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Artigo: Demos uma chance à IA, por Björn Ulvaeus
Publicado em 21/11/2023

E se a inteligência artificial fosse usada a favor dos criadores? Como remunerar os humanos pelo uso de suas obras? Fundador do ABBA comenta

Em meio às lógicas e justificadas preocupações de milhares de compositores mundo afora a respeito das varreduras de seus materiais protegidos para "treinar" a inteligência artificial generativa, ganham força vozes como a de Björn Ulvaeus. Um dos fundadores do ABBA, presidente da Cisac - Confederação Internacional das Sociedades de Autores e Compositores, ele crê que há mecanismos perfeitamente legítimos para integrar a IA ao cotidiano da criação e ainda remunerar os humanos por trás do processo de composição. 

Neste artigo para o Financial Times gentilmente cedido pelo jornal com mediação da Cisac, e que reproduzimos com exclusividade mundial em português, Ulvaeus expõe seus argumentos a partir do ponto de vista de quem vem observando também oportunidades — e não só perigos — numa tecnologia que veio para ficar. 

'Take a Chance' (Demos uma chance) à IA

Por Björn Ulvaeus, de Estocolmo

As expectativas eram altíssimas. Era 22 de novembro de 1968 quando Benny Andersson removeu cuidadosamente a capa de plástico do álbum branco dos Beatles. Estávamos em seu pequeno apartamento no centro de Estocolmo e tínhamos acabado de sair e comprá-lo. Ele o colocou no toca-discos e ouvimos com reverência – cada nota, cada palavra, cada instrumento, cada voz, cada som. Absorvemos tudo e, quando terminamos, recomeçamos. Assim como milhões de outras pessoas ao redor do mundo.

Os Beatles inspiraram mais jovens a começar a escrever canções do que qualquer outra banda na história. É ouvindo repetidamente as músicas que ama e admira que você aprende. Se um dia tiver a sorte de escrever um hit sozinho, pode ter certeza de que todas essas músicas o(a) ajudaram. Elas permanecem em seu subconsciente de alguma forma, desde que você as ouviu pela primeira vez. Dá para dizer que você foi ‘treinado(a)’ por elas. 

Se você realmente ganha a vida como compositor(a), deveria humildemente reconhecer que está apoiado(a) sobre os ombros de outros. Além da admiração e da gratidão, em termos monetários o que os Beatles receberam de mim foram os royalties dos discos que comprei. Mas, agora, há outro tipo de compositor no pedaço, ainda mais interessado em aprender. Mais especificamente, interessado em aprendizagem profunda. Ele tem uma rede neural imitando vagamente a minha — mas ainda não chegou lá.

Alguns modelos de inteligência artificial já podem gerar música a partir de trechos de texto e estão cada vez mais avançados. Fui apresentado recentemente ao Music AI Incubator do YouTube e fiquei impressionado. Acima de tudo, foi surpreendente o que ele será capaz de fazer no futuro – e fez-me perceber quão urgente é encontrar respostas para tantas questões relativas a direitos autorais que têm surgido. Como os criadores originais podem ser justamente remunerados pela utilização das suas obras no treinamento da IA? Os criadores deveriam ter o direito de recusar esse uso? Quem (se é que existe) pode ser considerado o proprietário da produção feita com IA?

Algumas partes do modelo de IA são mais bem protegidas pelas leis de direitos autorais do que outras. O modelo de IA geralmente foi treinado em uma infinidade de obras individuais, cada uma consistindo de muitas partes diferentes: som, estilo, gênero, voz, instrumentação, melodia, letras e muito mais. Por exemplo, não está claro se um cantor célebre, com a sua voz recriada por IA, pode controlar ou impedir a exploração de obras que utilizam essa recriação.

A proteção dos direitos das músicas (melodia e letra) precisa de atenção urgente. Em quase todos os casos, treinar um modelo de IA em material não licenciado é uma violação de direitos autorais – a menos que se possa argumentar que se aplica aqui uma exeção ao direito. Mas esse tipo de execção geralmente é para usos não comerciais, e este não será o caso de uma significativa parte das músicas geradas por IA. Quem, então, deve deter os direitos?

Copyright é o direito do criador de impedir que seu trabalho seja, ou permitir que seja, copiado. Como o resultado pode não conter tecnicamente nenhum material que foi originalmente protegido, estamos em território desconhecido. Como artista, penso que o princípio geral aqui deve ser a liberdade de expressão. Isto pode ser controverso, mas começo a pensar que devemos estar abertos a ver o prompter (o manipulador de informação por IA), por mais simples que seja o prompt (o resultado da manipulação), como criador — e, portanto, o autor — do resultado.

Os resultados inteiramente gerados por computador não deveriam, evidentemente, receber protecção de direitos de autor. Mas a contribuição humana deve ser protegida – e o meu palpite é que os humanos estarão envolvidos na maior parte do tempo.

As ferramentas de IA nas mãos certas podem resultar em novas expressões artísticas surpreendentes, e o criador deve ter tanta liberdade quanto possível. Quase imagino a tecnologia como uma extensão da minha mente, dando-me acesso a um mundo além das minhas próprias experiências musicais. O criador não deve ficar preso a regras complicadas sobre a quantidade de IA que usou ou ter que declarar exatamente em quem foi inspirado.

Em vez disso, imagino um usuário inserindo uma série de prompts, experimentando estilos diferentes, inspirados em vários compositores e letristas, talvez até usando partes da melodia gerada e da letra. (É importante entender que estas não serão cópias, serão composições originais).

Juntamente com a opinião do próprio usuário, esse processo pode resultar em uma música aceitável – ou até mesmo ótima. Então, como você atribui uma porcentagem às diversas contribuições? Mesmo que fosse tecnicamente possível rastrear as origens, a quantidade de metadados necessários para administrar os pagamentos seria impressionante.

Quando se chega a esse ponto, a indústria da música já está mais do que confusa. Possíveis soluções de remuneração estão por toda parte. Uma ideia é um modelo de assinatura. Como compositor, eu poderia pensar em deixar o Incubator (ou outros modelos de IA generativa) serem treinados com meus trabalhos se pudesse assinar uma versão profissional e se uma parte do valor dessa assinatura fosse devolvida à comunidade criativa através de editoras e sociedades de gestão coletiva. Algo assim é claramente factível e deve ser considerado.

A mudança que está ocorrendo na música, assim como na sociedade como um todo, é monumental. Ninguém sabe o que está por vir. As empresas tecnológicas irão pressionar para monetizar e dimensionar modelos de IA rapidamente, mesmo quando apenas começamos a compreender a sua utilização. Mas precisamos que os criadores originais sejam protegidos e remunerados de uma maneira justa.

 

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