À UBC, Ivan Ferraro antecipa como será a atuação da entidade representante dos festivais independentes para valorizar o setor
Por Alessandro Soler
Público lota uma edição do No Ar Coquetel Molotov, um dos 180 membros da Abrafin. Foto: divulgação/Ariel Martini
A Associação Brasileira de Festivais Independentes (Abrafin) tem uma nova diretoria para o triênio 2025-2027. À frente dela, Ivan Ferraro, fundador da Feira da Música de Fortaleza, músico, produtor cultural e diretor da produtora Midiamix Comunicação Viva, além de fundador da Prodisc – Associação dos Produtores de Cultura do Ceará. Com 180 membros de diferentes tamanhos e estruturas dentro do espectro independente, a associação quer não só jogar luz sobre a importância vital dos festivais independentes para a cadeia produtiva da música, mas sobretudo fomentar eventos melhores e economicamente sustentáveis.
“A Abrafin está fazendo 20 anos agora em 2025. A fundação dela foi um marco para a organização do setor. Estávamos (até então) fazendo coisas, cada um no seu estado, sem muitas conexões, principalmente políticas. Então, a Abrafin nos permitiu começar a nos organizar e pensar como um circuito nacional”, analisa numa conversa com a UBC. “Agora, queremos reforçar a articulação política. Precisamos estar mais presentes no Congresso, ter deputados e senadores parceiros, que elaborem políticas públicas condizentes com a importância do nosso setor.”
A mobilização pela criação de um Fundo Nacional da Música (FNM), nos moldes do Fundo Nacional do Audiovisual (FNA) e de iniciativas semelhantes em países como França e Austrália, também está no radar da atuação da Abrafin. Assim como um trabalho ativo junto aos produtores dos eventos, para permitir que o setor cresça sem bolhas ou distorções, como ocorreu no pós-pandemia.
“Não são muitos festivais, o que há é concentração, tanto territorialmente, no Centro-Sul, quanto temporalmente. Quase todos os festivais ocorrem no segundo semestre, pouca coisa no primeiro. Há uma concentração muito grande especificamente entre outubro e novembro. E existe aí nesse lugar uma desorganização. Não creio que a Abrafin possa resolver isso sozinha. Mas nas nossas metas está um letramento para dentro, falar com todos, tentar ajudar uma reorganização”, diz Ferraro.
Como está sendo este começo de trabalho desde a eleição (no final de julho)?
IVAN FERRARO: Muito tranquilo, uma transição simples. Alguns dos diretores já faziam parte. A Abrafin tem um histórico de conquistas, vamos dizer assim, desde a sua fundação, em 2005. Devemos, inclusive, fazer um evento de comemoração destes 20 anos. Ali no meio dos anos 2000, havia muita confusão na indústria. Os festivais eram a plataforma principal de difusão e circulação e até de venda dos produtos, com as banquinhas vendendo CDs, que ainda existiam, mas que tiveram um papel importante naquele momento da crise da pirataria. A fundação da Abrafin foi um marco para a organização do setor. Estávamos (até então) fazendo coisas, cada um no seu estado, sem muitas conexões, principalmente políticas. Então, a Abrafin nos permitiu começar a nos organizar e pensar como um circuito nacional. Foram muitas lutas políticas para fazer com que os festivais fossem reconhecidos como um elo importante. A gente teve a sorte, e não por acaso, de estar ali na gestão (Gilberto) Gil (como ministro da Cultura, durante o primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva). Fabricio Nobre (criador do mítico festival Bananada, em Goiânia) foi o nosso primeiro presidente. E fomos conseguindo inserir os festivais em editais específicos, que até então não existiam, conseguindo trazer maior visibilidade. Mas ainda há muito por conquistar.
Por exemplo?
Temos uma lista enorme de questões que precisam ser discutidas e implementadas em termos de políticas públicas. Dentro da Abrafin, a gente precisa, primeiro, reforçar a articulação política. Precisamos estar mais presentes no Congresso, ter deputados e senadores parceiros, que elaborem políticas públicas condizentes com a importância do nosso setor. Aliás, precisamos de um letramento maior dos gestores públicos em geral. Claro que hoje o Ministério da Cultura, com uma cantora e compositora à frente (Margareth Menezes), e algumas secretarias de Cultura de estados e municípios têm, sim, gestores que entendem e percebem, talvez nem sempre com não tanta profundidade como os profissionais, o que significam os festivais para a cadeia produtiva. Mas temos tido pouco avanço. Temos primeiro uma batalha para ter um fundo próprio, o FNM. É a batalha número 1. Existe no paralelo a iniciativa de se buscar a construção de uma Agência Nacional da Música, de uma instância que gerencie e articule e tenha um papel de fomento da área. Mas nós sabemos da dificuldade de curto prazo para a realização e execução de uma instituição como essa em nível estatal. O governo está numa linha de corte (de orçamento), então não dá para esperar muito. Mas dá sim para imaginar num curto prazo o Fundo Nacional, que não seria necessariamente só de recursos do estado, mas sim do mercado, inclusive com taxações de plataformas.
