Instagram Feed

ubcmusica

No

cias

Notícias

Mateus Aleluia e Gilberto Gil, a face bonita do Brasil em Lisboa
Publicado em 10/12/2021

Repórter da UBC comenta passagens dos dois por Portugal, onde sua poesia e sua exaltação à negritude atraíram milhares de pessoas

Por Fabiane Pereira, de Lisboa

Quando Gilberto Gil e Mateus Aleluia sobem num palco em qualquer lugar do mundo, a plateia se cala para reverenciá-los. Quando esse ritual acontece em Portugal, o público entende que ancestralidade é raiz profunda — e que honrá-la faz parte da nossa evolução como seres humanos. Ambos baianos, eles carregam no peito, na voz e na sua obra os encantos da África, que dão identidade, régua e compasso à arte criada naquele pedaço de chão tão fértil para a música brasileira. 

O agora imortal Gil teve em Lisboa um dos pontos altos da sua longa turnê pela Europa encerrada em novembro, com 20 shows e 50 dias de estrada. O cantor e compositor, dono de uma extensa obra cuja base passa pela sonoridade do Nordeste e pelo violão de João Gilberto, visitou ainda cidades como Paris, Budapeste, Viena, Estocolmo e Porto, sempre acompanhado de uma banda formada majoritariamente por seus filhos e netos, e com a participação especial da cantora e compositora Adriana Calcanhotto.

Nas duas noites em que esteve no Coliseu de Lisboa, ambas com ingressos esgotados, vimos um Gil à vontade. Já nos primeiros acordes, ele convidou o público a embarcar no seu “Expresso 2222”. Enfileirando hits, e com a plateia nas mãos, convidou o público a uma viagem nostálgica a um passado mais bonito, em “Back in Bahia”. Entre uma música e outra, o artista ia contando seus causos, falando da importância de Portugal para sua carreira e do orgulho que sente dos seus descendentes, herdeiros da sua musicalidade — caso dos filhos Bem Gil (guitarra e voz) e José Gil (percussão) e dos netos João (guitarra) e Flor (voz e teclados). 

Num show marcado por protestos de parte do público contra o governo brasileiro e a crise política, sanitária e econômica do país, Gil evocou a parceria com Caetano Veloso e o movimento Tropicália, que internacionalizou a música, o cinema, as artes plásticas e o teatro nacionais. O movimento gerou descontentamento do regime militar vigente à época, e os dois parceiros acabaram exilados. “O exílio em Londres contribuiu para a influência do mundo pop na minha obra”, resumiu Gil, aludindo à incorporação do reggae e de outros gêneros a uma base musical até então essencialmente brasileira. 

Assim como brasileiríssima é a criação do gigante Mateus Aleluia. Lendário integrante d’Os Tincoãs, grupo que se manteve ativo entre os anos 1960 e 1970 e revolucionou a música brasileira ao criar harmonias vocais para cantos de religiões afro e sambas de roda, Aleluia mostrou que Bahia, África e Portugal têm muito em comum. A musicalidade expressiva do cantor, compositor e instrumentista de 78 anos calou fundo no lisboeta Espaço Espelho D'Água, onde suas duas apresentações tiveram ingressos esgotados vários dias antes. Pudera: não era um show qualquer. Era o regresso dele a Portugal após 40 anos. 

“A cidade que conheci já não é a mesma. Lisboa, cada dia que passa, se apresenta para o mundo pelo verdadeiro papel que nasceu para ter. Penso que é um papel agregador. Portugal nasceu para incluir", disse o artista após tocar a primeira música. Com uma plateia hipnotizada, Mateus entoava seus afrocantos como um orixá. Nascido em Cachoeira, "uma cidade do recôncavo baiano, onde tudo faz lembrar Portugal", o músico relembrou ao público que quase 80% de seus conterrâneos são oriundos de “uma massa humana que atravessou o Atlântico, vinda da África”.

Com uma vida dedicada à arte, Mateus contou que foi em Portugal que deixou de ser “Mateus dos Tincoãs” para se tornar “Mateus Aleluia”. Com de meio século dedicado à música afro-barroca, às pesquisas e filosofias africanas, aos sons de terreiro e às células rítmicas e melódicas do candomblé, o artista encerrou seu show tornado encontro ecumênico defendendo que, “se no Brasil temos uma cultura tão alicerçada, do ponto de vista barroco e do ponto de vista africano, é porque essa cultura vem do culto. Católico e do candomblé."

Quando dois artistas pretos da estatura simbólica e cultural de Gilberto Gil e Mateus Aleluia sobem no palco, a gente entende que a união de música e religião sempre foi uma estratégia de resistência. Um jeito de manter vivas a história e as tradições dos afrodescendentes. Vista a grandeza dessa mistura e dessa arte, é de se supor que essa ancestralidade continuará viva por muito tempo ainda.

LEIA MAIS: Uma celebração a grandes criadores afrodescendentes na Revista UBC #36

LEIA MAIS: Livro conta a história da música brasileira em 100 imagens


 

 



Voltar