Instagram Feed

ubcmusica

No

cias

Notícias

Sessões de gravação por encomenda, oportunidade para músicos
Publicado em 06/06/2025

Mercado descentralizado e digital permite que instrumentistas apostem em trabalhos freelance para qualquer parte do mundo; veja como

Por Nathália Pandeló, do Rio

Enviar uma linha de baixo para uma cantora de MPB em São Paulo. Gravar sopros para uma faixa de rap produzida no Recife. Contribuir com percussões para um documentário argentino. Essas são apenas algumas das formas pelas quais os músicos brasileiros têm encontrado novas fontes de renda além de seus projetos autorais ou bandas fixas. Em um mercado cada vez mais descentralizado e digital, ser um instrumentista contratado para sessões de gravação se tornou um caminho viável de atuação profissional.

Com a internet como aliada, os músicos podem divulgar portfólios, estabelecer conexões com produtores e artistas do Brasil e do mundo e oferecer serviços a partir de seus próprios estúdios caseiros. A lista de possibilidades inclui gravações sob demanda, trilhas para publicidade, participações como sideman e muito mais.

COMO SURGEM OS CONVITES

Dois músicos brasileiros ilustram bem os caminhos possíveis nessa atuação profissional. Marcelo Callado é baterista e percussionista com carreira consolidada no rock alternativo e na MPB. Além de integrar bandas como Do Amor e a formação da Banda Cê com Caetano Veloso, também gravou com nomes como Arnaldo Antunes, Lucas Santtana e Nina Becker. Já Gabriel Grossi é reconhecido internacionalmente como gaitista e arranjador, com mais de 700 gravações no currículo, incluindo participações em álbuns de Chico Buarque, Milton Nascimento, Hermeto Pascoal e Beth Carvalho.

Muitos músicos entram nesse mercado pela convivência com outros profissionais, como conta Callado:

“A primeira vez que eu gravei alguma coisa como músico contratado foi por acaso. Eu estava ensaiando com a minha banda no estúdio Hanói quando o Arnaldo Brandão entrou e me chamou pra gravar uma faixa dele. Saí do ensaio, fui para a salinha de gravação e recebi por aquela faixa.”

Com o tempo, os convites passaram a surgir com mais frequência, mas a construção de boas relações e a entrega de qualidade nas sessões fazem toda a diferença.

“O essencial para manter boa relação é ter calma, paciência e escutar o que o artista ou o produtor têm a dizer. Tentar ter a cabeça aberta”, afirma Callado.

Nesse tipo de trabalho, muitas vezes não há espaço para tentativas ou refações. A expectativa é que o músico entregue uma boa performance em pouco tempo, o que exige domínio técnico, versatilidade e sensibilidade para entender o que a música pede. Afinal, tempo é dinheiro – e nem todo mundo tem um estúdio caseiro à sua disposição. 

AINDA NÃO CRIOU CONTATOS? CRIE PERFIS

A atuação dos músicos contratados ganhou força com o surgimento de plataformas como SoundBetter e AirGigs. Elas funcionam como marketplaces para serviços de gravação, produção, mixagem e outros, permitindo que músicos ofereçam seus serviços a clientes do mundo inteiro. A SoundBetter diz ter movimentado mais de US$ 80 milhões em pagamentos, reunindo mais de 400 mil usuários. A AirGigs afirma ter facilitado mais de 300 mil sessões.

Esses serviços se consolidaram como uma alternativa profissional viável. O pagamento costuma ser por faixa ou pacote, com as plataformas retendo uma comissão de 10% a 15%. A entrega é feita remotamente, com o músico gravando à distância e enviando os arquivos finalizados ao contratante.

As redes sociais, claro, também fazem toda a diferença nesse processo.

“A internet ajuda bastante. Você consegue com uma postagem bem feita mostrar o que pode oferecer. Vale divulgar no Instagram, no YouTube, fazer vídeos mostrando o que está gravando e como. Isso vira portfólio”, explica Grossi.

Mostrar bastidores, equipamentos, edições de faixas e trechos de gravações já realizadas ajuda a construir credibilidade. Além disso, serve como vitrine para novos contatos e convites, mesmo fora das plataformas especializadas.

Gabriel Grossi. Foto: Mariana Patriota

ESTÚDIOS CASEIROS

A possibilidade de trabalhar de casa tornou o processo mais ágil e democrático. Grossi e Callado são exemplos de músicos que montaram estruturas caseiras e passaram a atender demandas diversas, muitas delas vindas de outros estados ou países. 