Ivan Ferraro. Arquivo pessoal
Que iniciativas e projetos vocês têm de portas para dentro?
No pós-pandemia, houve o boom de festivais, de eventos. Dos mais de 180 festivais que estão hoje no cadastro, possivelmente alguns nem existam mais. Temos que fazer esse estudo. Tivemos um vácuo grande na Abrafin depois do impeachment da presidenta Dilma (Rousseff). Em 2019, começamos a fazer uma tentativa de remobilizar a instituição. Ficamos com ela muito fragilizada, porque quase todos os estados e o governo federal cancelaram tudo que tinha a ver com cultura. Então veio a pandemia, e tivemos que sobreviver ali naqueles meses, festivais tentando fazer digital. E festival é encontro, né? Claro que surgiram muitas experiências boas online, e alguns festivais que eram presenciais também viraram online, mas, quando abriu, todo mundo queria sair de casa, havia uma enorme demanda reprimida. Cabem tantos? No Brasil inteiro cabem. Não são muitos festivais, o que há é concentração, tanto territorialmente, no Centro-Sul, quanto temporalmente. Quase todos os festivais ocorrem no segundo semestre, pouca coisa no primeiro. Há uma concentração muito grande especificamente entre outubro e novembro. E existe aí nesse lugar uma desorganização. Não creio que a Abrafin possa resolver isso sozinha. São muitos fatores alheios à questão associativa. Mas nas nossas metas está um letramento para dentro, falar com todos, tentar ajudar uma reorganização. Também queremos reforçar as redes regionais de festivais, trocando experiências, ajudando-se mutuamente e, assim, reduzindo custos, melhorando a produção. E queremos manter e ampliar a Rede Música Brasil, que reúne a gente, reúne instituições públicas, todos para tentar construir articulação.
Como será essa atuação regional?
A Abrafin tem regiões geográficas que coincidem com as regiões do país. Mas Minas tem um circuito próprio, deveria ser uma região. São Paulo e Rio seriam outras regiões próprias. Como também, às vezes, o Norte é maior, entra no Maranhão, por exemplo, que está no Nordeste, mas que não tem a mesma lógica musical e de organização da Bahia ou de Pernambuco. Há interseções nesses conjuntos, os circuitos não precisam estar fechados numa região geográfica. Nossa missão é pensar essas coisas, ampliar a diversidade, a grandeza do país. O Brasil não é só diverso, é um universo, cada lugar é diferente, com costumes diferentes, modos de vida, culturas. Não podemos nos esquecer disso. E precisamos conhecer a fundo o arcabouço legal, as leis de cada lugar, para que nossos membros se beneficiem delas. Há muitas leis regionais que emulam o espírito da Lei Rouanet, mas precisamos estudar, não dá para simplesmente jogar editais ao alto, e que ninguém saiba bem o que está acontecendo disso, como está evoluindo. Hoje, não há tanto controle nem metas nos editais regionais. Os recursos da Lei Aldir Blanc vão em grande parte para os pequenos municípios, mas é preciso capacitá-los para receber e gerir bem isso. É fundamental não pensar só em nível macro.
E internacionalmente? Vocês têm ou pretendem ter articulação com eventos de fora?
Já temos e queremos ampliar isso estrategicamente. Os festivais estrangeiros são muito importantes, tanto para difundir a música brasileira no exterior, através de curadorias, como para trocar experiências, pensar juntos as cenas. Temos conexões com algumas associações lá fora, mas é preciso pensar isso melhor, desenhar melhor. Temos que nos relacionar com mais mercados. Sabemos da dificuldade da América do Norte com a música brasileira, há um protecionismo deles, temos muita dificuldade lá. Mas há circuitos possíveis, de indie, de rock, de jazz, alguns em que nossos artistas circulam com mais facilidade. Mas geralmente a Europa enxerga melhor a diversidade da cultura brasileira, vende-se mais por lá. E podemos e devemos estar inseridos numa lógica global de um jeito próprio, nosso, com a ótica dos independentes, sejam eles do tamanho que forem. Temos grandes festivais entre os associados, mas nenhum de marca, não estão o Rock in Rio, o Lollapalooza e outros assim. Isso não significa que não devemos olhar para os mesmos cenários que eles olham. É fundamental ter diálogos com todas as vozes, todas as perspectivas do mercado.
LEIA MAIS: 28 festivais de música que acolhem artistas independentes (com contatos)
LEIA MAIS: O que está por trás de tantos cancelamentos de festivais e turnês
LEIA MAIS: 6 dicas para ajudar você a montar sua turnê internacional