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Abismo entre mainstream e independentes está aumentando, diz Impala
Publicado em 14/07/2025

Estudo da organização europeia alerta para a ameaça trazida pela IA, pela desmonetização e por outros fatores que enfraquecem os ‘indies’

Por Eduardo Lemos Martin, de Bath, Inglaterra

Para os grandes detentores de direitos, o mercado da música em 2025 só traz boas notícias: receitas recordes impulsionadas por 800 milhões de assinantes premium (entre todas as plataformas) e um mercado global de música gravada avaliado em mais de US$ 30 bilhões, segundo a IFPI. Mas, para artistas e gravadoras que atuam de forma independente, o cenário está longe de ser tão animador. E a diferença entre esses dois mundos está aumentado, de acordo com o relatório “Combatendo a Emergência de um Mercado de Streaming de Música em Duas Camadas", publicado há alguns dias pela Impala, organização que atualmente representa mais de 6.000 gravadoras independentes na Europa.

“A indústria de música digital está em um momento crítico. Há um abismo crescente entre grandes detentores de direitos e atores independentes, impulsionado pela consolidação do mercado, políticas opacas das plataformas e novas práticas de monetização que, cada vez mais, favorecem a quantidade em detrimento da diversidade", defendem Dan Fowler e Katherine Bassett, autores do estudo.

Os especialistas reconhecem que, nos últimos anos, ocorreram mudanças positivas no ecossistema de streaming. Eles destacam os preços das assinaturas, que começaram a subir em alguns países (trazendo maiores ganhos aos titulares de direitos) e a discussão e implantação de alguns sistemas alternativos de pagamento de royalties, como o modelo “user-centric", tido como mais beneficioso para os independentes.

As plataformas também apertaram o cerco contra fraudes, violação de conteúdo e uso de obras sem direito autoral. Em 2024, o Spotify começou a punir artistas, gravadoras e distribuidoras que comprassem espaço em playlists de curadores independentes (não ligados ao time editorial das plataformas) e a manipulação de plays, também chamada de stream artificial, que infla falsamente o número de vezes que uma faixa foi escutada. Ainda no ano passado, empresas como Believe, Downtown, Distrokid, Amazon Music e o Spotify lançaram uma campanha contra fraudes no streaming. Chamada de Music Fraud Alliance, a força-tarefa reunia grandes players da indústria para tentar erradicar a fraude nas plataformas.

CRÍTICA AO LIMITE MÍNIMO DE STREAMS

No entanto, para os autores, estes e outros desenvolvimentos recentes foram “impostos ao mercado” por um número pequeno de atores e “acabaram estabelecendo precedentes perigosos que estão dando abertura a abusos quando motivados por pressão comercial". Os especialistas citam especialmente os limites mínimos de streaming, que, a despeito de terem sido introduzidos com a intenção de combater fraudes como as audições falsas, agora têm afetado desproporcionalmente aqueles artistas e gravadoras cujo conjunto de obras atinge apenas parcialmente a linha de corte de streams. Como se sabe, sem alcançar um limite mínimo, grande parte dos titulares acaba não recebendo nada na distribuição dos royalties. O estudo chama esse fenômeno de desmonetização.

Além disso, o trabalho mostra preocupação com as chamadas “ferramentas de aumento de plays”, que permitem que artistas usem alguns mecanismos, como playlists algorítmicas, para fazer crescerem suas audições. Em troca, eles permitem um desconto nos royalties que deveriam receber, um pagamento à plataforma por esse serviço de "impulsionamento". Segundo a Impala, quem mais se beneficia nessa negociação são as plataformas, e não os artistas independentes. Fowler e Bassett, porém, não mencionaram o papel vital de gravadoras e distribuidoras — que mordem um pedaço mais do que considerável do bolo antes de ele ser servido ao artista — para tentar reequilibrar melhor a partição das receitas digitais.

Segundo o relatório, os principais pontos de preocupação incluem:

1. Limite mínimo de streams para poder receber roaylties (desmonetização), que está diminuindo as receitas de gravadoras independentes e gêneros de nicho, impactando desproporcionalmente o repertório clássico, jazz, regional e não inglês.

2. Ferramentas de pagamento para impulsionar a reprodução, como "Modo Descoberta" e similares, que cobram dos artistas por "impulsionamento" enquanto, na opinião da Impala, oferecem benefícios pouco claros e transparência limitada.

3. Pressões impulsionadas pela tecnologia, como o crescimento da IA generativa e fraudes no streaming, que ameaçam desvalorizar a criatividade humana e desviar os lucros de criadores legítimos.

4. O excesso de oferta em massa de música, impulsionado por baixas barreiras de entrada e o incentivo a uploads de enormes volumes de música, o que contribui para a diluição dos fundos de royalties e enfraquece a visibilidade e a sustentabilidade do mercado de criadores legítimos.

5. Os preços das assinaturas, que continuam com reajustes abaixo da inflação, apesar de alguns aumentos recentes.

PROPOSTAS CONCRETAS

Olhando para o futuro, o relatório apresenta cinco propostas concretas de melhoria e identifica cinco áreas críticas para atenção imediata. São elas:

1. Combater a diluição da IA e a fraude de streaming por meio da colaboração e regulamentação entre setores — mercado, criadores de políticas públicas.

2. Reformar os modelos de distribuição de royalties para garantir acesso justo a todos os participantes do mercado e aumentar as taxas de assinatura de acordo com a inflação.

3. Aumentar a transparência nas práticas das DSPs (plataformas), especialmente no que diz respeito a ferramentas de impulsionamento de reprodução e limites mínimos de streams para pagamento de royalties.

4. Restringir e reverter a consolidação de mercado (em outras palavras, a concentração cada vez maior no mainstream), a fim de manter a diversidade competitiva.

5. Incorporar consultas (aos diferentes atores do mercado) e avaliações de impacto ante quaisquer mudanças futuras no setor, para evitar danos não intencionais.

 

Gee Davy, CEO da Associação de Música Independente (AIM), disse que o estudo “escancarou os efeitos nocivos dos limites do streaming e da desmonetização de muitos artistas”:

“O streaming, apesar de toda a sua promessa de democratização, está, em alguns casos, proporcionando o oposto – tirando renda daqueles que mais precisam e redistribuindo-a para a elite. O excesso de oferta, a diluição e a fraude devem ser abordados, mas não às custas da nossa música emergente, diversa e de nicho.”

Dan Fowler, coautor do relatório, resumiu num comentário o tamanho do desafio:

“Em um momento em que a homogeneização cultural está em ascensão, em que a IA generativa está cada vez mais colocando a criatividade inovadora em competição com a derivação em massa, corremos o risco de um futuro em que a diversidade musical também esteja sendo ativamente suprimida comercialmente.”

 

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