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7 temas no centro das atenções do mercado da música
Publicado em 03/04/2023

Especialistas que percorrem circuito de grandes encontros internacionais falam sobre tendências e assuntos que vêm mobilizando a indústria

Por Alessandro Soler, de Berlim

Quase tão intensa quanto a proliferação de novas tecnologias e tendências no mercado musical é a multiplicação de eventos para tentar entendê-las. Semana passada terminou, em Treviso, na Itália, a décima edição da Conferência Internacional de Novos Conceitos Musicais, com a apresentação de estudos inovadores sobre as aplicações musicais no metaverso. Uns dias antes, o célebre South By Southwest (SXSW), no Texas (EUA), trouxe uma miríade de temas, da composição por inteligência artificial ao desafio do correto manejo de big data na música. Agora em abril, no Brasil, o Rio2C será grandemente dedicado aos métodos de transformação da música em fonte de soft power — o poder global de um país através da sua cultura. Em maio, a Cidade do México receberá a edição 2023 do encontro Novas Interfaces Para a Expressão Musical, debatendo o uso de instrumentos musicais de realidade aumentada e os sistemas virtuais de cocriação à distância...

Afinal, no que de fato devemos prestar atenção, em meio a um mar de temas com potencial de impacto real sobre a criação musical? Para tentar dar uma ordem a tanto blablablá, falamos com especialistas que circulam em eventos ou os promovem. Eles nos ajudaram a identificar sete temas que vêm mobilizando quem faz ou vive da/para a música. Confira o que disseram. 

 

1 – Inteligência artificial: ainda há muito o que dizer

Se você tem a sensação de que não se fala em outra coisa no mundo da música, acertou. Tanto na conferência de Treviso como no SXSW, a IA eclipsou quase todas as outras discussões — e o tema parece longe de se esgotar. 

Se, por um lado, muitos criadores temem as consequências da difusão maciça de canções criadas por robôs, os especialistas reunidos no megaevento americano, por exemplo, trouxeram um panorama mais positivo. Eles destacaram como softwares tipo ChatGPT podem se tornam ferramentas aliadas do compositor — e não substitutivas do trabalho humano. Foi o que descreveu Daniel Campello, advogado especialista em direitos autorais que foi ao Texas.

“Em vários painéis, a IA foi colocada como uma ferramenta de criação. Mas, por outro lado, estamos numa fronteira em relação à regulação disso”, disse Campello, que é diretor-executivo da ORB Music, uma plataforma de gestão de direitos.

Em nenhum dos eventos foram propostas soluções definitivas para essa regulação, inclusive porque legisladores e Judiciário do mundo todo ainda não sabem bem como classificar a criação por robôs. Campello recordou que o Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos acaba de publicar uma resolução sobre o tema — já noticiada na edição de março da Revista UBC

Basicamente, o órgão americano gestor dos registros sujeitos a copyright reitera a presença indispensável do componente humano na criação, o que, no seu entendimento, não ocorre com canções escritas por ChatGPT e similares. Mas o próprio Escritório antecipa: o debate só começou, e novas resoluções futuras trarão novidades na área. 

2 – Metadados: o poder está com quem os detém

A correta identificação dos participantes de uma faixa – sobretudo num mundo de crescentes colaborações à distância, uso maciço de samples e mais de 100 mil canções subidas a cada dia às plataformas – é um tema central. Basicamente porque impacta diretamente a distribuição do bolo gerado pela exploração de músicas. Já passou da hora de você, criador, se ligar neste debate. 

“O problema dos metadados tem aparecido muito nos eventos”, resumiu Cris Falcão, diretora-geral para a América Latina na Ingrooves, uma das líderes mundiais em distribuição, marketing e tecnologia musical. “O mercado precisa continuar a prestar atenção a esse problema. A tecnologia vem com uma velocidade voraz, e a gente tem que pensar no âmbito do criador, que não pode ser engolido”, ponderou Cris. 

Para além do desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar os metadados, também há um princípio de tomada de consciência dos próprios compositores e outros participantes da indústria sobre a necessidade de ter controle sobre seus dados. 

É o que afirmou Virginia Dias Caron, especialista em gestão de direitos e fundadora da Tropica Music & Film, uma agência sediada em Paris e dedicada à gestão e ao desenvolvimento internacional de carreiras artísticas.

“A superprodução de dados é muito rápida. Ter acesso aos dados é ter poder. Um autor precisa conhecer seus dados, preocupar-se pela sua correta identificação nas plataformas, nas colaborações musicais. Como a minha música é usada? Como ocorre a identificação dela? Quanto eu ganho? Como melhorar esses ganhos? Vejo na Europa muitos artistas se interessando cada vez mais sobre isso. No Brasil, ainda não tanto. A ausência de consciência disso é similar à do artista musical que assinava qualquer contrato, sem ter a mínima ideia, nos anos 1960 ou 70.”

3 – Cocriçaão à distância e uso de instrumentos de realidade aumentada

Diretamente vinculada ao tema dos metadados está a crescente utilização de tecnologias que permitem a criação à distância. Quando trabalho com alguém que está do outro lado do mundo e que, em muitos casos, mal conheço, preciso garantir que a minha contribuição fique bem registrada e se reverta num justo rendimento. 

Atualmente, surgem novos programas que aproximam potenciais colaboradores e garantem que a parte de cada um seja corretamente identificada. A própria UBC tem uma parceria com uma das principais ferramentas do gênero, o Session Studio. O salto que plataformas como essa poderão propiciar para a criação musical descentralizada e internacional, nos próximos anos, é enorme.