“Eu tenho um esquema em casa e recebo convites para gravar baterias e percussões. Já fiz até guitarra para artistas do Brasil e do mundo. Um projeto com um artista da Colômbia, por exemplo, eu gravei todo em casa”, relata Callado.

Nas palavras de Grossi, o home studio “é um braço do músico”. Ele conta que boa parte do seu disco mais recente foi gravada assim, com convidados internacionais enviando arquivos à distância. O formato remoto permite colaboração constante, com feedback em tempo real e liberdade criativa.

Para começar, não é preciso ter uma estrutura complexa.

“Dá para começar simples: uma boa placa de som, um bom microfone e um bom instrumento. Com isso, já resolve superbem”, afirma Grossi.

Ele recomenda também o uso de pré-amplificadores e diferentes microfones, dependendo do instrumento e das demandas de gravação.

IDENTIDADE E ADAPTAÇÃO

Um dos dilemas para quem entra nesse mercado é decidir se deve focar em um estilo específico ou se adaptar a múltiplos gêneros. Callado vê vantagens nas duas abordagens:

“Você mostrar versatilidade é um atrativo, porque sabe tocar diferentes estilos. Mas às vezes o que as pessoas querem é alguém que tenha uma onda própria. O ideal seria ter os dois.”

Grossi concorda.

“Versatilidade é muito importante e especialização também. Um músico versátil por natureza já é um bom produtor. Mas tem artista que busca um especialista em determinado estilo. As duas coisas andam juntas.”

Trabalhar como músico contratado exige disposição para sair da zona de conforto. É comum gravar gêneros diferentes em um curto espaço de tempo e lidar com orientações técnicas diversas. Para se destacar, é preciso ter personalidade musical e saber moldá-la às necessidades do projeto.

REMUNERAÇÃO E RECONHECIMENTO

O valor pago a um músico contratado varia conforme o tipo de projeto, a quantidade de faixas e a complexidade da gravação. Callado explica:

“Se for para um artista independente, você faz um pacote baseado no número de faixas ou de horas. Se for um artista grande, tem tabela. E, se você não estiver se gravando, tem o trabalho de engenheiro de som, então tem que cobrar um pouco mais.”

Grossi costuma cobrar por faixa, mas leva em conta o tempo que cada música demanda:

“Às vezes gravo uma música em 10 minutos, mas cobro por tudo que estudei. Quanto melhor você fizer, quanto mais original, mais assinatura você tiver, mais caro você pode cobrar.”

Na maioria dos casos, o pagamento é único e o músico não participa da divisão de direitos autorais. Ainda assim, ter o nome nos créditos como instrumentista ou arranjador pode fortalecer a carreira e abrir novas portas. Negociar esses créditos é parte do processo.

Outro desafio comum é lidar com profissionais sem uma direção criativa e musical clara.

“Quando o produtor não sabe o que quer, pode ser um problema. Mas, quando ele sabe, chama a pessoa certa e tudo dá certo”, observa Grossi.

Marcelo Callado. Foto: Rogério von Krüger

DICAS PRÁTICAS

Para quem está começando a se estabelecer nesse mercado, o primeiro passo é construir um portfólio — mesmo que seja com gravações próprias ou em parcerias com amigos. Callado recomenda estudar constantemente:

“É essencial praticar, saber tirar seu som, tocar com metrônomo. E saber editar é muito importante nas gravações caseiras, porque às vezes a combinação dos takes é a que funciona melhor.”

A divulgação também é algo básico.

“Vale fazer vídeos, promover posts pagos, mostrar seu material e equipamentos. E, claro, montar seu portfólio tocando, gravando”, afirma Grossi.

Com consistência, o nome do músico começa a circular, e os primeiros trabalhos surgem.

Nesse mercado, o instrumentista atua como um prestador de serviço. Por isso, além do domínio musical, é importante cultivar pontualidade, organização e comunicação clara. Saber ouvir e colaborar são qualidades indispensáveis para manter boas relações e seguir na ativa.

“Você tem que entender qual é o seu papel naquela gravação. Se está sendo chamado para executar ou para apresentar ideias. E estar aberto a ouvir, a colaborar”, resume Callado.

Seja em uma sala de estúdio com artistas consagrados ou em casa com fones no ouvido e uma track aberta na tela do computador, o músico contratado continua sendo peça-chave na construção da música gravada — agora com mais autonomia e possibilidades do que nunca.

 

LEIA MAIS: 3 passos para montar um estúdio caseiro eficiente

LEIA MAIS: Uma entrevista com o maestro Julio Teixeira, Prêmio do Músico Brasileiro 2025

LEIA MAIS: 9 passos para emplacar sua música em produções audiovisuais


 

 



Voltar