde uma questão preocupante, e sobre a qual pouco se fala: estudos já demonstraram que a disseminação dos resultados de IA e o uso deles próprios para treinar os sitemas, subtituindo as criações humanas, tendem a degenerar os próprios resultados futuros da IA, que passam a sair cada vez mais pobres, com erros e até esteticamente bizarros. Essa é a arte ligeira que queremos consumir?"

 

LEIA MAIS: O relatório do YouTube sobre os vTubers (em inglês)

LEIA MAIS: A quem pertencem os direitos autorais dos deepfakes?

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