Entenda o que artistas e compositores precisam dominar para licenciar seu catálogo para filmes, séries, games, publicidade etc.
Por Nathália Pandeló, do Rio
Fernando Dourado, da BOA Música Brasil, que nos ajudou a elaborar o passo a passo. Foto: @paul_pex
Quando “É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo”, de Erasmo Carlos, se tornou parte essencial da narrativa de “Ainda Estou Aqui” — filme brasileiro vencedor do Oscar —, ou quando “Running Up That Hill”, de Kate Bush, voltou às paradas após embalar momentos decisivos na série da Netflix “Stranger Things”, ficou evidente como uma música pode ganhar nova força ao ser sincronizada no contexto certo. Não à toa, esse tipo de uso tem se consolidado como uma fonte de receita consistente para artistas e compositores.
Se, antes, o caminho passava quase exclusivamente pelos supervisores musicais de grandes novelas e filmes, hoje o mercado está mais descentralizado. Os compositores e artistas podem licenciar suas músicas para uma variedade de formatos, que vão de trilhas sonoras de videogames e webséries independentes até produções para plataformas de streaming, ampliando as possibilidades de exposição e remuneração no audiovisual.
Estes exemplos deixam claro que entender como funciona a sincronização e estruturar o próprio catálogo pode abrir novas frentes de receita. Falamos com Fernando Dourado, country manager da editora musical internacional BOA Música BR e, com a ajuda dele, mapeamos 9 passos para começar a monetizar as composições com a ajuda de uma indústria multibilionária: a audiovisual.
1. Compreender o que é sincronização
Sincronização é o termo usado quando uma música é licenciada para ser usada junto com imagens em produções audiovisuais. A prática não só gera receita, mas também amplia a visibilidade de um artista ou compositor, inserindo sua obra em novos contextos.
“Sincronização é o casamento entre música e imagem — quando uma canção entra em uma cena de filme, série, comercial, game, vídeo institucional ou qualquer outro conteúdo audiovisual. Esse tipo de uso tem crescido como fonte de receita porque vivemos em um mundo cada vez mais conectado ao audiovisual e ao digital. A música certa, no lugar certo, pode gerar visibilidade global, renda recorrente e, ainda, impulsionar a carreira de quem está por trás dela. É arte e estratégia, e sem depender de algoritmos ou virais para funcionar”, explica Dourado.
2. Conhecer os formatos possíveis
A variedade de conteúdos que precisam de trilha sonora aumentou. Além de cinema e TV, produções voltadas para internet, redes sociais, publicidade digital, vídeos institucionais, trailers, podcasts e games também demandam músicas licenciadas.
“Filmes, séries, novelas, comerciais de TV e internet, trailers, documentários, games, vídeos de marcas, redes sociais, podcasts, vídeos institucionais... a lista só cresce. Tudo que tem imagem e precisa de música. E esse leque de possibilidades abre espaço para muitos estilos e perfis de artistas”, afirma o executivo, que completa: não há um estilo ou um gênero únicos procurados pelas produtoras audiovisuais, o que vale são a emoção e a autenticidade que sua música transmite.
3. Tratar a música como um ativo
Para que uma música seja licenciada, precisa estar preparada tecnicamente e juridicamente. Isso envolve registrar obra e fonograma, organizar os arquivos com metadados detalhados e disponibilizar versões alternativas. Nas palavras de Fernando Dourado, é preciso tratar sua música como um ativo, um bem:
“Isso começa com o registro da obra e do fonograma. Depois, é importante organizar seu catálogo com metadados — informação sobre estilo, clima, instrumentos, possíveis usos — e preparar versões alternativas das faixas (como instrumentais ou versões sem palavrões). Também é essencial deixar tudo acessível: um link bem apresentado com suas músicas e informações técnicas pode ser o detalhe que faz sua faixa chegar até um supervisor musical (o profissional que faz a ponte entre produções audiovisuais e as músicas das trilhas, e cujas atribuições já descrevemos nesta matéria aqui do site).”