E não só: uma nova geração de softwares deverá permitir a criação de música a partir de qualquer objeto que gere som, sem a necessidade de um instrumento. Programas de realidade aumentada se encarregarão de transformar esses ruídos em notas e acordes – outro potencial incrível de difusão e democratização, já que os caros instrumentos poderiam vir a ser dispensados em alguns casos. 

O debate sobre essas tecnologias disruptivas ocupará um lugar central no próximo Novas Interfaces para a Expressão Musical, em maio, no México. 

“O tema do encontro deste ano é criação frugal. Teremos pesquisadores, tecnólogos, músicos e artistas mostrando que a inovação é possível e replicável por qualquer um. De preferência, por todos. A chave para isso é a popularização das tecnologias”, descreveram Hugo Solís García e Eric Pérez Segura, organizadores do encontro.

4 – Compras maciças de catálogos: este mercado ainda rende

Já não é o “tema sexy” do dia, mas continua com força total a aquisição de catálogos inteiros de grandes nomes da música por fundos de investimento ou grandes editoras internacionais. Foi mote de reportagem de capa da Revista UBC há dois anos e, em 2022, esteve por trás do melhor resultado de todos os tempos da BMG, uma das maiores editoras musicais do mundo. Divulgado nesta quinta-feira (30), o balanço da gigante alemã da música mostra receitas totais de € 866 milhões, € 203 milhões mais que em 2021. O próprio grupo admite que as compras de catálogos são a base dessa incrível expansão de 30% num só ano — por isso, espera-se que o recorde de € 380 milhões gastos pela BMG ano passado na aquisição das obras de grandes artistas seja superado em 2023.

Durante o SXSW, o tema voltou a estar presente, como lembrou Clemente Magalhães, produtor de conteúdo sobre música, produtor musical e criador do podcast Papo Com Clê. Num dos painéis, surgiu entrecruzado a outro assunto que vem provocando dores de cabeça na indústria: as distorções provocadas pelos fonogramas de 30 segundos ou de criadores desconhecidos que vêm inundando o streaming com força total, bagunçando o coreto das distribuições de royalties.

“Uma reflexão forte que surgiu sobre as compras de catálogos foi essa: como precificar os catálogos quando (tantos) fonogramas entram no jogo roubando nas regras?”, indagou Clê.

5 – Direitos conexos: até quando músicos e intérpretes não receberão pagamentos periódicos no streaming?

A necessidade urgente de inserir intérpretes e, sobretudo, músicos executantes na roda das distribuições periódicas de direitos autorais do streaming tem frequentado muitos debates em conferências — e não é de hoje. Vai pintar em pelo menos um painel do próximo Rio2C, em abril, e esteve em uma mesa do SXSW. 

Ano passado, a França foi pioneira em chegar a um acordo que permitirá aos músicos receber uma parte dos ganhos periódicos pela execução, nas plataformas digitais, das canções de que eles participaram. Esperava-se que outros países fossem atrás. Até agora não aconteceu. 

“O debate no SXSW foi dentro do espaço da Gemma, a sociedade de gestão coletiva da Alemanha. Tocou-se muito na questão”, disse Daniel Campello, que destacou outros temas ligados aos direitos autorais abordados, entre eles a necessidade de amplificar o poder de agências locais para garantir uma melhor arrecadação em cada país.

6 – Algoritmos: um robô escolhe o próximo sucesso?

Não é só no cenário da criação que a inteligência artificial vem causando debate. Os famosos algoritmos — que fazem recomendações, incluem canções em playlists influentes e, em última análise, ajudam a ditar o que será ou não sucesso — também estão no centro das discussões recentes. 

“No SXSW, questionou-se muito o que seria de fato um hit, em meio a tantas músicas que são alavancadas ao topo das plataformas de streaming com investimentos pesados em tráfego pago, além do uso de bots (robôs que alteram o número de streams e, portanto, a percepção da audiência real de uma faixa). O Spotify, de tempos em tempos, faz sua varredura (atrás de bots), mas isso ainda tem feito uma grande diferença no jogo”, disse Clemente Magalhães

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7 – Como se tornar um poder global na música?

Um olhar holístico sobre a indústria local, com investimentos públicos e decisões estratégicas acertadas do mercado, está por trás do sucesso da música produzida em lugares tão diferentes como Coreia do Sul, América Hispânica e, mais recentemente, Nigéria e outros países africanos. Com o sucesso dos seus hits navegando a musicosfera, essas nações se tornam soft powers, ou seja, exercem um poder brando nas relações internacionais baseado na apreciação da sua cultura. 

No caso do reggaeton latino, as gravadoras pegaram carona no hit “Despacito”, de Luis Fonsi, de 2017, para lançar em massa outros artistas do gênero no mercado norte-americano. Portanto, foi uma ação coordenada do mercado. Já na Coreia do Sul, a disseminação do k-pop é resultado de décadas de políticas públicas somadas aos investimentos de agências privadas locais, que treinam seus ídolos em um formato meticulosamente pensado para conquistar o mercado internacional.

Este tema será um dos pilares da próxima edição do Rio2C, entre os dias 11 e 16 deste mês.  

“A música brasileira é frequentemente associada a uma imagem positiva e vibrante do país, o que pode contribuir para o fortalecimento da sua marca e atrair investimentos e turistas”, analisou, em entrevista à UBC, Rafael Lazarini, criador e curador do Rio2C. 

Apesar disso, o Brasil ainda perde muitas oportunidades de conquistar mais espaço no mainstream internacional. Os debates do evento carioca, o maior da inovação na América Latina, tentarão encontrar chaves para mudar esse panorama.

 

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