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Inadimplência e compositores prejudicados no carnaval de Pernambuco
Publicado em 08/02/2024

Prefeitura de Recife não paga direitos autorais nos festejos que promove; e o governo estadual publicou convocatórias que o ‘isentaram’ de pagar ao Ecad

Do Rio

Multidão desfila pelas ruas de Recife durante o Galo da Madrugada: prefeitura está inadimplente. Foto: Cacio Murilo/Shutterstock

Compositores que tiveram obras usadas em centenas de eventos do carnaval pernambucano nos últimos anos vêm sendo prejudicados de duas maneiras diferentes. No Recife, segundo o Ecad, a prefeitura está inadimplente com os obrigatórios pagamentos de direitos de execução pública das canções que tocam nos festejos realizados por ela. Já o Estado de Pernambuco vinha praticando, há alguns anos, uma ilegalidade ao incluir nas convocatórias carnavalescas uma cláusula que o “isentava” do pagamento — delegando-o, em seu lugar, aos próprios artistas vencedores dos editais. A lei de direitos autorais (9.610/98) é clara: são os promotores do evento — neste caso, o próprio Estado — que devem fazer o pagamento ao Ecad.

Sobre a prefeitura recifense, não há valores do prejuízo, já que os contratos celebrados entre ela e os artistas que participam dos eventos não são tornados públicos. O Ecad notificou a administração do prefeito João Campos para quitar os débitos e regularizar a situação. E anunciou que este ano fará gravações dos famosos blocos que desfilam pela cidade, além dos palcos de shows e outros eventos, para saber quais canções que vêm sendo executadas.

Segundo o Ecad, a inadimplência do poder municipal da capital pernambucana não afeta só o carnaval, mas também se estende aos festejos juninos de 2022 e 2023 e às festas de réveillon de 2023 e 2024.

“Por conta das pendências dos anos anteriores, o Ecad acionou a Justiça para cobrar os valores pertencentes a autores e compositores das canções tocadas nos festejos, conforme prevê a legislação brasileira”, disse o órgão em nota. “O Ecad vem ainda reunindo todos os esforços no sentido de chamar atenção para que produtores de eventos, sejam eles públicos ou privados, tenham certeza de que o direito do autor foi pago. A instituição alerta para que os patrocinadores tenham o cuidado de associar sua marca a quem respeita a legislação, e não aceitem, de maneira alguma, apoio a eventos musicais que não pagam o autor.”

No caso do Estado, com a cláusula irregular — que já não consta da convocatória de 2024 —, a situação vinha se arrastando pelo menos desde 2019, conforme a UBC apurou. Na convocatória de 2019, o texto afirmava, em seu artigo 15.7:

"São de inteira responsabilidade do contratado quaisquer obrigações devidas ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD ou outras instituições relacionadas às apresentações artísticas vinculadas a esta Convocatória.”

Em anos seguintes, com pequenas diferenças de redação, o texto se manteve em todas as chamadas para os eventos de carnaval.

Em 2020, o anexo de uma convocatória carnavalesca da Fundarpe, a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco, foi ainda mais explícito na irregularidade, dizendo ser responsabilidade dos artistas e intérpretes (e não sua, como manda a lei) pagar os direitos autorais. Pelo documento, caberiam aos contratados (ou seja, aos artistas):

“Todos os encargos e obrigações trabalhistas, previdenciários, tributários, comerciais, de direitos autorais e outras de natureza legal, ficando a FUNDARPE isenta de qualquer responsabilidade nesse sentido.”

A UBC procurou a Secretaria de Cultura de Pernambuco, responsável pela Fundarpe, pedindo explicações sobre a inclusão das cláusulas abusivas nas convocatórias de anos anteriores e sua exclusão este ano. Assim que um posicionamento for passado pelo órgão, este texto será atualizado.

Para o diretor-executivo da UBC, Marcelo Castello Branco, é particularmente grave que desrespeitos à obrigação de pagar pela execução pública de músicas em eventos — no carnaval e durante todo o ano — venham justo de esferas administrativas como prefeituras e governos estaduais:

“O desrespeito do poder público quando não atento ao direito autoral é aviltante e preocupante por si só. Mas, quando isso avança na busca de fórmulas para camuflar não pagamento aos milhares de autores que contribuem decisivamente para a festa do carnaval, já passa de todos os limites de um suposto desconhecimento ou desinformação. Mais lamentável ainda é ver administrações supostamente jovens e progressistas caírem nesta cilada medieval e serem corresponsáveis por uma arquitetura de transferência de atribuições e deveres. Estendo nossa indignação às marcas patrocinadoras, que publicamente simulam processos de governança impecável e exemplar e, na prática, não se preocupam com um direito tão básico, fundamental e protegido por lei. É um grande teatro de hipocrisia que acredita que tudo acaba numa quarta-feira. Mas não. Não começa ali e nem acaba lá.”

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