Esses critérios também são valorizados em seleções públicas, como editais culturais que destinam recursos para trilhas sonoras. Ter o material pronto facilita a participação em projetos financiados por leis de incentivo ou fundos audiovisuais.
4. Contratar ou não uma editora?
Editoras musicais atuam como parceiras estratégicas, promovendo catálogos, negociando contratos e posicionando artistas diante de oportunidades reais. A grande vantagem das editoras é ter já contato com supervisores musicais e diretores de trilha de produtoras audiovisuais.
“Tudo isso também pode ser feito de forma independente, mas contar com uma editora ativa no mercado faz diferença. A editora não só cuida da parte burocrática e protege seus direitos, como também atua de forma estratégica: entende o perfil da sua música, apresenta para os players certos e te posiciona nos lugares onde você, sozinho, talvez não chegasse”, defende o manager da editora BOA Música.
5. Colocar a documentação em dia
Músicas com coautores ou fonogramas de terceiros precisam de autorização formal para serem usadas. Qualquer dúvida sobre a titularidade pode inviabilizar uma negociação — mesmo que a faixa seja perfeita para a cena.
“Tudo começa com clareza sobre quem fez o quê. Então: splits autorais acordados, obra registrada, fonograma com ISRC. Se tiver coautores, todos precisam estar de acordo com a liberação. Sem isso, nenhum supervisor arrisca usar a faixa”, alerta Dourado.
6. Saber quanto se paga pela sincronização
Os valores variam bastante: uma campanha nacional de TV pode pagar dezenas de milhares de reais, enquanto vídeos de redes sociais ou projetos menores podem render entre R$ 500 e R$ 5 mil. Mesmo com essa variação, o setor mostra crescimento.
“Pode ser desde algumas centenas de reais até valores bem altos, se for uma campanha grande ou uma produção internacional. Quem trabalha de forma próxima e estratégica com sua editora consegue fazer da sincronização uma fonte de renda relevante”, pontua o representante da BOA Música.
Não é exagero. Segundo a Pro-Música Brasil, as receitas de sincronização em 2024 chegaram a R$ 19 milhões, com crescimento de 36% em relação ao ano anterior.
7. Fazer networking e ir a festivais
Mais do que plataformas automáticas, o contato direto ainda é um dos caminhos mais eficazes para licenciar músicas. Fernando informa que os supervisores musicais, produtores audiovisuais e diretores costumam buscar faixas dentro de círculos de confiança.
“Existem, sim [plataformas], mas não conheço a fundo. Para mim, nada substitui o networking real e a curadoria de uma editora com visão de mercado e em relacionamento constante com supervisores musicais”, diz.
Eventos como Rio2C, Festival GIGANTES, Festival Coquetel Molotov e rodadas criativas organizadas por instituições como SEBRAE e SESC são espaços cada vez mais relevantes para fazer esse tipo de conexão.
8. Evitar os erros mais comuns
Organização, clareza e autenticidade são fundamentais. Enviar links sem informações, músicas com pendências legais ou tentar soar “comercial” demais costuma ser ineficaz.
Um erro recorrente? Fernando Dourado responde:
“Achar que é só mandar o link da música e esperar a mágica acontecer. O mercado de supervisores musicais valoriza organização, profissionalismo e empatia com o projeto do outro. É preciso cultivar cada proposta, se mostrar proativo na resolução. Outra armadilha: achar que precisa mudar seu som pra ser ‘comercial’. A originalidade é o que mais atrai os supervisores.”
9. Ter controle total sobre as obras facilita muito
Obras controladas 100% por quem as criou são mais simples de licenciar. Nesses casos, não há necessidade de consultar terceiros, o que torna o processo mais rápido — algo decisivo tanto para produções comerciais quanto para projetos com verba pública.
Para o executivo da BOA, o mais importante é “investir no seu próprio catálogo e, por assim dizer, na sua verdade artística. Cada vez mais há uma tendência de licenciar obras 100% controladas e cheias de originalidade.”
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