Plataforma reduz divisão de podcasts e vende ferramenta de criação à distância; resultado do 1º trimestre mantém boa fase da empresa
Por Ricardo Silva, de São Paulo
Dois movimentos anunciados estes dias pelo Spotify geraram burburinho no mercado, poucas semanas depois de a maior plataforma do mundo divulgar mais um excelente balanço trimestral — que se segue ao melhor ano (2022) da sua história. Na semana passada, a gigante sueca revelou planos para demitir 200 pessoas (2% da sua força de trabalho global) especificamente do seu departamento de podcasts. E, agora, a empresa comunica a venda da ferramenta Soundtrap, que permite a compositores e produtores fazer parcerias à distância.
Ambos os movimentos foram entendidos por analistas como uma estratégia clara de redução de custos para focar no crescimento da base de assinantes globalmente — principalmente em mercados emergentes —, chave para conquistar o sonhado lucro operacional, algo ainda distante para todas as empresas que trabalham exclusivamente com streaming musical.
No comunicado sobre as demissões, o vice-presidente de podcasts, Sahar Elhabashi, disse que elas fazem parte de um esforço mais amplo para passar à “próxima fase de nossa estratégia de podcast”, que “começa com a maximização do consumo do grande público que estabelecemos por meio da inovação de formato” e inclui “a introdução de mais modelos de negócios para ajudar mais criadores a ganharem dinheiro com seu trabalho”.
“Esse giro nos permitirá apoiar melhor a comunidade de criadores. No entanto, isso requer adaptação; nos últimos meses, nossa equipe de liderança sênior trabalhou em estreita colaboração com o RH para determinar a organização ideal para este próximo capítulo. A decisão (sobre as demissões) foi difícil, mas necessária”, ele afirmou, deixando claro que o setor de podcasts, um dos grandes diferenciais da plataforma em relação à concorrência, continuará a apostar em grandes nomes para atrair audiência e anúncios.
Os cortes, no entanto, não devem parar por aí. Em janeiro, a plataforma havia antecipado que se desfaria de até 500 postos de trabalho, de um total de 10 mil trabalhadores globais, como estratégia de redução de custos operacionais.
“Para oferecer uma perspectiva sobre por que estamos tomando essa decisão, em 2022 o crescimento da despesa operacional do Spotify ultrapassou nosso crescimento de receita em duas vezes. Isso seria insustentável a longo prazo em qualquer clima, mas com um ambiente macrodesafiador (para o streaming) é ainda mais”, explicou Daniel Ek, fundador e diretor-executivo da plataforma, numa carta ao mercado na época.
Em abril, o Spotify encerrou seu aplicativo de áudio ao vivo, o Spotify Live, cerca de dois anos após o lançamento. A razão também era o alto custo operacional da ferramenta.
Outra ferramenta que vem demandando gastos sem o retorno esperado é a Soundtrap, que foi tema de uma reportagem há alguns meses aqui no site da UBC. Na ocasião, um dos nossos repórteres participou de uma masterclass sobre a funcionalidade, que permite a criação à distância por produtores e artistas parceiros em qualquer parte do mundo — um modo de composição e produção que, durante a pandemia, parecia predestinado a se tornar dominante, mas que se desinflou quando os confinamentos terminaram.
Visionário, o Spotify havia adquirido o Soundtrap ainda em 2017 de uma start-up sueca por um valor que teria alcançado os US$ 30 milhões. Agora, finaliza negociações para vender a ferramenta aos seus criadores originais por um valor não revelado.
Segundo o site sueco Dagens Industri, 100 dos empregados atuais do Spotify ficarão com a Soundtrap como empresa independente. Junto com a venda, ainda em 2021, do marketplace musical Soundbetter, a nova transação deixa claro que o Spotify já não pensa em apostar na perna da criação musical, centrando seus esforços na distribuição, seu negócio mais forte.
Uma compilação de decisões de investimento publicada esta semana pela analista de mercado Eliane Mendonça mostrou que a maioria dos gestores tem respondido positivamente aos anúncios do Spotify, recomendando a compra de ações. De fato, de janeiro para cá a valorização das ações da empresa no índice Nasdaq, de Nova York, foi de 85% — nesta terça-feira (13), o preço da ação ali fechou em US$ 151,54, contra os US$ 81,9 do primeiro dia útil deste ano. A expectativa é que, até o final deste ano, o valor passe de US$ 200.
Enquanto isso, o Spotify vem batendo recordes sucessivos, como mostram seus mais recentes relatórios trimestrais. Em 2022, a plataforma teve seu melhor ano, alcançando 205 milhões de assinantes premium, experimentando enormes crescimentos em mercados emergentes, como a América Latina.
A boa fase continuou no primeiro trimestre deste ano, quando mais 5 milhões de assinantes premium foram adicionados à base da plataforma globalmente, totalizando 210 milhões. O total de usuários ativos mensalmente alcançou 515 milhões, 26 milhões a mais do que no último trimestre de 2022.
Já o prejuízo operacional — que persiste não só na empresa, mas em todas as que operam exclusivamente com streaming de áudio — caiu dos € 231 milhões (R$ 1,2 bilhão, pelo câmbio atual) do último trimestre de 2022 para € 156 milhões (R$ 819 milhões). Uma melhora notável que mostra que a estratégia de reduzir para crescer parece mesmo estar dando certo.
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